Crise permanente em Brasília
Aldir Sales 29/02/2020 15:57 - Atualizado em 10/03/2020 14:56
Folha da Manhã
A semana foi marcada por mais uma polêmica envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Congresso Nacional. Em mais um capítulo da crise que vem se arrastando há algum tempo, a jornalista Vera Magalhães, do jornal O Estado de S. Paulo divulgou que Bolsonaro teria compartilhado um vídeo via WhatsApp em que convoca simpatizantes para uma manifestação contra deputados, senadores e o Supremo Tribunal Federal (STF). A reação foi imediata e forte por parte de políticos e ministros do STF. No centro da queda de braço entre os poderes está a disputa por uma maior fatia do Orçamento de 2020 entre Executivo e Legislativo. Cientistas políticos e professores campistas analisaram o atual quadro e, com diferentes pontos de vista, chegaram a conclusão que a briga tem atrapalhado o país.
Advogado tributarista e coordenador do curso de Direito do ISE Censa, Carlos Alexandre Campos explicou que existe duas modalidades de orçamento: autorizativo, que deixa nas mãos do governo a opção de gastar ou não; e o impositivo, que obriga o Executivo a utilizar a verba totalmente para o que ela foi destinada. Ele relatou, ainda, que recentemente o Congresso aprovou uma medida que aumenta para R$ 30 bilhões o valor impositivo que o Executivo precisa enviar para deputados e senadores gastarem com emendas.
— Antigamente havia essas emendas e o governo não era obrigado a ceder esses recursos. Esse é o ponto da briga que está acontecendo entre governo e Congresso. (...) Como hoje o Executivo é obrigado a ceder essas verbas, o presidente Bolsonaro está reclamando muito de que a medida engessa o orçamento — explicou o tributarista, que completou:
— Leis orçamentárias são frutos de diálogos e acordos entre Executivo e Legislativo, assim como todas as leis. (...) A realidade é que o presidente Bolsonaro é autoritário, não gosta de dialogar com o Congresso, ele não tem habilidade política para isso. E se você mistura o autoritarismo dele, a falta de vontade de debater com a incapacidade, ele simplesmente não dialoga. Como ele é populista e não é uma pessoa, na minha opinião, que goste muito da democracia, ele joga para o populismo. Ele quer jogar os deputados e senadores contra o povo.
Cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Hamilton Garcia fez um contraponto sobre a atuação do Congresso e criticou a retirada da verba do orçamento do governo.
— O Congresso Nacional tem a incumbência de discutir e votar o orçamento da União, mas deve fazê-lo sob critérios republicanos e à luz do dia. Retirar parcela importante dos recursos federais do comando do Executivo e transferi-la para a Comissão de Orçamento do Legislativo, por motivos meramente corporativos (eleitorais) ou em represália à falta de espaços de poder no atual governo, é extrapolar seu papel constitucional e desferir duro golpe na presidência da República e no “sistema presidencialista”. Se a intenção dos parlamentares é instituir um “governo parlamentar”, devem fazê-lo de maneira honesta, assumindo o bônus e o ônus da atribuição.
Por outro lado, o sociólogo e também professor da Uenf Roberto Dutra afirmou que Bolsonaro tem uma estratégia para “desmoralizar a política” e falou de risco de um golpe: “A mudança no orçamento feita pelo Congresso, que reserva mais dinheiro para as emendas parlamentares, foi a oportunidade encontrada por Bolsonaro para colocar na rua sua estratégia de desmoralizar a política e governar como se elegeu: como antípoda do sistema político, como presidente ‘anti-sistema’. A manifestação convocada contra o Congresso, no momento em que sua popularidade parece se recuperar, é uma ameaça clara à democracia e à divisão de poderes. É importante dizer que a mobilização do povo para pressionar o Congresso não representa, por si só, está ameaça. (...) No entanto, a mobilização pretendida por Bolsonaro visa claramente violar a Constituição, ameaçando fechar o Congresso”.
Executivo e Legislativo tentam se acalmar - Depois do clima tenso, o próprio presidente tentou “diminuir o incêndio” causado durante a semana. Em uma transmissão ao vivo nas redes sociais na última quinta-feira, Bolsonaro afirmou que respeita os Poderes e negou que tenha convocado para as manifestações.
— Eu não vi nenhum presidente de Poder falar sobre essa questão do dia 15, que eu estaria estimulando um movimento contra o Congresso e contra o Judiciário, não existe isso. Não falaram porque não existe isso. Agora, nós não podemos nos envenenar com essa mídia podre que nós temos aí. (...) Não existe qualquer crítica a Poderes, agora eu tenho que dar uma satisfação porque na ponta da linha o povo cobra muito mais de mim do que do Legislativo ou do Judiciário.
Enquanto isso, as informações de Brasília dão conta de que os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), vão trabalhar para reduzir a tensão entre governo e Congresso. No entanto, os dois deixaram claro que esperam, no mínimo, que o grupo de Bolsonaro baixe as armas e ajude na construção de um entendimento.
Diante da tensão política, que persistiu depois do Carnaval, o resultado é que o Legislativo deve perder mais uma semana na busca de negociações para criar um clima de entendimento, em vez de engatar no seu calendário de votação de medidas para dar fôlego à economia.
Durante a semana, as reações sobre a possível convocação de Bolsonaro para as manifestações foram fortes. Decano do STF, o ministro Celso de Mello foi duro: “Essa gravíssima conclamação, se realmente confirmada, revela a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato, de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República, traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático”.
Verba UFF em Campos não está ameaçada - Ainda dentro das emendas parlamentares existem divisões. Porém, assim que o assunto voltou à pauta na última semana, um questionamento veio à tona: a emenda de R$ 50 milhões da bancada fluminense para a conclusão do novo campus da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Campos estaria ameaçada? O deputado federal Wladimir Garotinho (PSD), um dos principais articulares da verba, explicou que não há qualquer relação.
— Não afeta em nada a emenda da UFF, o que está sendo discutido são as emendas dos relatores de comissão, que passam a ser impositivas. No caso da UFF é uma emenda de bancada. Havia um acordo entre líderes partidários e o governo, mas a área econômica do governo agora decidiu vetar alegando que “engessa” por completo a máquina e está gerando toda essa polêmica. Tenho certeza de que vamos achar um consenso e seguir em frente, o Brasil não merece essa instabilidade.
O que se fala nos corredores do Congresso Nacional em Brasília é de que o acordo entre governo e parlamentares reduziria a parcela das emendas impositivas pela metade, para R$ 15 bilhões. Porém, mesmo assim, Bolsonaro teria continuado a conclamar seus apoiadores para os atos contra deputados, senadores e o STF, o que fez explodir os ânimos na capital federal.

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