Arthur Soffiati: Terra
* Arthur Soffiati - Atualizado em 30/10/2020 12:58
Há mais terra na Terra do que água. Na escola, aprendemos que os oceanos ocupam ¾ do planeta, assim como o líquido no corpo humano ocupa a mesma proporção. Mas, mergulhemos em águas rasas, doces e salgadas, e encontraremos terra no fundo. Mergulhemos nas fossas abissais com equipamentos, tripulados ou não, e encontraremos terra no final. Nos profundos rios da bacia do Amazonas, esbarraremos em terra.
Um dos quatro elementos dos pensadores físicos da Grécia antiga, conhecidos como pré-socráticos, terra é o elemento sólido, seja pedra, barro, areia etc. Os outros três são água, ar e fogo. Depreende-se que terra, por exclusão, engloba todo tipo de sólido não-vivo natural. Mais espesso e volumoso que a terra, só o ar em seu sentido amplo. A espessura da camada atmosférica vai de 7 a 14 quilômetros. Em torno de todo o planeta, passando sobre a terra e o mar, sob o qual existe terra.
Mas a água se espalha sobre a terra de modo variado. Não há lugar mais molhado que os oceanos, os mares e os rios. Mas, no meio dessa água, pode surgir terra em forma de ilha. E de novo podemos encontrar água nas ilhas em forma de lago, como acontece na ilha de Marajó, onde existe o lago Arari. Há terras com muita umidade, como na Groelândia, em que a água é sólida, na forma de gelo, em sua maior parte. As terras intertropicais costumam conter bastante umidade. Daí crescerem nelas luxuriantes florestas. Mas há terras muito secas, como o deserto de Atacama.
E a água está no ar, em grande ou pequena proporção. O ideal, dizem os estudiosos, é que a atmosfera contenha no mínimo 60% de umidade em estado gasoso. Quanto mais desértica é a terra, menos umidade no ar. Pode acontecer, como vimos de sobra este ano, de ares úmidos tornarem-se ares secos. Então, entra em cena o fogo. Empédocles ainda é atual, mais de 2.500 anos depois de ter vivido: o mundo é formado por ar, terra, água e fogo. São os quatro elementos que, combinados pela força do amor, geram todas as criaturas. Mas a força do ódio as desintegra e deixa os quatro elementos disponíveis para uma nova combinação.
No presente momento, as atividades humanas na Terra têm liberado gases que se acumulam nas camadas mais altas da atmosfera e dificultam a fuga do calor. Presos, eles aquecem o ar, a terra e a água. Esse processo começou com a invenção da agricultura e da pecuária, e prosseguiu com o advento das civilizações. Ninguém se incomodou com a elevação das temperaturas do ar, da água e da terra até a última década do século XX. Apenas cientistas e ambientalistas alertavam quanto ao seu perigo. Os mais críticos demonstravam que a economia originada no século XI europeu e difundida ao mundo todo a partir do século XV era a responsável pelo aquecimento. Empresários, governos e população de todos os países não acreditavam que a Terra estava esquentando. Nem mesmo a maioria dos cientistas.
Agora, as elites estão se convencendo dessa elevação de temperatura. As geleiras estão derretendo, o nível dos oceanos está se elevando e avançando sobre a terra. A vegetação herbácea, arbustiva e arbórea dos continentes está carente de água. Esta aridez favorece a entrada em cena do elemento fogo. Se humanos que se importam apenas com seus interesses particulares cortam essa vegetação e a incendeiam na estação seca, o fogo a consome e se alastra para a vegetação viva, mas também seca, como acontece na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, no Pantanal, no domínio Atlântico e nos Campos do Sul. Ocorre também em biomas de outros países e continentes.
A Terra e as terras estão cada vez mais ressecadas. Enquanto os oceanos avançam sobre elas, a água doce se retrai, como em muitos lugares do Brasil e do mundo, e a terra avança. Os processos de desertificação se intensificam. Há menos água no ar e na terra. Há mais calor no ar, na terra e na água.
Os quatro elementos dos físicos gregos não se apresentam mais como Empédocles os concebeu. Para ele, a força do amor os combinava e os transformava em plantas, peixes, aves, mamíferos, mulheres e homens. A força do ódio levava esses seres à morte e os decompunha, deixando os quatro elementos livres para se recombinarem em seres diferentes.
Os físicos da antiga Grécia viviam num mundo equilibrado apesar de devastações locais. Mas, a civilização ocidental quebrou esse equilíbrio. Os elementos se combinam de forma destrutiva, e não mais por conta própria. Agora, um animal chamado humano, dentro de um sistema econômico, promove essas combinações de forma destrutiva. Água, terra e ar poluídos, rarefeitos. Árvores cortadas e queimadas. Florestas e outras formas de vegetação natural removidas para que as boiadas passem e se instalem. Esse é o mundo de hoje. Um mundo dominado por uma economia destruidora e autofágica.

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