Rumores de um distante além
*Afrânio Sobral 07/11/2019 19:30 - Atualizado em 11/11/2019 15:23
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Não pode ser. Ainda não acredito no que meus olhos veem. Desde a década de 70, ouço relatos sobre o mistério de Atafona. Nunca levei a sério nada que me contavam a respeito de discos voadores em Atafona. Sempre achei que a galera do fumo e do pó via coisas por conta da droga. O pessoal da galera gostava de se reunir aqui. Considerei um pouco mais a questão quando uma prima nos visitou. Passávamos o verão em Atafona. Eu não tanto porque estava trabalhando num cursinho como professor iniciante. Meus pais é que ficavam lá a semana toda. Nos sábados e domingos, eu ia para lá.
Num certo fim de semana, meus tios e minha prima foram nos visitar. Eles passaram dois dias conosco. Minha prima escapuliu da vigilância do seu pai, meu tio, e deu um pulo no Pontal. Meu tio cercava sua única filha de forma cerrada. Ela tinha 16 anos naquela época. Era uma moça bonita. Puxou a mãe. Meu tio temia que ela se aventurasse com algum rapaz ou que fosse violentada. “As bonitas estão mais sujeitas aos malandros”, ele dizia. Malandros, para meu tio, era o mesmo que leviana para a minha avó: as palavras máximas que eles podiam usar para designar estuprador e prostituta.
Quando minha prima voltou lá pelas 11 horas da noite, meu tio a esperava para lhe dar uma bronca e botá-la de castigo quando voltassem para o Rio de Janeiro, onde moravam. Ela me chamou em particular para me dizer que um disco voador sobrevoou a praia. “Outros também o viram”, garantiu. Perguntei se ela não havia fumado ou cheirado algo que lhe ofereceram. Nós dois tínhamos intimidade para tocar nesses assuntos. Ela me respondeu que não, que estava sóbria quando um objeto se aproximou. A princípio, ela pensou que fosse uma ave, mas logo percebeu que era outra coisa. “Parecia um prato em cima do outro em posição invertida”, ela falou.
Continuei sem acreditar. Muitos anos se passaram. Estou acostumado a visitar o Pontal de Atafona para acompanhar o processo de erosão provocado pelo mar e a destruição progressiva do manguezal na margem direita do rio. A paisagem mudou muito desde aquele longínquo ano. Acho que era 1971 ou 72. Minha prima voltou a Atafona em 2018. Ela estava com 53 anos de idade. Relembrei a história e ela me respondeu que não se lembrava de nada. “Como não lembrar de um disco voador?”, perguntei-lhe. “Isso é algo que nunca se esquece, nem depois da morte, indo para outro plano” (minha prima tornou-se espírita).
Com esse esquecimento, reforcei mais ainda minha suspeita de que ela mentira como os outros. Como sempre, fui ao Pontal em junho de 2019. A situação piorou mais ainda. “Agora, não pode ser apenas a redução de água do rio por conta da barragem em Santa Cecília. Ela começou há muito tempo. O que o Pontal tinha a perder por conta da luta entre o rio e o mar já perdeu. Agora, só pode ser a elevação do nível do mar que está comendo o continente. Isso já aconteceu há 5 mil anos. Os moradores daqui tinham de saber disso. Mas não adianta, eles não acreditam”, eu ia pensando.
Fui a uma das quatro ilhas na foz do rio ainda com mangue. Um barqueiro me levou. Paguei, é claro. Desci com cuidado. Bem no meio do mangue, encontrei uma cápsula de metal. Minha curiosidade foi maior que meu medo. Mexi na cápsula com um pau. Movimentei-a em todos os sentidos. Parecia aço. Numa das partes do cilindro, havia um desenho. Examinei-o com atenção sem que o pescador percebesse. Ele ficou na canoa enquanto eu afundava meus pés na lama.
“E agora, faço o que com isso?”. Vem aquele momento de branco que não permite a gente saber pra que lado ir. “Pare e pense. Vamos ver se o pescador tem uma sacola”. Ele só tinha uma lona. Eu disse que servia. Não toquei um dedo naquele objeto. Vai que queimasse. Estendi a lona na lama e fui rolando o cilindro para cima dela com um pedaço de pau. Embrulhei o objeto na lona e a segurei pelas pontas. Tive medo de ser um objeto radiativo feito a cápsula de césio de Goiânia. “Que é isso?”, perguntou o barqueiro. “Ainda não sei, mas não convém deixar aqui. Pode explodir ou contaminar a água, os peixes e as pessoas”. “Mas eu não quero esse troço na minha canoa...”. “Eu pago mais para você me levar ao Pontal”. Ele topou com medo.
