Ex-diretor do Inepac denuncia 'descaso' com preservação de prédios históricos de Campos
Matheus Berriel 29/07/2021 20:56 - Atualizado em 31/07/2021 02:36
Equipe do Inepac durante visita ao Museu Histórico de Campos em 2020
Equipe do Inepac durante visita ao Museu Histórico de Campos em 2020 / Foto: Genilson Pessanha
Não é de hoje que o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) estuda tombar o Mercado Municipal de Campos. Recentemente, o mesmo passou a acontecer com o Mosteiro de São Bento, na localidade de Mussurepe. Porém, até agora, os tombamentos não passaram de promessas, bem como a instalação de um escritório técnico do Inepac no Museu Histórico de Campos, que atenderia a municípios do Norte-Noroeste Fluminense. Exonerado do órgão em janeiro, o ex-diretor geral Cláudio Prado de Mello acionou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) no início da semana, apresentando questões relacionadas ao que chama de “descaso e preterimento” dos assuntos relacionados ao patrimônio histórico e cultural nas região. A denúncia, contudo, foi indeferida. Cabe recurso, e, posteriormente, Cláudio planeja levar a pauta à Procuradoria Geral da República.
— O motivo dessa denúncia foi, justamente, informar ao Ministério Público Estadual, e ao mesmo tempo também questionar qual andamento está tendo todo um esforço feito na minha gestão, que basicamente consistiu no tombamento de bens — disse Cláudio Prado de Mello, que é historiador, arqueólogo e ficou à frente do Inepac de maio de 2019 até o primeiro mês de 2021.
No ano passado, Cláudio esteve em Campos em pelo menos duas oportunidades, nos meses de julho e setembro. A Folha acompanhou as visitas do então representante do Inepac ao Mercado Municipal, que completa 100 anos em setembro, e ao Museu Histórico, para onde ficou acordada com a Prefeitura a instalação do escritório técnico regional. Em setembro, uma equipe do instituto também esteve no Mosteiro de São Bento.
— Existia um processo antigo, parado, do Mercado Municipal, que eu levei à frente e consegui concluir. É só publicar no Diário Oficial. Existe o processo do Mosteiro de São Bento, que iniciamos na minha gestão. Fizemos um trabalho exemplar, com uma nova metodologia de documentação, incluindo um registro em 3D do monumento, onde todos os detalhes das paredes e do teto ficam registrados. É uma metodologia de ponta que foi utilizada pela primeira vez em todos os órgãos de patrimônio do país inteiro, foi aplicada em Campos a partir de um equipamento do qual um dos arquitetos, o Paulo Coutinho, tomou a frente e acabou realizando — contou Cláudio Prado de Mello.
— Então, esse processo foi feito do começo ao fim. Está prontinho, ficou no gabinete. Sequer a secretaria, na época em que eu estava lá, tinha mandado à Casa Civil para publicar. O escritório técnico demandou um esforço imenso, conseguimos tudo, fizemos um plano de trabalho, o termo de cooperação técnica, todos os trâmites exigidos pelo próprio Estado, documento assinado pela Procuradoria da Prefeitura de Campos. Também estava tudo pronto, mas cadê o escritório? Houve um revertério completo quanto aos avanços da minha gestão — lamentou o ex-diretor do Inepac.
Em sua denúncia protocolada segunda-feira (26) no MP-RJ, contendo um relatório de 27 páginas, Cláudio Prado de Mello também citou a falta de fiscalização de bens tombados em Campos e outros municípios do Norte Fluminense. No dia seguinte (27), entretanto, o promotor Marcelo Lessa Bastos, da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Campos, o notificou sobre o indeferimento da representação.
— Este órgão ministerial (MPRJ) não tem como compelir o Estado a descentralizar a sua estrutura de acordo com o juízo de conveniência do noticiante, que, ainda que possa ter razão, não pode se substituir ao do governante, já que a definição da estrutura da administração pública é tarefa jungida à atribuição discricionária do administrador, no caso o secretário de Estado de Cultura, e, em última análise, do governador do Estado. Descabe, por este órgão, qualquer gestão no sentido de obrigar a criar estrutura descentralizada do Inepac em Campos ou em qualquer cidade, mormente em período de crise financeira, com o estado em regime de recuperação fiscal, que sugere o enxugamento das estruturas administrativas e não a sua expansão — justificou Marcelo Lessa em relação ao escritório regional do Inepac.
