*Felipe Fernandes
- Atualizado em 29/10/2025 07:49
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Filme: "Casa de dinamite" - A Guerra fria foi um período histórico que deixou sua marca no cenário geopolítico mundial. Ainda que hoje o mundo não possa mais ser dividido em dois lados, a situação se mostra mais complexa e muitos dos medos daquele período estão voltando ao cidadão comum devido a diferentes crises em diferentes partes do mundo, que crescem a tensão de um conflito em escala global, justamente pelo crescimento da produção de armas nucleares.
É justamente desse medo que parte a nova produção da Netflix, "Casa de dinamite" é um exercício de imaginação que busca revelar a tensão e os bastidores de como seria a ação do governo para um ataque nuclear aos Estados Unidos, mostrando detalhes do sistema de defesa do país e da forma como uma possível reação poderia acontecer. Mais do que esse aspecto bélico, o filme foca na tensão de diferentes personagens, em diversos níveis de ação dentro do governo, buscando compreender que além dos cargos, existem pessoas, com famílias, medos e responsabilidades.
Esse tipo de Thriller militar vem se tornando a especialidade da diretora vencedora do Oscar Kathryn Bigelow. Após mostrar a ação do esquadrão antibomba em plena Guerra do Iraque e da missão que executou Osama Bin Laden, a diretora aborda esse cenário hipotético e assustador e trabalha principalmente o aspecto humano, de profissionais que precisam lidar com protocolos de guerra, que tornam realidade um cenário tão terrível, que parece ser difícil para os envolvidos acreditarem que estão de fato vivendo aquele momento.
Toda a ação acontece em praticamente 19 minutos, mostrando o desencadear dos acontecimentos em três núcleos diferentes, em uma ordem crescente, já que começamos por um grupo e conforme o relógio volta, a história é mostrada pelo olhar de um novo núcleo, em uma maior hierarquia dentro do governo. Essa proposta facilita a identificação do espectador, já que provavelmente ter de acompanhar tantos personagens diferentes ao mesmo tempo, poderia não só tornar o filme um pouco confuso, como poderia comprometer o ritmo. Porém, essa decisão também traz consequências, já que a tensão provocada na primeira parte, diminui consideravelmente nas partes seguintes, pois já conhecemos o andamento da trama.
Bigelow filma com um estilo meio documental, com a câmera tremida, com muita movimentação, faz uso de zooms, foco e desfoco , artifícios estéticos muito eficientes em reforçar a tensão dos acontecimentos e em construir um senso de urgência real, quase como se tentasse filmar ao vivo os acontecimentos.
O principal aspecto que diferencia esse filme de outras obras do gênero, é a atenção ao aspecto humano. Acompanhamos personagens treinados, com completa descrença pelo andamento dos acontecimentos. A ideia de um ataque nuclear contra os Estados Unidos é tão absurda para eles, que mesmo após várias evidências, eles tendem a acreditar que se trata de algum tipo de erro ou mal entendido. Conforme a realidade bate, a ansiedade explode e acompanhamos homens e mulheres, tensos, com dificuldade para respirar, em um conflito interno entre manter a postura e o profissionalismo e se entregar ao completo desespero.
O filme não desenvolve os personagens, o foco é nos 19 minutos entre o lançamento do míssil e o impacto. Grande parte deles tem questões rapidamente mencionadas, mas que fazem com que o espectador se identifique e compreenda seus medos. São filhos, pais, famílias, toda a vida daquelas pessoas em risco por razões que fogem completamente à razão e ao controle.
Outro ponto que chama a atenção, é uma aparente fragilidade no sistema de defesa estadunidense. Para o espectador é impossível saber o grau de veracidade do que é mostrado, mas o filme mostra uma situação em que basicamente é difícil de acreditar que as nações do mundo sejam tão vulneráveis e dependentes do bom senso alheio. Em um mundo cada vez mais insano, a probabilidade de um conflito desse porte pelo simples capricho megalomaníaco de um indivíduo em um cargo errado (um elemento mencionado dentro do filme), torna a possibilidade ainda mais imprevisível e assustadora.
Casa de Dinamite é um filme interessante, que perde muito do seu efeito ao ficar sempre dentro da mesma dinâmica. É um estranho caso de filme que constrói sua tensão em sua primeira parte e ela vai diluindo com o andamento dos acontecimentos. Certamente o desfecho vai incomodar muita gente, mas acho a proposta interessante, pois ao reforçar o aspecto humano dentro de uma situação extrema, o longa propõe uma reflexão sobre como nós lidaremos com uma responsabilidade que nenhuma pessoa deveria ter de carregar.