Ousadia e representatividade
*Felipe Fernandes 04/11/2019 18:31 - Atualizado em 11/11/2019 15:20
Divulgação
(Meu nome é Dolemite)
— Rudy Ray Moore era um sujeito excêntrico, uma figuraça que trabalhava havia anos em uma loja de discos enquanto tentava de diversas formas emplacar uma carreira artística como músico. Seu estilo um tanto ultrapassado, preso às décadas anteriores, não agradava, e seu bico como apresentador em uma casa de shows parecia mais fruto de favores do que propriamente por seu talento.
Então, Moore resolve inovar: usando histórias de moradores de rua, ele constrói um personagem, Dolemite é um cafetão boca suja que faz rimas pesadas, usando um estilo rítmico. Rapidamente ele ganha a audiência e passa a fazer muito sucesso dentro da comunidade negra norte americana da década de 1970.
“Meu nome é Dolemite” narra a história desse artista ousado e maluco que inovou, se arriscou para conseguir sucesso e criou conteúdo artístico especifico para o público negro da época. Após o sucesso de seus discos, o próximo passo do artista foi o cinema, onde ele se tornou um dos artistas mais representativos do movimento Blaxploitation.
O filme é um sonho antigo de Eddie Murphy, que já trabalhava nele junto aos roteiristas Scott Alexander e Larry Karazewski havia anos. Curioso é que os roteiristas foram responsáveis por outro filme de temática bem similar: o divertidíssimo “Ed Wood”, de Tim Burton.
Ambientado na década de 1970, o filme tem uma excelente recriação de época e se beneficia do estilo colorido, das músicas dancantes da black music, elementos que dão vivacidade e ritmo à obra. A representatividade também é muito forte como elemento narrativo, esse que é o elemento principal do Blaxploitation, os negros se vendo representados nas telas.
O roteiro trabalha uma estrutura linear e cria uma dinâmica de trabalho, frustração e recompensa que funciona muito bem, mesmo se tornando bem previsível. A história por si só já traz elementos absurdos que garantem a diversão e o humor.
Repleto de personagens carismáticos, a recriação das gravações, os erros e as loucuras da produção garantem grandes momentos. O tom de humor do filme e a abordagem ajudam a diminuir o peso da nudez e o teor sexual que as obras de Dolemite carregavam.
Eddie Murphy já viveu os dois lados da fama, e o personagem, de uma certa forma, se confunde com o artista. A história de Ray Moore é um resgate da carreira de Murphy, que não emplacava um filme relevante havia muito tempo. É gratificante rever o ator em um filme desse nível, em uma história que parece ser importante para ele. Certamente Ray Moore influenciou Murphy em sua adolescência.
Outro ator que merece destaque é Wesley Snipes, que está impagável como o ator e diretor D’Urville Martin, um personagem que, por ter feito uma ponta em “O bebê de Rosemary”, acredita ser superior a todos ali e funciona como uma crítica ao negro que se distancia de suas raízes.
Destaque também para a atriz Da’Vine Joy Randolph, que interpreta Lady Reed, uma mulher forte que é a grande parceira e conselheira de Ray Moore.
“Meu nome é Dolemite” é uma grata surpresa. Um filme que aborda temas atuais e conta uma história pouco conhecida pelo grande público, mas que merecia ganhar as telas. A ousadia e a loucura de Rudy Ray Moore fazem dele uma figura muito importante dentro da cultura da época, não só dentro da comunidade negra, mas na cultura geral.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS