Matheus Berriel
14/07/2025 17:15 - Atualizado em 14/07/2025 17:50
Chico César voltou a se apresentar em Campos após quase 24 anos
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Foto: Rodrigo Silveira
“Já estive em Campos. Participei de um projeto num parque, numa tarde de muito calor. Lembro bem dessa tarde, provavelmente de 2000 para cá”. Foi com essa recordação que o cantor e compositor Chico César finalizou a entrevista concedida ao blog na noite da última sexta-feira (11), antes do show realizado no Teatro Firjan Sesi Campos. Ele se referia a uma apresentação em 9 de dezembro de 2001, no Jardim São Benedito, integrando a programação do projeto "Viva Melhor, Viva Música". Quem viveu aquele início de tarde quente tem agora a impressão de que, quase 24 anos depois, o tempo não passou para o artista paraibano.
Hoje com 61 anos, Chico César mantém não só a memória aguçada, mas também a vitalidade, a visão crítica, o bom humor e a potente musicalidade. Essas características lhe possibilitam fazer a turnê "Aos Vivos', sozinho no palco, executando o repertório do álbum que lhe tornou conhecido nacionalmente, em 1995. Sucessos de outras fases da carreira complementam os shows. Entre os momentos da sua volta a Campos, um dos mais simbólicos foi o em que ele empunhou o violão como se segurasse uma arma, num gesto de defesa da soberania brasileira por meio da cultura. Em meio à agenda cheia e ao engajamento com pautas sociais, ainda resta um tempo para acompanhar as notícias do seu Botafogo.
Blog do Matheus Berriel — Nessa turnê, você celebra os 30 anos de “Aos Vivos”, seu primeiro álbum. Como tem sido revisitar essa fase inicial da carreira?
Chico César — Esse disco foi gravado em voz e violão, na Sala Funarte (Guiomar Novaes) de São Paulo, em 1994, e lançado em 1995. É um disco improvável para o começo de uma carreira, porque foi ao vivo, com um autor até então desconhecido. Mas ele me fez circular a partir de São Paulo, Rio de Janeiro, para outras capitais, como Salvador, Recife... É um disco que me tornou conhecido do meio artístico. Gerou interesse de cantoras como Daniela Mercury, Elba Ramalho, Maria Bethânia, gravarem coisas minhas. Foi um bom disco de chegada. Eu tive a sorte de, no primeiro disco, apesar de não ter sido um sucesso comercial, já ter vendido bem. Mas o mais importante foi que ele me apresentou como artista. O disco seguinte, "Cuzcuz Clã” (1996), que no ano que vem vai fazer 30 anos, já foi um disco de estúdio, com banda, e vendeu três ou quatro vezes mais do que o primeiro. Então, voltar a esse começo é muito legal, porque dá uma dimensão de uma trajetória do artista. Eu venho dessa realidade dos pequenos teatros. Na verdade, um teatro com 180 lugares era o meu objetivo máximo. Eu almejava um dia tocar em um teatro como esse. Depois, a gente extrapolou, foi para plateias muito grandes, mas eu sinto que esse disco ("Aos Vivos") tem a essência do trabalho. Acho que o público sente isso também.
Um ponto interessante da sua trajetória é que, antes de migrar profissionalmente para a música, você foi jornalista. De que forma isso ocorreu?
— Na verdade, com nove anos eu já estava na música; nunca me afastei. Eu fui para o jornalismo aos 16, para ter uma base de sobrevivência, porque eu não queria fazer qualquer música. Com 14 anos, eu senti que estaria muito ligado à música para o resto da vida. Então, entendi que eu precisava ter uma outra profissão para me sustentar, para não ter que fazer qualquer música só para sobreviver. Foi aí que eu conversei com amigos mais velhos que faziam jornalismo. Fiz um vestibular com 16 anos, entrei (na Universidade Federal da Paraíba) com 17, porque sou de janeiro, e então o jornalismo passou a ser a minha fonte de sobrevivência. O jornalismo entrou na minha vida para pagar os boletos durante um tempo, e funcionou super bem. Trabalhei como jornalista durante 10 anos, mas sempre fazendo a música que eu queria. Até que eu senti que, fazendo essa música que eu queria, eu ia conseguir sobreviver; talvez com mais dificuldade do que trabalhando com o jornalismo, mas já era hora. Eu estava chegando perto dos 30 anos. Quando "Aos Vivos" saiu, eu já tinha 31.
Muito se fala que, mesmo quando deixa de atuar, um jornalista nunca perde o faro característico da profissão. Isso te ajudou na música de alguma forma?
— O jornalismo aguçou o meu olhar crítico sobre a vida. Eu já tinha isso na música, mas acho que o jornalismo dá isso e ajuda a observar, a esperar as coisas acontecerem e a ouvir o outro. Acho que jornalismo é isso: ouvir, ouvir, ouvir. Isso enriqueceu a minha música também. Se eu levei da música para o jornalismo um espírito mais inquieto, eu trouxe do jornalismo um olhar mais crítico.
Você está vestindo uma camisa do Palestino, time de futebol do Chile, e é torcedor declarado do Botafogo. O que achou da campanha do Botafogo na Copa do Mundo de Clubes?
— Eu ganhei uma camisa do Palestino num show que fiz lá no Chile. Eles têm várias comunidades, dividem assim a administração, e um prefeito comunista me deu uma camisa do Palestino. Essa já é a segunda que eu tenho. Sobre o Botafogo, eu acho que foi muito bem! Depois que ele foi campeão da Libertadores, muita gente ficou desacreditada quando começaram a vender alguns jogadores: "Poxa, acabou o Botafogo". Mas, de repente, o Botafogo chega e faz uma campanha brilhante no Mundial de Clubes, bastante legítima, vencendo o PSG. Isso mostra que o Botafogo tem muito chão pela frente. Mesmo mexendo, perdendo peças importantes do elenco, uma base de pensamento do time se mantém. A gente vai para chegar entre os primeiros em todas as disputas que tiver pela frente, este ano e no próximo.
Sua torcida pelo Botafogo vem da infância?
Sim, vem da infância. Eu era muito fã do Jairzinho, que jogava no Botafogo. Fui fã daquele time (dos anos 1970) que tinha Marinho de lateral-esquerdo, Wendell de goleiro... Meu time de botão era o Botafogo. Por causa do Botafogo eu passei a torcer pelo Botafogo da Paraíba, e não pelo Campinense ou o Treze. Na Paraíba, era o Botafogo da estrela vermelha. Então, é desde sempre! Tive oportunidade de encontrar o Jairzinho numa pizzaria do Rio de Janeiro e falar para ele: "Meu cabelo black power não é por causa do Jimi Hendrix, é por sua causa”. Ele achou engraçado (risos).
Chico César voltou a se apresentar em Campos após quase 24 anos
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Foto: Rodrigo Silveira