Levei o objeto na lona para o carro e a devolvi para o pescador. Ele não gostou, com medo que ela estivesse contaminada. Não fiquei para ouvir suas reclamações. Voltei pra casa com o coração aos pulos. Antes de tirar o negócio do carro, peguei um papel laminado e o envolvi. Eu também tinha medo. Fiquei sem saber o que fazer. Ficar com o cilindro de jeito nenhum. Procurei os poucos pesquisadores da cidade. Eles não quiseram vir ao meu apartamento. Tive de levar aonde eles trabalhavam. Olharam, rolaram, usaram um contador Geiger. Nenhum sinal de radiatividade.
Ligaram para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Falaram diretamente com seu diretor Ricardo Galvão, que ainda não tinha sido exonerado por Bolsonaro. Combinaram de alguém vir a Campos. Era mais seguro do que levar o estranho objeto a São José dos Campos. Eu estava mais tranquilo por não estar sozinho. Chegaram dois técnicos do INPE, olharam, examinaram principalmente a figura impressa no cilindro. Não significava nada, segundo eles. Levaram o objeto e se comprometeram a nos informar sobre qualquer novidade. Pegaram o telefone de todos daqui.
Três semanas depois, um pesquisador de Campos me liga e diz que foi procurado por um representante do INPE. “Eles querem falar com você”, disse-me: “Eles querem inspecionar o lugar em que você encontrou o objeto”. “Por que não ligaram para mim diretamente?”, perguntei-me a mim mesmo. Acho que não tenho cara de cientista ou não sou confiável. “Tudo bem, eles podem vir. Estou à disposição da ciência”, ironizei.
Veio um casal. Fomos até a ilha, agora com outro pescador. Em vez de um, três afundaram o pé na lama do manguezal. Examinaram o local detalhadamente. Cochicharam. Creio que não havia nada demais. O cilindro poderia ter caído ou deixado em qualquer outro lugar. Teria sido casual ou proposital a escolha da ilha? Foi minha curiosidade que me levou até ela no dia em que encontrei a cápsula. A visita do casal não levou a nada. O que fiz com os dois não deixou de ser uma pequena vingança minha contra a ciência. Melhor: contra os cientistas. Ri quando eles afundaram os pés na lama preta e fina. Ela se entranha nas unhas e nos sulcos da pele. Eles vão passar uma semana tentando tirar essa lama.
Os dois perguntaram se havia um lugar para almoçar. Fomos ao Ricardinho. Enquanto eu tomava uma caipirinha e esperávamos o almoço, ele e ela começaram a se abrir. Descontração. “Olha, esse bólido (fazia tempo que não ouvia esta palavra) não foi deixado aqui propositalmente por nenhum ser extraterreno”, adiantou-me ele enquanto ela permanecia calada olhando para as unhas pintadas e enegrecidas pela lama. “Tudo indica que veio do espaço. Ele foi fabricado com um metal ou uma liga de metal que desconhecemos. É mais resistente que o tungstênio. Não conhecemos nada parecido na Terra”. “E como vocês descobriram que veio do espaço?”. “Há marcas de fricção causadas pelo contato com a atmosfera. Se fosse um metal comum, o objeto teria incandescido e se consumido, como acontece com corpos celestes que bombardeiam a Terra”, explicou.
Ela nada falou. Ele mergulhou num silêncio incômodo. Quebrei o desconforto contando a história de visitas de discos voadores a Atafona. Eles me ouviram atentos, com muito interesse. Resolveram anotar a informação. “O senhor já viu alguma coisa?”. Finalmente, ouvi a voz da mulher. Voz rouca que não combinava com seu corpo meio obeso. “Muito interessante”, e voltou ao mutismo. Retornamos a Campos. Deixaram-me em casa. Partiram para seu destino.
Passaram-se dois meses sem que eu tivesse qualquer informação sobre o caso. Um dia, ocasionalmente, encontrei com um dos pesquisadores que procurei ao encontrar a cápsula. Toquei no assunto. Ele me respondeu que foi procurado pelo pessoal do INPE. O material usado era mesmo desconhecido na Terra. Os desenhos enigmáticos gravados na superfície do material foram feitos com algum instrumento muito forte. Tentaram riscar a cápsula e não conseguiram. Supuseram tratar-se de uma mensagem. Talvez a aparência dos fabricantes, mas não deu para passar desse ponto. Lembrei que uma nave da Terra enviou um objeto com um casal de humanos desnudos e separados para possíveis ETs não pensarem que os dois formavam um ser. Caso alguma criatura inteligente e consciente encontrasse nossa mensagem, seria capaz de compreendê-la? Nós não conseguíamos decifrar a mensagem de um distante além. Ou seria um além mais próximo? “Ah, e mais”, lembrou o pesquisador. “Parece que Atafona foi um local meticulosamente escolhido para o envio do material. Não me explicaram por que. Parece que foi por uma conversa que você teve com o casal de cientistas.
Depois disso, passei a frequentar Atafona nos finais de semana. De sexta para sábado e de sábado para domingo, não durmo. Vivo olhando para o céu.

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