Sobre o Mercado Municipal, o promotor considerou tratar-se de objeto de ação civil pública promovida pela 3ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos, e que, como o caso já está judicializado, não caberia tutela em redundância. Em junho, o desembargador Agostinho Teixeira, da 13º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), autorizou a retomada da obra do novo Shopping Popular Michel Haddad, no entorno do Mercado, reacendendo a polêmica acerca do mesmo. A nível municipal, o Mercado é tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) desde 2013. Na resposta à denúncia de Cláudio Prado de Mello, Marcelo Lessa alegou ainda que o MP-RJ não tem como obrigar o Inepac a realizar o tombamento, pelo fato de ser “processo administrativo que exige juízo de valor de mérito, (...) questão eminentemente técnica”.
A respeito do Mosteiro de São Bento, foi ressaltado pelo promotor que o prédio já recebeu a tutela do MP-RJ “em inquérito civil que, exitoso, levou ao seu arquivamento, com a recuperação do bem. Mais uma vez, a suposta não conclusão do processo de tombamento não impediu a preservação e recuperação do bem histórico, sem qualquer prejuízo, portanto, ao patrimônio”. Assim como no caso do mercado, Marcelo Lessa mencionou não caber controle por parte do MP-RJ quanto ao ato administrativo discricionário. O mosteiro também é tombado pelo Coppam.
Por fim, quanto à denúncia de falta de fiscalização dos bens tombados na região, o promotor considerou que também “diz respeito à estrutura interna do Inepac, não comportando, maxime neste momento, interferência nos atos de gestão do Governo do Estado no que concerne à estruturação de seus órgãos”.
— Uma coisa absurda é que nós temos um acervo imenso de edificações de arquitetura eclética, que fazem de Campos o segundo local mais importante do Estado, e o órgão estadual nunca atentou para isso — lamentou Cláudio Prado de Mello. — Por conta dessa não preservação, esses prédios têm sido adulterados e têm se perdido. É um absurdo que eles tenham sido preservado pela casualidade ao longo do tempo, em mais de 100, 150 anos, e agora, no final, quando tudo estava aí para a gente conseguir reconhecer esse valor e preservar, o Estado não se mexa e acabe perdendo todo esse acervo de arquitetura eclética — pontuou o ex-dirigente do Inepac. Cláudio alega, inclusive, ter custeado com dinheiro próprio determinadas visitas técnicas a prédios de Campos, em razão do regime de recuperação fiscal e do corte de gastos em outras áreas do Governo do Estado durante decreto de enfrentamento à pandemia da Covid-19.
— Vistorias eram feitas nos bens, no passado, e depois o órgão estadual se acostumou a não fiscalizar mais. Por exemplo: a Lyra de Apollo, a gente viu na documentação que a última vistoria tinha sido em 2012. Então, se passaram praticamente 10 anos e ninguém foi até lá. Pega fogo, restaura, tudo isso, e simplesmente o órgão não acompanha. Isso é um absurdo. Eu lutei para que fosse contratado um arquiteto que, inclusive, é da região Norte Fluminense, o Matheus Fragoso. Ele assumiu a parte do Norte Fluminense, estava justamente fazendo as vistorias. Com a minha saída, ele também foi exonerado. Então, é um absurdo que isso esteja acontecendo. E chegou a hora de nós, agora como sociedade civil, cobrarmos resultados — acrescentou o historiador e arqueólogo.
Questionado sobre o que motivou a demissão do ex-diretor, o Inepac justificou que o cargo comissionado “é de livre nomeação por parte da secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. O senhor Cláudio Prado de Mello foi exonerado por não atender às expectativas da autoridade administrativa e foi substituído pelo professor Cláudio Elias, nomeado com o objetivo de dinamizar o órgão, tendo demonstrado competência em suas experiências anteriores na administração pública. Além de ser professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Cláudio Elias já ocupou os cargos de presidente da MultiRio e de secretário de Educação em São João de Meriti”.
Segundo o Inepac, a secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa enviará a Campos nos próximos dias uma equipe para finalizar as tratativas sobre a instalação do escritório técnico regional. “No momento, o Inepac está aguardando a conclusão do processo de disponibilização de servidor que assumirá a função de responsável” por este equipamento. Quanto ao Mercado Municipal e ao Mosteiro de São Bento, o órgão informou que os processos de tombamento foram encaminhados à Casa Civil e estão em processo de análise pelo Governo do Estado.
O Inepac justificou ainda que “tem feito um trabalho de fiscalização e monitoramento dos patrimônios do estado”. Segundo o órgão, no Norte Fluminense, foram realizadas vistorias recentes em Campos e Quissamã. Não foi emitido posicionamento sobre a alegação de Cláudio Prado de Mello de que teria precisado custear visitas técnicas a Campos.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS