"E o PT"? As várias faces do antipetismo e as omissões coletivas
05/02/2021 11:34 - Atualizado em 05/02/2021 11:44
Uma mulher encena uma arma apontada na cabeça de um boneco que simbolizava o ex-presidente Lula. O antipetismo em sua face mais perversa.
Uma mulher encena uma arma apontada na cabeça de um boneco que simbolizava o ex-presidente Lula. O antipetismo em sua face mais perversa. / Heuler Andrey / AFP
Existe uma indagação quase retórica que é feita pelos apoiadores do presidente Bolsonaro, sempre quando percebem que seus argumentos estão no fim. Confrontados, eles disparam como um trunfo: “E o PT?”. Em princípio a pergunta não tem sentido, pois se fala da administração atual e o Partido dos Trabalhadores deixou de ser governo em 2016. Mas, cabe aprofundarmos sobre o motivo de tal indagação ser feita e se estamos diante de um “antipetismo estrutural”.
No dia das eleições do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, na última segunda-feira, este blog fez uma postagem intitulada “Congresso Nacional caminha ao bolsonarismo com ajuda do PT e de Campos”, trazendo uma análise crítica sobre o apoio da bancada petista a Rodrigo Pacheco, que foi eleito presidente do Senado, e sobre os votos declarados de políticos campistas a Arthur Lira, que foi eleito presidente da Câmara. Ambos foram apoiados diretamente pelo presidente Bolsonaro.
O título da matéria levou a questionamentos em rede social. Correligionários do PT acusaram a chamada de ser "antipetista". A pauta era a eleição no legislativo nacional e o fato era que a bancada do PT havia declarado apoio ao mesmo candidato que Bolsonaro. Inegavelmente, um fato.
A escolha de palavras é uma decisão editorial, não cabendo censura por partidários de qualquer linha ideológica, até por não reproduzir inverdades ou crimes de opinião. Porém, também por decisão editorial, entendo como justo e necessário fazer uma ressalva e uma análise (auto) crítica.
A eleição no Senado seguiu uma lógica interna que este blog não havia percebido. Assumindo o erro de apuração, não foi percebido que a principal opositora de Rodrigo Pacheco era Simone Tebet, senadora lavajatista declarada e apoiadora do impeachment de Dilma Rousseff. A decisão do PT não poderia ser outra, e em verdade, em uma avaliação mais minuciosa e ampla, é possível afirmar que Pacheco pode ter sido a opção mais conciliadora e equilibrada, dentre as apresentadas.
Sim, o PT não errou — dentro de uma lógica estratégica — , no Senado. Na Câmara, não poderia fazer muito mais do que fez, pelo tamanho de sua bancada. Logo, o título do artigo da última segunda foi inoportuno, apesar de verdadeiro, factualmente.
O antipetismo é uma realidade e é responsável por algumas de nossas mazelas atuais. Polarização extremada, demonização da política e afastamento do necessário exercício democrático. Mas, em que medida é possível precisar qual sua real origem? Os erros dos governos petistas são os únicos responsáveis pela rejeição acentuada ou existe uma mesmo uma significativa parcela do antipetismo que confirma a narrativa do ódio de classes, que se incomodou com "empregadas domésticas nos aeroportos"?
Outra discussão — embora não produza resultados práticos, não passando de pura retórica — permeia constantemente o antipetismo. A narrativa da culpabilização do PT pela eleição de Bolsonaro. Algumas correntes defendem que os casos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores, a imposição do “nós contra eles”, muitas vezes capitaneado por Lula, e as desastrosas políticas econômicas dos governos Dilma foram responsáveis por criar as condições de surgimento do bolsonarismo.
Outras defendem que a elite brasileira é ultraconservadora e sempre rejeitou o PT, sendo Bolsonaro produto de um movimento orquestrado, iniciado no segundo governo Dilma, com participação dos militares e com início de sua execução com o impeachment de Dilma, em 2016.
Brasília, DF, Brasil: O Deputado Bruno Araújo profere o voto que garante a autorização do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no plenário da Câmara dos Deputados.
Brasília, DF, Brasil: O Deputado Bruno Araújo profere o voto que garante a autorização do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no plenário da Câmara dos Deputados. / Marcelo Camargo/Agência Brasil
