*Edgar Vianna de Andrade
- Atualizado em 18/06/2025 06:57
Reprpdução
Em seu primeiro livro sobre cinema, Gabriel Trigueiro reconhece que Antonio Moniz Vianna foi um dos grandes críticos brasileiros de cinema. Da minha parte, ele e Mário de Andrade pontificaram na crítica da nova arte. Mário dedicou-se pouco ao cinema, porém percebeu logo as características básicas da nova expressão artística: a imagem em movimento. Talvez Mário tenha sido o único intelectual do Modernismo a dedicar atenção ao cinema com olhar crítico. Hoje, contamos com o livro “Mario de Andrade no cinema”, reunindo os poucos, mas fundamentais, textos do modernista, organizado por Paulo José da Silva Cunha (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010). Várias críticas de Antonio Moniz Vianna também foram reunidas no livro “Um filme por dia: crítica de choque - 1946-1973” (São Paulo: Companhia das Letras, 2004). É uma crítica de peso com, às vezes, uma página inteira de jornal.
Agora, vem a lume “Cinéfilo nem é gente: críticas e ensaios sobre cinema, streaming e TV” (São Paulo: Sapopemba, 2025), de Gabriel Trigueiro. Trata-se de um jovem negro com doutorado em história comparada pela UFRJ. Suas críticas foram publicadas entre 2019 e 2025 um pouco na “Folha de S. Paulo”, “O Globo” e “Época” e muito nos sites “Conforme Solicitado” e “Nada de Errado Nisso”.
O primeiro traço que me chama atenção é a preferência do autor por diretores, atores e demais profissionais negros ligados ao cinema. Não que ele ignore outros artistas. Na verdade, aprecia Truffaut e Hitchcock. Parece, contudo, que sua preferência por certos cineastas deixa à margem outros. O segundo traço detectado no crítico é que ele parece viver mais no contexto estadunidense que no brasileiro. Em grande parte, ele se refere a títulos de filmes no original. Seus críticos prediletos estão nos Estados Unidos. Até mesmo textos relativamente longos são transcritos em inglês.
A crítica de Trigueiro insere-se bem na nossa época. Ele deixa as salas de cinema para ficar no ambiente cômodo do lar, assistindo a séries nas plataformas. Como já são muitas as redes na TV que substituíram os cinemas, os DVDs e os Blu-rays, quem quiser cinema em casa tem de assinar muitos canais privados para assistir a filmes. E convenhamos que a maioria das ofertas feitas por esses canais (streamings) não é das melhores. Esses canais oferecem filmes, esperando agradar ao gosto mediano. Não é verdade que podemos encontrar qualquer filme com facilidade nessas redes. E Gabriel Trigueiro, em grande parte, comenta séries dessas redes.
Trata-se de um novo momento. Parece que o roteiro (literatura), o teatro (interpretações) e a trilha sonora (música) suplantaram a fotografia em movimento, embora não totalmente. Até a crítica especializada rendeu-se ao roteiro e à interpretação, esquecendo-se do traço distintivo do cinema: a imagem em movimento. O crítico André Miranda coloca o filme coreano “Na teia de aranha”, do cineasta Kim Jee-woon, na última categoria (bonequinho dormindo) por abusar da metalinguagem, pois o público deseja uma história.
O que defendo em termos de cinema não é apenas exercício de câmara. De fato, não se pode negligenciar roteiro e interpretação. Contudo, não cabe esquecer os recursos da câmara. Menciono alguns filmes aclamados pelo público e pela crítica que se valeram da fotografia em movimento, mostrando que o cinema é arte distinta das demais: “A boneca” e “A gata selvagem”, de Ernst Lubitsch; “Festim diabólico”, de Hitchcock, “E la nave va”, de Fellini; e “A noite americana”, de Truffaut.