É possível fazer política pública com pouco dinheiro?
21/10/2019 23:25 - Atualizado em 22/10/2019 00:33
Escola integral de Sobral
Escola integral de Sobral / Prefeitura de Sobral
CEMEI (Centro Muncipal de Educação Interal) de Campos dos Goytacazes
CEMEI (Centro Muncipal de Educação Interal) de Campos dos Goytacazes / Prefeitura de Campos dos Goytacazes
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O aumento do gasto não se traduz automaticamente em melhoria da qualidade do ensino público. Este dado não é para justificar cortes ou redução do orçamento na educação, mas para lembrar que a melhoria da educação básica não deve ser buscada exclusivamente no orçamento e em sua implementação, mas também nas inovações institucionais. No entanto, o debate político sobre educação básica têm priorizado apenas o orçamento.
Sobral (CE) como paradigma de qualificação do ensino básico
O município de Sobral, do Ceará, se tornou exemplo de melhorias notáveis na qualidade do ensino básico. Criou caminhos inovadores para criar e difundir inovações institucionais capazes de promover e dar durabilidade a estas melhorias. O debate em torno de Sobral é interessante porque é um caso que claramente não se explica exclusivamente por decisões sobre orçamento, mas também pela criação de formas de gestão, implementação e avaliação de políticas educacionais capazes de colocar a qualificação intensa e incremental do ensino como motor decisivo na mudança do sistema educacional. O município paga salários inferiores aos de muitos municípios vizinhos que ostentam, entretanto, índices piores na área da educação. Questões de inclusão e acesso podem ser resolvidas pelo aumento do investimento. Mas a maior dificuldade de nosso ensino básico é a baixa qualidade da formação que a escola pública oferece. Esta dificuldade não pode ser enfrentada apenas com mais dinheiro. Precisamos de mais investimento, mas sem inovação institucional estes investimentos não produzem os resultados esperados e necessários para acelerar o processo de qualificação do ensino.
Em Sobral, as inovações institucionais vão além do ensino integral. Envolvem mecanismos de gestão, implementação e avaliação capazes de induzir, avaliar e corrigir processos reais de melhoria da qualidade do trabalho educacional e seus resultados. A produção de políticas públicas pode ser aperfeiçoada pela comparação e difusão criativa e adaptada de inovações institucionais como aquelas inventadas por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Recentemente, é o município cearense de 208 mil habitantes que tem servido de referência para a comparação e difusão de inovações e políticas no ensino básico, pois apresenta o melhor desempenho nas avaliações oficiais sobre o ensino básico no país, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
O que parece fascinante em Sobral é que a explicação das inovações institucionais envolve dose decisiva de coragem política para o enfrentamento de interesses clientelistas e corporativos de curto prazo em nome de um bem público de médio e longo prazo: a qualificação da educação básica para todos. Não há direito social mais importante a ser garantido que o direito à educação básica de qualidade, se quisermos ainda sonhar com um país decente e capaz de reduzir suas obscenas desigualdades educacionais e sociais.
Quando assumiu a prefeitura de Sobral em 1997, Cid Gomes iniciou um processo de reforma administrativa e pedagógica que precisou enfrentar interesses legítimos de professores por aumentos salariais e interesses ilegítimos de vereadores em cargos para nomeação política. Ao priorizar o gasto com melhoria da infraestrutura, precisou ter coragem e intensidade política para bancar o bem comum da qualificação e inclusão como prioridades legitimas em relação às demandas por melhoria salarial dos professores. Comprou briga difícil em nome de interesse público e sentimento maior de tarefa, e conseguiu, aos poucos, reconquistar os profissionais, viabilizando-se politicamente com uma temática a qual se costuma atribuir pouco apelo político-eleitoral.
A necessidade de fechar escolas para racionalizar o emprego de recursos humanos e físicos, priorizando a lógica da eficiência educacional contra a lógica clientelista e eleitoreira, desagradou os vereadores, que perderam valiosa oportunidade de poder político-eleitoral: cargos administrativos para nomeação política. Sentenciaram que Cid Gomes não seria reeleito. Com reeleição esmagadora, o atual senador mostrou que os vereadores e a mentalidade eleitoreira de curto prazo estavam errados. Educação ganhou eleição em Sobral e logo se tornou eixo central da política e dos governos do estado do Ceará. Na última semana, a visita do secretário de educação do governo Rafael Diniz, Brand Arenari, a Sobral e ao estado do Ceará, onde discutiu as políticas educacionais locais para orientar e aperfeiçoar as ações que vem implementando em nosso município, é um bom sinal para os rumos do debate político que travamos sobre nossa educação básica.
Assim como em Sobral, o grande desafio político da agenda de qualificação do ensino básico em Campos é retirar a abordagem da educação da lógica eleitoreira de curto prazo. No período de melhor situação financeira da prefeitura de Campos, os grupos políticos de Anthony Garotinho e Arnaldo Vianna não foram capazes de retirar a educação da lógica eleitoreira e, mesmo permanencendo no poder por vários mandatos, não criaram políticas de longo prazo para garantir a melhoria do ensino básico. A ligação política com Brizola e seu PDT não foi suficiente para que herdassem do ex-governador o sentimento de tarefa em relação a escola pública de qualidade. O desprezo com a agenda de melhoria da educação, em meio a um contexto de bonança e irresponsabilidade fiscal, traduz muito bem o desprezo pelo próprio futuro da cidade, especialmente pelo futuro das classes médias e populares que não podem pagar pelas poucas escolas privadas de qualidade de Campos.
Aprendizado e comparação para além da lógica eleitoral
