Profissional do Carnaval
Mariana Luiza 22/01/2017 01:21 - Atualizado em 19/05/2020 16:19
Era uma profissional do carnaval. Dessas que nunca repete a fantasia e que se orgulha por frequentar quatro a cinco blocos por dia, emendando a folia na Apoteose. Dessas capaz de fazer planilha em Excel, com algoritmos que cruzavam informações de horários, duração e trajeto dos blocos. O formulário de Excel de Mariana era o objeto de desejo mais cobiçado entre os foliões do carnaval carioca. Com um cálculo matemático que chamou atenção até do prefeito, Mari conseguira aproveitar um maior número de eventos gastando menos energia no deslocamento entre um e outro. Durante os quatro dias oficiais do carnaval, quase não se via a foliã em casa. Nunca se soube ao certo a origem de tamanha energia. Biotônico Fontoura, Red Bull, açaí com guaraná, ácido lisérgico, ou alegria acumulada. A disposição de Mariana impressionava a médicos, atletas, profissionais de educação física. Mas o fato é que, nos últimos três anos, as más línguas da cidade profanavam aos quatro ventos que Mari já não era a mesma. No último carnaval, havia substituído a planilha por uma simples lista com no máximo dois blocos por dia, evitando aqueles que saíam no horário de sol escaldante. A energia da foliã diminuía na mesma proporção que a temperatura do Rio aumentava. Naquele ano, a sensação térmica, medida na praia do Leme, foi de 53 graus celsius. Era uma terça-feira de calor infernal. Mariana, fantasiada de diabinha, conhecera um casal de alemães extasiados com o calor do Rio. Segundo eles, a neve e o frio intenso inviabilizavam a alegria da festa no velho continente. Por isso, este ano, eles decidiram fugir para um país tropical. Foi então, que num súbito de inveja, a carnavalesca teve a brilhante ideia: procurar o prefeito para sugerir uma mudança no calendário do carnaval da cidade. Se o prefeito era o detentor das chaves do Rio de Janeiro, bastava recusar o pedido do Rei Momo, postergando a entrega para os meses de Maio ou Junho.
- Faça como as construtoras de imóveis. Prometa para Fevereiro, mas alegue atraso na obra, prorrogando o carnaval pra Maio ou Junho.
- Mariana, a cidade não é imóvel. E eu não sou dono de construtora...
- Senhor prefeito, com todo respeito, a cidade pode até não ser imóvel, mas que o senhor tem percentual de construtora tem sim...
A conversa amigável terminou em acusações políticas. Um assessor do prefeito acompanhou a foliã que saiu escorraçada do gabinete.
- Senhora, o carnaval é uma festa pagã atrelada ao calendário cristão. São quarenta dias antes da páscoa. Não se pode mudar esta data a revelia.
Mariana procurou então o cardeal arcebispo da cidade, e alegando mudanças climáticas, pediu que ele intercedesse junto ao Papa por mudanças na data da páscoa. O cardeal até que se mostrou paciente ao explicar a Mariana como funcionava o calendário cristão. Tudo corria na santa paz de deus até a foliã relacionar a origem do carnaval aos bacanais promovidos pelo deus grego Baco, e fazer uma alusão do uso do vinho como simbolismo do sangue de Cristo pela igreja católica à tradição do Império Romano que consumia vinho devido à metáfora do sangue de Baco. Mariana foi expulsa da reunião sem direto a argumento. Tentada a se mudar para Berlim, ou desistir de vez da festa, Mariana juntou as tralhas e foi viver no interior do Rio Grande do Norte. Neste ano de 2016, ela se dedicará integralmente a participar das festas juninas e julinas na região nordeste. Aguardem as planilhas.

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