Felipe Fernandes - Anacronismo, imigração e quadrinhos
*Felipe Fernandes 23/07/2025 15:03 - Atualizado em 23/07/2025 15:16
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Filme: Superman - Pensado como o recomeço do Universo DC nos cinemas, Superman é um filme que chega com a responsabilidade não só de ser o pontapé inicial dessa empreitada, como de resgatar muitos elementos do personagem que ficaram de fora de sua última encarnação nos cinemas.

O longa abre com um letreiro muito eficiente em estabelecer que vamos acompanhar um mundo que há 30 anos lida com a questão dos super-humanos e que o Superman já faz parte dessa realidade a alguns anos. James Gunn acerta ao não repetir a origem de um herói que é amplamente conhecida, inserindo apenas elementos na construção da nova versão do personagem.

James Gunn abraça o material dos quadrinhos, misturando elementos da Era de prata e principalmente da Era de Bronze, para humanizar o personagem, em uma aventura repleta de colorido, sci-fi e todo tipo de exageros, construindo um dos filmes mais desavergonhado de suas origens, misturando com temáticas bem atuais, diretamente ligadas às origens do personagem.

Em sua primeira aparição, vemos o herói sofrendo sua primeira derrota. Essa abertura não é ao acaso. Se o Superman de Zack Snyder era visto como uma entidade messiânica, carregado de um tom sombrio e extremamente poderoso, o novo Superman é apresentado em seu momento de maior fragilidade e essa é uma constante do longa. Esqueça o Superman ultra poderoso e invulnerável, essa é certamente a versão mais frágil do Superman no audiovisual.

Sendo ajudado por seu cachorro e seus robôs, elementos nunca antes explorados nos cinemas e que são essenciais na construção do clima mais leve do longa, é uma mistura estética e narrativa que abrange muita coisa, algumas conflitantes e naturalmente nem tudo funciona. Por outro lado, Gunn é bem sucedido em grande parte das temáticas, abordando temas espinhosos e atuais, que certamente vão dividir ainda mais sua base de fãs.

Gunn resgata a versão mais pura do herói, muito próxima da versão imortalizada por Christopher Reeve. O Superman com um forte senso de justiça e responsabilidade, de princípios éticos muito sólidos e que acredita sempre no melhor da humanidade, que se preocupa com a vida acima de todas as questões, seja de um milionário, de um imigrante ou de um simples esquilo. A vida é inegociável, ignorando qualquer aspecto político ou social.

São características ´´ultrapassadas`` na sociedade moderna. Esse ideal de escoteiro está cada vez mais deslocado e ao misturar com temáticas muito atuais, criam um anacronismo interessante.

Em um gênero que anda muito desgastado, James Gunn resolve ir na contra mão do que vêm sendo feito e abraça as principais características dos quadrinhos, construindo uma pequena bagunça. É robô, monstro gigante, cachorro super poderoso, outros heróis B da DC que aparecem de forma relevante, tudo com muito colorido, em um tom otimista, que traz o protagonista como centro da narrativa, mas que necessita da ajuda de outros personagens, reforçando a ideia de um heroísmo compartilhado.

A trama gira em torno do medo que um ser superpoderoso, que age de forma autônoma e sem controle, tem sobre as principais potências do mundo. Essa autonomia moral do personagem, vai contra todo tipo de autoridade, que temem o que não pode ser controlado. É nesse ponto que entra Lex Luthor, uma encarnação desse mundo moderno, representado como um tecnocrata manipulador, que explora a mídia, os serviços de segurança e a geopolítica para alcançar seus objetivos.

Mas o tema central do longa, é a dicotomia entre Kal-el e Clark Kent. O filme trata Superman como um símbolo dos imigrante, um estrangeiro que busca equilíbrio entre suas raízes kryptonianas e seus valores humanos. Desde 1938, Superman é frequentemente visto como uma alegoria de imigração nos quadrinhos e o filme trabalha isso muito bem, trazendo inclusive uma importante mudança na relação do personagem com seu planeta natal, um elemento novo que muda completamente o passado do protagonista, que precisa lidar com sua herança biológica e sua criação na terra.

É uma mudança problemática, já que no cerne do personagem, o que faz dele esse grande defensor da vida, é a soma de suas origens, algo que se perde aqui, com o personagem tendo de escolher um lado, enfraquecendo essa ideia de que a união dos povos é que fará do mundo um lugar melhor.

Esse conflito também está muito presente na relação com Lois Lane. Com uma personalidade oposta, de quem desconfia e questiona tudo (características essenciais em um jornalista), Lois questiona as ações do Superman. Com uma visão mais realista do mundo, ela funciona como uma forte conexão com o lado humano do protagonista. A cena da entrevista é uma das melhores do filme e Gunn usa de forma inteligente para compreendermos a moral inabalável do Superman e como ela pode afetar o mundo em que ele atua de uma forma perigosa.

Superman é um filme que mistura passado e presente, que põe em conflito a essência do personagem com os novos tempos, em uma aventura colorida, exagerada, divertida, mas que carece de grandes momentos. A narrativa parece querer abarcar muito em pouco tempo, é meio bagunçada, mas não dá pra negar que Gunn é ambicioso e foge da mesmice, simplesmente abraçando o material original, algo que o cinema sempre fez com timidez, uma característica que não pode ser associada ao cinema do diretor.

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