A visita do secretário de educação do governo Rafael Diniz, Brand Arenari, a Sobral é uma boa oportunidade para o debate sobre educação em Campos, já que o secretário busca colocar em destaque medidas e concepções sobre a qualificação do ensino que deram resultado no município cearense e que ele busca promover em Campos. A iniciativa política busca dialogar e aprender com casos de sucesso que devem transcender as filiações partidárias. Só assim é possível retirar a educação da lógica eleitoreira e produzir as ações de longo prazo sem as quais a qualificação do ensino não pode avançar. Perguntado certa vez sobre as explicações para a qualidade do ensino básico de Cuba, Fidel Castro teria respondido que a ausência da lógica eleitoreira na política era uma das principais razões do sucesso. Não precisamos separar educação das eleições, como preferia Fidel, mas precisamos promover um processo de aprendizado político em que a valorização de ações estratégicas de longo prazo seja eleitoralmente valorizada, servindo de base para processos de organização administrativa e pedagógica capazes de transcender a troca de governos.
Em sua visita a Sobral, o secretário municipal de educação Brand Arenari pôde comparar algumas medidas que adota em Campos com aquelas que os gestores cearenses apontam como responsáveis pelo êxito de sua cidade na educação básica. A ruptura com sistema de aprovação automática e a avaliação externa das escolas, criadas pelo governo de Campos, permitem colocar a qualificação do ensino como prioridade na gestão. A ruptura com a aprovação automática deixa claro que a prioridade não é a mera produção de resultados artificias no Ideb, devolvendo aos professores e aos conselhos de classe as decisões sobre aprovação e reprovação segundo critérios pedagógicos, desfazendo a interferência da secretária e da orientação predominantemente política para obter índices artificiais de aprovação, sem conexão com a qualidade do ensino. A avaliação externa permite criar e introduzir na rotina da gestão educacional diagnósticos, objetivos e metas elaborados pelo próprio governo local a fim de enfrentar seus próprios desafios, identificados nas avaliações nacionais. A melhoria na capacitação prática dos professores e o aumento da carga horária de português e matemática são medidas especificamente pedagógicas que visam enfrentar o desafio de promover as capacitações cognitivas básicas de produção e interpretação de texto e de raciocínio lógico-formal. Este desafio básico precisa ser enfrentado em Campos com a mesma prioridade que teve em Sobral, e estas duas medidas adotadas pela atual gestão da educação pública campista, implementadas no município cearense, são tão obvias quanto urgentes e prioritárias.
Para melhorar a qualidade do ensino é necessária uma burocracia educacional responsável por formação contínua de diretores de escola e professores, como a que existe em Sobral e que começa a ser formada em Campos. Ao seu lado, é preciso um sistema de monitoramento e avaliação de escolas. A ideia fundamental é conectar avaliação com as práticas educacionais e assim rotinizar a busca por qualificação. Um sistema de incentivos financeiros para escolas bem-sucedidas e intervenção administrativa para recuperar unidades em situação de dificuldade, como o que existe em Sobral, também é necessário para promover a difusão das melhores práticas pela rede municipal de escolas. Por fim, mas não menos importante, cabe destacar a iniciativa de construir o ensino integral de excelência, potencializando o melhor da ação do estado na redução da extrema desigualdade educacional: ao fornecer às famílias pobres não só ensino de elevada qualidade, mas também práticas culturais, cuidado em saúde e reforço ao aprendizado, a escola integral é capaz de ofertar o que a classe media já não pode pagar. A escola integral de qualidade pode funcionar como experimento de conquista de parte da classe média para a causa da escola pública, potencializando a luta pela redução das desigualdades educacionais tanto dentro do sistema de ensino como na própria política. A criação e difusão da escola integral exige ampliação de investimentos em infraestrutura educacional e em recursos humanos, mas sem inovação institucional a ampliação de investimento não produz os resultados necessários.
A causa nacional da qualificação do ensino básico não deve ser bandeira exclusiva de um partido político. E nem deve ser tratada como bandeira da esquerda. Até porque a esquerda não tem demostrando imaginação e determinação política para formular e implementar as inovações institucionais que a educação básica precisa. Não têm sido, por exemplo, capaz de enfrentar a política corporativa e clientelista que busca capturar a gestão educacional, impedindo qualquer mudança institucional relevante. Durante o segundo mandato de Dilma Rousseff, o ministro da educação Cid Gomes, em cooperação com a Secretaria de Assuntos Estratégicos(SAE), chefiada por Roberto Mangabeira Unger, com quem o secretário municipal de educação Brand Arenari colaborou como diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), assumiu a missão de liderar o programa Pátria Educadora, que tinha como linha fundamental a reconstrução institucional do ensino básico em nosso sistema federativo de governo. A experiência de Sobral e do federalismo cearense em difundir as boas práticas pelos seus municípios eram evidente inspiração. Os rumos da política partidária e o golpe de 2016 impediram o avanço daquela missão. Com sua trajetória de formação na Uenf de Darcy Ribeiro, e desde sempre um devoto de suas ideias, o secretário do governo Rafael Diniz Brand Arenari acerta politicamente ao buscar a experiência de Sobral. Enfrentar o debate e o desafio de se comparar com o município de melhor desempenho na educação básica do Brasil é algo que não é trivial na política e muito menos em Campos. Nossa cidade está longe de recuperar o tempo e futuro perdidos, mas agora vemos um rumo sendo traçado com ações práticas e conceitos claros e amparados na experiência.
 
 

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    Roberto Dutra

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