Hobbit, Hooligan ou Vulcano. Quem é você na democracia?
A convicção de que, nas democracias, o povo — presente na etimologia da democracia, ou governo do povo (demo + kratia) — tem pouco ou nenhum poder em termos de tomada de decisões. A ideia contida no ato de votar, que é essencialmente democrática, não pode ser a única forma de exercermos a democracia
A democracia é intocável. Como modelo político e social é o que confere mais liberdade, justiça e representatividade entre os regimes tentados. O que nos remete ao estadista inglês Winston Churchill, que imortaliza na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947, a frase: “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história”. Apesar de sua importância, ela vem sendo atacada frontalmente — em todo século passado e, igualmente evidente, no atual. E questionada com argumento. Como faz o cientista político americano Jason Brennan, autor do livro “Contra a Democracia”, lançado em 2016.
Brennan traz uma reflexão necessária quando nos deparamos com governantes que mantém apoios expressivos e obstinados a despeito de se mostrarem totalitários, corruptos, negacionistas, incompetentes e ignorantes. A convicção de que, nas democracias, o povo — presente na etimologia do governo do povo (demo + kratia) — tem pouco ou nenhum poder em termos de tomada de decisões que afetam a coletividade.
A ideia essencialmente democrática contida no ato de votar, não pode ser a única forma de exercermos a democracia. Ela se enfraquece quando a participação se limita a uma escolha simples (em tese) a cada dois anos. “O que dizer da sobrevalorizada participação política quando ela tende a corromper em vez de edificar?” É um dos questionamentos trazidos por Brennan. Talvez a democracia tenha permitido ataques e se enfraquecido por incentivar que os votantes permaneçam ignorantes e irracionais.
Ainda questionando a democracia, o pensador estadunidense nos traz  representações analógicas de três espécies de cidadãos — arquétipos conceituais, baseados em cultura pop: hobbits (remetendo para o universo de J. R. R. Tolkien, escritor do Senhor dos Anéis), hooligans (torcedores fanáticos, trazendo para o mundo desportivo) e vulcanos (espécie humanóide do universo fictício do seriado Star Trek). Os hobbits seriam os “apáticos e ignorantes" sobre política, que se limitam a possuir um conhecimento raso sobre o que é relevante no mundo ou na história. Os hooligans seriam os fanáticos. Espécie muito comum no Brasil de hoje, que se pretende ainda mais polarizado. São autocentrados nas suas posições e ávidos consumidores de informação tendenciosa para confirmar suas ideias ou desprezar quem as discorde. E por fim os vulcanos, que se interessam por política de forma genuína, em bases científicas e com racionalidade. Procuram a imparcialidade com espírito de abertura.
A democracia exige que tenham direito ao voto as três espécies. Hobbits, hooligans e vulcanos compartilham do direito de escolha, garantido, e com mesmo peso. Uma epistocracia (ou governo dos mais sábios <epistême + kratia>) poderia determinar que apenas os vuncanos escolham os representantes de todos. Seria um caminho melhor? Mais justo? Fora das realidades paralelas criadas pelo cinema, as experiências na história de sociedades com essas bases, dividias em castas, estratificadas formalmente, e com rigidez, resultaram em exploração, genocídio e revolta. Talvez Churchill ainda esteja certo. É o pior dos regimes, mas é o que temos. Outro? Pode ser um exceção perigosa.
 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

    [email protected]