"Ao mestre com carinho"? Breves reflexões sobre a condição docente
Ana Carla de Oliveira Pinheiro - Atualizado em 15/10/2025 11:45
Dia do professor abre o debate sobre a excelência educacional.
Dia do professor abre o debate sobre a excelência educacional. / Tânia Rego/Agência Brasil
Estamos no mês em que se comemora o Dia dos Professores, agentes centrais na operacionalização das políticas públicas de educação. Entretanto, diferentemente de outras áreas, nem sempre a expertise desses profissionais é devidamente considerada no planejamento e na elaboração dessas políticas.É consenso que a educação constitui um campo estratégico para o desenvolvimento de qualquer sociedade que aspire ao progresso. No entanto, em um país de dimensões continentais como o Brasil, os desafios relacionados ao acesso, à permanência e ao êxito escolar permanecem expressivos.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Educação Básica de 2025, existem no país 179.286 escolas, onde atuam 2.367.777 docentes, responsáveis pela formação de 47.088.922 estudantes. São números vultosos, proporcionais às dimensões do território nacional. Contudo, para fins desta reflexão, detenho-me em um aspecto específico dessa equação: a prática docente — ou, em outras palavras, a forma como as políticas educacionais consideram, valorizam e integram o professor em sua formulação e execução.
Sob uma perspectiva macro, houve avanços significativos na educação básica brasileira, que compreende a educação infantil (zero a cinco anos), o ensino fundamental (seis a 14 anos) e o ensino médio (15 a 17 anos), sendo obrigatória a escolarização dos cinco aos 17 anos. Segundo os dados do Anuário, o percentual de crianças de zero a três anos matriculadas em instituições de ensino alcançou 41,2%. Em 2024, a taxa de matrícula de crianças de seis a dez anos nos anos iniciais do ensino fundamental manteve-se em 93,3%, e a dos adolescentes de 11 a 14 anos nos anos finais atingiu 97,6%, praticamente universalizada. Já o índice de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio foi de 82,8%.
Ainda assim, persistem desafios estruturais importantes. O país não atingiu a meta de 50% de matrículas na educação infantil, estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024. No ensino fundamental, apenas 37,2% dos alunos do 5º ano da rede pública apresentaram aprendizagem adequada em Língua Portuguesa e Matemática, e, no 9º ano, apenas 13,3% alcançaram esse patamar. O ensino médio continua a ser a etapa mais crítica, com altos índices de evasão e baixos níveis de aprendizagem, refletindo desigualdades e deficiências históricas.
Parte da solução desse quadro passa, necessariamente, pela valorização e ressignificação da atividade docente. É imprescindível que se ouçam os professores, indo além de parcerias com o setor privado que, muitas vezes, encara a educação não como um direito social, conforme disposto na Constituição Federal de 1988 e consolidado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), mas como um mercado de oportunidades.
A experiência internacional demonstra outros caminhos possíveis. De acordo com a pesquisadora Inger Enkvist, em seu livro A boa e a má educação: exemplos internacionais, de 2020, a docência é uma carreira altamente valorizada em países que são referências em escolarização de sua população. Na Finlândia, a profissão atrai jovens talentosos e ambiciosos, que veem no magistério uma atividade socialmente respeitada e intelectualmente recompensadora. Em países asiáticos, embora o período de formação seja mais curto, o domínio do conteúdo é rigoroso, e o acesso à profissão é extremamente competitivo (Enkvist, 2020).
Esses contextos contrastam fortemente com a realidade brasileira. Aqui, no discurso público, há um consenso retórico em torno da valorização do professor, mas, na prática, o cenário é de desrespeito, precarização e desvalorização simbólica. Não são raras notícias sobre violações de direitos trabalhistas, assédios institucionais, violências verbais e físicas — cometidas por gestores, pais e alunos —, além de condições de trabalho que dificultam o exercício pleno da profissão. Essas situações desconsideram o investimento intelectual, financeiro e emocional dedicado à prática docente. Por que isso ocorre? Por que os melhores talentos não se interessam pela docência?
Essas perguntas precisam ser enfrentadas de modo franco e estruturado. As respostas certamente indicarão caminhos possíveis para a reversão dos baixos índices de aprendizagem e para a revalorização do magistério, condição indispensável ao fortalecimento da educação básica e, por consequência, do próprio projeto de sociedade que desejamos construir.

Ana Carla de Oliveira Pinheiro é doutora em Sociologia Política pela Uenf, professora formadora da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc), vice-líder do Lader (Laboratório de Políticas Públicas, Governação e Desenvolvimento Regional, da UFF) e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles

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