"Gratificação Faroeste" volta ao debate no Estado do Rio
Hevertton Luna - Atualizado em 04/10/2025 11:02
O pesquisador Roberto Uchôa e o advogado Roberto Corrêa
O pesquisador Roberto Uchôa e o advogado Roberto Corrêa / Reprodução
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, em 23 de setembro, a chamada “gratificação faroeste”, que prevê bônus para policiais civis do Rio de Janeiro que “neutralizarem” criminosos em confronto. Contudo, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e especialistas veem o projeto como retrocesso na segurança pública fluminense.
A gratificação foi acrescentada ao PL 6.027/25, de autoria do próprio Poder Executivo, por meio de emenda proposta pelos deputados Alan Lopes (PL), Marcelo Dino (União) e Alexandre Knoploch (PL). Trata-se de uma premiação de 10% a 150% dos vencimentos de policiais que tenham se destacado por apreender armas de grande calibre ou de uso restrito, em operações policiais e por “neutralização de criminosos”, como diz o texto aprovado.
O modelo não é inédito: a premiação pela morte de criminosos já existiu no Rio entre 1995 e 1998, quando também foi chamada de “gratificação faroeste”. Ela foi extinta à época por meio de uma lei aprovada na própria Alerj.
Roberto Uchôa, Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisador na Universidade de Coimbra, afirmou que o projeto de lei “representa um grave retrocesso nas políticas de segurança pública e um ataque direto aos princípios do Estado de Direito. Vejo esta medida com extrema preocupação, pois ela não apenas se provou ineficaz no passado, como também é fundamentalmente incompatível com a natureza da polícia investigativa”.
Já o advogado criminalista, Roberto Corrêa, classificou o projeto como “ameaça”.
“Não vejo nessa medida outra coisa senão a institucionalização da violência. O policial deixa de agir somente em defesa da sociedade e dentro da legalidade para ter diante de si um estímulo financeiro que pode influenciar sua tomada de decisão. A Constituição de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da vida como fundamentos da República. Ao premiar a morte, o Estado viola esses princípios e transforma o ato de matar em uma possibilidade de ganho pessoal”, advertiu Corrêa.
Conforme a DPU, além de ser inconstitucional, o projeto ainda sofre de vício de iniciativa, já que propostas que instituam gratificações para agentes de segurança devem partir da respectiva chefia do Poder Executivo. Para a Defensoria, o próprio termo “neutralização”, usado no PL, é impreciso e por si só viola a dignidade da pessoa humana.
“Pessoas não são ‘neutralizadas’, mas sim são mortas ou feridas, havendo exclusão, ou não (constatada após investigação policial e eventualmente de processos judiciais), da ilicitude em razão da necessidade de preservação da vida ou da segurança de pessoas inocentes”, diz o documento, escrito pelo defensor regional de direitos humanos do Rio de Janeiro, Thales Arcoverde Treiger.
Para o MPF, “a evocação da letalidade policial como fator de promoção da segurança pública carece de qualquer comprovação, além de gerar efeitos contrários ao prometido”.
O parecer também reforça que a medida viola compromissos internacionais: “Ao estimular esse tipo de atuação, o Estado do Rio de Janeiro pode levar o Brasil a nova responsabilização internacional por violações de direitos humanos”, escreveu o procurador.
“Segurança pública não se constrói com sangue e com números de mortos, mas com respeito à lei, à vida e à dignidade. Recompensar a morte é inconstitucional, é imoral e é socialmente desastroso. O Brasil não pode admitir que vidas sejam transformadas em moeda de troca por gratificações”, sustentou o advogado Roberto Corrêa.
Uchôa alertou: “a ‘gratificação faroeste’ corrói o profissionalismo policial. Ela coloca em risco os policiais honestos, que se verão pressionados por uma cultura institucional que premia a violência em vez da técnica e da legalidade. Transforma a polícia, como afirmou a professora Jacqueline Muniz, em ‘um bando armado a mais’, erodindo a confiança da sociedade na instituição e borrando as linhas que separam o Estado das próprias organizações criminosas”. 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS