Tanto tempo perdido
Tanto tempo perdido...
Cândida Albernaz
Sentado embaixo da árvore, mexia em sua nova gaiola. Olhava o trabalho feito com capricho. Não sabia quantas gaiolas já fizera. Os passarinhos que depois colocaria dentro de cada uma delas, eram sua paixão.
A mulher já reclamara com ele. Fica sujando o quintal com esse alpiste e quem tem que limpar sou eu.
Era seu maior prazer, não entendia. Aposentara-se e quando viu ser desnecessário para o trabalho que fizera a vida toda, sentiu-se um inútil.
No início, ficava em casa durante todo o dia, esforçando-se para acreditar que merecia aquele descanso. Afinal, já era hora. Sempre fora um bom funcionário, cumpridor severo de suas obrigações, deixando de lado por muitas vezes acompanhar o crescimento dos filhos ou a companhia da mulher. Esta vivera reclamando do seu cansaço ao chegar, sem disposição para outra coisa que não fosse dormir cedo para acordar bem disposto no dia seguinte para o trabalho.
Nos finais de semana, gostava de se sentar no botequim da esquina, onde encontrava com os colegas da firma. Ao voltar, almoçava e dormia. Algumas vezes a mulher o chamava para um cinema ou passeio. Eram raras as ocasiões em que aceitava o convite.
Podia-se dizer que vivera para o trabalho, inclusive, o que habituara a afirmar era que se esforçava tanto pela mulher e filhos. Para que pudessem ter o mínimo de conforto de que uma família precisava.
Com o tempo, foi vendo a mulher envelhecer, perder o viço da pele e o brilho nos olhos.
Nunca perguntou a ela se o mesmo acontecera com ele.
A única coisa que realmente chamara sua atenção, foi quando num dia qualquer, pelo menos para ele, chegara a casa e encontrara a mulher pronta para sair. Colocara um vestido estampado, com um decote mais ousado do que o habitual e pediu que ele fosse até o quarto e tomasse um banho. Em cima da cama encontrou uma camisa bem passada e uma calça estendida ao lado. Apesar de estranhar, lavou-se e colocou a roupa separada por ela. Foi até a sala e encontrou-a parada em pé, próxima à porta. Perguntou o que estava acontecendo, ela segurou seu braço e disse que hoje sairemos um pouco, porque preciso me sentir jovem outra vez. Riu dela, mas aceitou o braço estendido. Caminharam ao longo da rua e num pequeno restaurante de onde podia se ouvir música, ela pediu que entrassem.
Tomaram algumas cervejas e resolveu tirá-la para dançar. Estranharam-se um pouco no início, a falta de costume de se tocarem em público ou mais demoradamente. Não contava as noites em que a procurava e muitas vezes sem nem mesmo se beijarem, satisfazia-se, não se importando com o que ela sentia. A bebida e a música fizeram com que relaxassem.
Talvez esta tenha sido a última noite em que poderiam ter dado uma oportunidade para eles mesmos.
No dia seguinte a rotina voltou a se instalar. Pensando bem agora, recordava de que ela o procurara com os olhos e sorria disfarçadamente quando encontrava os seus. Não soube aproveitar. Não conseguira tempo para isso. O momento passou e com ele a vida que poderiam ter vivido.
Pegou a nova gaiola e saiu. Sabia qual o passarinho que colocaria ali dentro.
Mais tarde, ao chegar, foi até a varanda e pendurou a gaiola no prego colocado na parede. Sorriu orgulhoso.
Notou que a mulher o olhava. Hoje em dia ela andava com dificuldade, mas continuava cuidando de tudo dentro de casa.
Aproximou-se dela e apontou para sua mais nova aquisição. Não viu nenhuma reação em seu rosto, só cansaço.
Puxou-a pelo braço e passou os seus em volta do ombro dela. Percebeu que ela tentava sair. Não se intimidou e apertou-a com a mão trazendo-a para mais perto dele.
Ficaram os dois assim, parados olhando sem ver. Ela então passou a mão em sua cintura e encostou a cabeça em seu ombro.
Tanto tempo perdido...