Bolsonaro foi eleito na esteira de um movimento de ultradireita que elegeu representantes nos Estados Unidos, Itália, Hungria, Polônia e aqui no Brasil. Se sua eleição foi produto de um movimento, este é o mais provável. O cenário local que permitiu um candidato ser eleito com a plataforma que Bolsonaro apresentou foi criado pela antipolítica. E ela não é culpa de um partido apenas. Ela é culpa de omissões coletivas. O lavajatismo trouxe a sensação de que a política era uma atividade criminosa, retirando dela o caráter natural e essencial para a vida em sociedade. Doria, Witzel, Bolsonaro e tantos outros governantes foram eleitos dizendo-se como não-políticos. O general da reserva Augusto Heleno, atualmente ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro, chegou a resumir os parlamentares do Centrão cantando Bezerra da Silva: "Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão". O Centrão hoje é aliado do governo, confirmando que as promessas de campanha de rompimento político não passavam de uma falácia.
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Dilma, quando acuada, aprovou por via de lei, instrumentos como a delação premiada e acordos de leniência. Esses instrumentos foram largamente utilizados pela Lava Jato e prenderam diversos integrantes do PT, muitos como réus confessos. Sérgio Moro foi o magistrado de mais visibilidade da operação. Responsável diretamente pela prisão do ex-presidente Lula e sua consequente retirada do páreo eleitoral em 2018. Em qualquer país sério, se o juiz responsável por prender o principal opositor político de quem venceu as eleições fosse nomeado ministro seria um escândalo de grandes proporções.  
O pântano que criou Bolsonaro é cheio de lama da antipolítica. Situação criada por culpa do PT, mas também por outros tantos partidos que lucraram com a criação do lamaçal. As ruas que hoje são tomadas de faixas pró-ditadura foram as mesmas ocupadas pela esquerda em 2013. As panelas da classe média batem hoje da mesma maneira nas janelas da zona sul. Sem o ódio à política, não haveria Bolsonaro. Sem a Lava Jato, não haveria Bolsonaro. Sem o PT, não haveria Bolsonaro. Bolsonaro continuaria a ser um parlamentar boçal do baixo clero, falando para quase ninguém fora de programas de auditório sensacionalistas, se não fosse o impeachment de Dilma.
Arthur Lira, eleito presidente da Câmara dos Deputados em
Arthur Lira, eleito presidente da Câmara dos Deputados em "festa da vitória", com mais de 300 pessoas, a maioria sem máscaras e sem respeitar o distanciamento, quando o Brasil contabiliza mais de 224 mil mortes por Covid-19. / Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O PT é culpado, mas não é o único. Quem optou por lavar as mãos em 2018, não votando em Haddad apenas por "antipetismo estrutural", sem querer ver o que estava por vir é culpado também, pela tal omissão coletiva. O insistente pedido de autocrítica ao PT se deve por esses erros e para que boa parte de seus correligionários desçam de suas arrogâncias injustificadas. Que podem ser evidenciadas com o slogan “quem defende você é o PT", divulgada em peças publicitárias sectárias, exclusivistas e impertinentes neste momento que precisamos praticar frentes partidárias. E o reconhecimento de covardias como a cometida contra a ex-petista e ministra de Lula, Mariana Silva, em 2014, levando a um segundo mandato impichado de Dilma Rousseff.
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Reconhecer ambiguidades em títulos de matérias em jornalismo de opinião é uma obrigação de quem tem credibilidade. O Partido dos Trabalhadores reconhecerá suas ambiguidades e promoverá união? O tempo, até 2022, dirá. Para vencer democraticamente o mostro que foi criado coletivamente e por diversos fatores, todos devem reconhecer erros. Alguns, com mais reponsabilidades que outros. Fica uma dúvida, que aqui não significa fim de argumentos: muitas correntes partidárias parecem dispostas a isso. E o PT?
 
 

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    Edmundo Siqueira

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