*Edgar Vianna de Andrade
- Atualizado em 22/10/2025 08:16
Reprodução
Nada posso dizer da literatura de László Krasznahorkai, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2025, pois nunca li nada dele. Mas posso falar do seu trabalho indiretamente por conta do filme “Satantango”, de Béla Tarr, baseado no romance de mesmo nome. Ele foi publicado em 1985. A crítica diz que o autor se insere na linha da literatura distópica e do absurdo presente em escritores do leste europeu, como Franz Kafka. Bela Tarr já levou para a tela outros livros do escritor.
“Satantango” é uma obra-prima do cinema, segundo reconhecimento de especialistas. Mas tem problemas. O primeiro deles é a duração. Quem aguenta um filme de sete horas e meia? Uma plataforma o disponibiliza, mas suponho que seja muito pouco procurado. Nenhum cinema ou cineclube estaria disposto a exibi-lo.
O segundo problema é o roteiro. Afinal, o que aquelas pessoas estão fazendo numa aldeia da Hungria durante o inverno sob uma chuva que não passa? O filme começa com um grande plano-sequência em que a câmara começa parada e com abertura de grande angular. O que ela focaliza? Pessoas? Não, bois que se movimentam lentamente mugindo e copulando. Raros são os cortes. Os sinos tocam sem igreja por perto ou com igrejas sem sinos. Em outro plano sequência, homens rudes caminham numa estrada de terra lamacenta em marcha que parece nunca acabar. Mais adiante, outra caminhada numa cena antológica. O vento carrega o lixo da estrada atrás dos caminhantes.
Pessoas paradas com olhos fixos ou em lento movimento. Um estranho que chega na aldeia. Será ele Satan? Festas em bares rústicos com homens e mulheres bebendo até adormecerem. No meio disso tudo, uma menina que mata seu gato numa cena realista e demorada. Como o diretor conseguiu filmar aquela cena? Depois, a menina caminha com o gato morto por uma floresta de árvores de troncos retos e sem folhas. Era inverno.
Todo em preto-e-branco, o filme permite o realce de detalhes naquela aldeia perdida no meio do nada. Sou dos que consideram o cinema uma arte que combina literatura, teatro, música, pintura e fotografia, mas com um diferencial em relação às artes que reúne: a fotografia em movimento. Este traço permite ao bom cineasta se descolar das outras artes e acentuar os traços da nova arte. Béla Tarr consegue isso em seus filmes. Mas levo em conta que o cinema é também a mais popular das artes. Cabe fazer concessões ao grande público sem abrir mão de sua singularidade. Um filme com sete horas e meia de duração e um roteiro incompreensível afasta o grande público e só é apreciado por especialistas.