Suzy Monteiro: Essa tal maternidade
Suzy Monteiro 26/01/2021 13:38 - Atualizado em 27/01/2021 16:36
A lembrança mais antiga que tenho de minha mãe é ela nos levantando, todas as segundas-feiras de verão, a Atafona para tomar banho de mar. O dia pode parecer estranho, mas era o seu único de folga, após trabalhar de terça a domingo como manicure, indo de porta em porta naquela praia enorme. Minha mãe acreditava que, por mais dura que fosse a vida, suas filhas tinham direito de serem felizes.
Tinha razão nas duas coisas: a vida foi dura e fomos felizes. Desde aqueles primórdios em Atafona, a “dureza” só variou de intensidade. Ora mais, ora menos, mas nenhum momento difícil conseguiu tirar algo de nós, plantado nas manhãs de segunda nos verões na praia: a alegria em viver.
Não tinha dinheiro? Mamãe usava criatividade. Acho que ela foi a pioneira dos bolos decorados — a seu jeito, claro. Então, minhas festas de aniversário aconteciam, e as fotos estão aí para provar: Mickey com cara quadrada, Pato Donald com bico de cartolina, relógios de ameixa. O que eu imaginava, ela realizava.
Ao mesmo tempo, a responsabilidade que ela tinha conosco, sua presença em todos os momentos — embora trabalhasse sem parar — nos preparou para o desafio maior que teríamos na vida: ser mãe. E posso dizer que não é fácil. Não imagino quantas vezes saí correndo, descabelada, do serviço para chegar às festas no colégio. Ou em quantas ocasiões fui quase de camisola para o hospital. Quantas vezes, com o dinheiro contado no bolso, saí com minha filha e meus sobrinhos para um lanche, para uma brincadeira. Afinal, por maior que fosse a dureza...
Quantas vezes, também, vi minha irmã da mesma maneira, abrindo mão de si em função dos filhos. Acompanhando nas escolas, médicos, conversas e até de maneira mais incisiva quando era necessário. Não quero dizer que somos mais mães que todas as outras. Nada disso: somos mais um retrato de milhões de outras que batalham diariamente para criar seus filhos, tentando ensinar, prover, amar e impor limites (tem a sensação de que esse item é o mais difícil hoje em dia?). Mas, tenho um orgulho imenso de ter gerado alguém, tê-la ajudado a crescer, vê-la traçar seu próprio caminho. Tenho orgulho imenso dos filhos da minha irmã, que considero como filhos também.
Vejo muitas mulheres hoje dizendo que mãe não deve se cobrar, que deve ter seu tempo e tantas outras coisas importantes, mas que, aqui na realidade, muitas vezes são difíceis de pôr em prática. Outra geração, outros pensamentos.
Problemas existem, sempre vão existir. Mas, são as pequenas sementes que plantamos que nos fazem ver, lá na frente, o quanto valeu a pena. Olhar para um filho e pensar: “ufa, deu certo”, não tem preço. E pensar, exausta, que faria tudo outra vez, é o tal sentimento estranho que chamamos de amor de mãe.

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