Secretários de Paulo Guedes pedem exoneração do governo
Channa Vieira 21/10/2021 19:07 - Atualizado em 22/10/2021 10:18
Bruno Funchal, ex-secretário de Tesouro e Orçamento
Bruno Funchal, ex-secretário de Tesouro e Orçamento
O Ministério da Economia informou que quatro secretários do ministro Paulo Guedes pediram demissão nesta quinta-feira (21). Bruno Funchal, secretário de Tesouro e Orçamento, Jeferson Bittencourt, do Tesouro Nacional, a secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araújo. A baixa acontece após tentativa do governo de alterar o teto de gastos em 2022. A intenção do governo é custear o Auxílio Brasil, um substituto do Bolsa Família, e por isso tenta a manobra, que não foi recebida bem pelo mercado financeiro, tendo queda do Ibovespa e aumento no dólar. A pasta alega que os pedidos de exoneração aconteceram por motivos pessoais.
Enquanto isso, a comissão especial criada na Câmara para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios aprovou também quinta o texto-base da proposição por 23 votos a 11. A PEC fixa um limite, a cada exercício financeiro, para as despesas com precatórios (dívidas da União já reconhecidas pela Justiça). O texto é uma das apostas do governo federal para viabilizar o Auxílio Brasil.
Mais cedo, o anúncio sobre o pedido de licença para alterar teto de gastos foi feito pelo próprio Paulo Guedes e causou repercussão negativa no cenário econômico, que vê a tentativa como manobra fiscal e com fins eleitorais. Mais cedo, durante inauguração do Ramal do Agreste em Sertânia, em Pernambuco, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não iria furar a regra do teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400, que será concedido para todos com mesmo valor. Atualmente, o Bolsa Família paga em média R$ 189.
Para o economista e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Alcimar Chagas, o equilíbrio entre as questões fiscal e social é difícil de ser feito. "É uma situação bastante complicada. A gente tem de um lado a questão do da manutenção do teto do gasto. Esses gastos do governo não podem superar a inflação passada. E realmente isso é importante para evitar abusos. Ainda mais em época eleitoral. Por outro lado, a gente tem um problema sério que é a questão dos programas sociais. Também resolver essa questão é fundamental. Estamos em uma pandemia. Tanto é que no ano passado houve até a formulação de um orçamento de guerra aprovada pelo Congresso, separando do orçamento convencional para atender à população com o auxílio emergencial. Eu acho que isso já deveria ter sido continuado", disse.
Alcimar também cobrou uma maior participação do Congresso na tentativa de resolução desse impasse. "A gente tem duas situações complicadas. Então o governo está tentando de alguma maneira resolver isso. Eu acho que o Legislativo precisa entrar nessa briga também. Precisa aprovar uma autorização para liberação de recursos em uma condição especial para atender esses benefícios sociais. É uma questão política realmente que precisa ser resolvida entre o governo e o Legislativo".
Mercado financeiro reage mal
Por conta do pronunciamento de Guedes, o dólar fechou em alta de 1,92%, cotado a R$ 5,6651. Esse foi o maior patamar para fechamento desde 14 de abril e a maior valorização diária da moeda desde 8 de setembro. Na máxima do dia, o dólar chegou a R$ 5,6899. Já o Ibovespa caiu 2,75%, a 107.735 pontos, tendo a pior pontuação do ano e a menor desde 23 de novembro.
Com aumento da desconfiança do mercado financeiro, Alcimar explicou o que fez os indicadores flutuarem tanto com a declaração de Paulo Guedes. "O teto de gastos é constitucional e precisa ser respeitado. Existe hoje um confronto grande entre apoiadores do governo e quem é contrário. Isso é muito ruim para o país. Se mexer no teto de gastos, é crime. E quando o ministro fala sobre uma avaliação, de alguma forma, de furar o teto, cria um tumulto no mercado e aumenta a desconfiança no país. A bolsa é feita por investidores e, em um cenário de desconfiança, o investidor tira dinheiro da bolsa. Já o dólar é um instrumento de defesa. Nesse momento, as pessoas vão e compram mais dólares, então o valor aumenta. O governo tem medo da inconstitucionalidade. A Dilma sofreu impeachment por causa das pedaladas fiscais e está todo mundo de olho no Bolsonaro. Não acredito que o governo vá assumir esse risco", concluiu.
Capital político
Para o sociólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Campos, George Coutinho, está acontecendo uma debandada na ala mais liberal do ministério. "Ainda há o que chamo dos "bastiões da resistência" que se apresentam como liberais na economia estavam ali dando sustentação, tanto ao governo do Bolsonaro quanto também o próprio Paulo Guedes, ainda vinculados naquela dobradinha estranha entre uma retórica autoritária de Bolsonaro em uma prática ultraliberal, de privatizações. O que é a grande questão é que Paulo Guedes mexeu num tabu para os grupos financeiros e desses caras do Ministério da Economia, que têm, inclusive, compromissos com o setor financeiro, que é o teto de gastos. Eles compreenderam que era o momento de desembarcar do governo, mas é um desembarque que está sendo feito de maneira fracionada desde 2019", declarou o professor, que continuou falando sobre derretimento do capital político de Guedes:
— Grupos que apostavam que teria algum tipo de ultra liberalização ou uma aposta muito forte em sociedade de mercado. Significa também que Paulo Guedes ele está derretendo em seu capital político a olhos vistos, na medida em que há muito tempo ele não entrega o que prometeu.
Precatórios
O governo tenta reduzir o montante de precatórios a ser quitado em 2022 para, com o restante do dinheiro, conseguir pagar o novo programa social. A aprovação pela comissão do parecer sobre a proposta, de autoria do relator, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), abre espaço orçamentário para bancar o programa sem "furar" o teto de gastos, que limita o crescimento da maior parte das despesas públicas à inflação.
Além de restringir o pagamento de precatórios, a PEC altera a regra de correção do teto de gastos.
Atualmente, a fórmula considera o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apurado entre julho de um ano e junho do ano seguinte. O período considerado é esse porque é o dado disponível no momento em que o governo tem de enviar ao Congresso o projeto de orçamento do ano seguinte.
Com a mudança proposta pela PEC, o IPCA passa a ser apurado entre janeiro e dezembro. Essa mudança no cálculo também afeta o pagamento dos precatórios, já que o governo propõe limitar a alta dessas despesas pelo mesmo índice.
A mudança parece simples mas, segundo o relator, a alteração na fórmula e o limite de pagamento dos precatórios liberam quase R$ 84 bilhões para despesas em 2022, ano eleitoral. Na prática, o governo conseguiria essa margem para contornar o teto de gastos. Técnicos do Congresso estimam que esse espaço orçamentário pode ser ainda maior e ultrapassar R$ 95 bilhões.
Caminhoneiros
Também nesta quinta, Jair Bolsonaro afirmou que criará um programa de Auxílio Diesel para cerca de 740 mil caminhoneiros, mas não falou sobre valores. “Vamos atender os caminhoneiros autônomos. Os números serão apresentados nos próximos dias”, revelou Bolsonaro.
Para o próximo dia 1º de novembro, a categoria marcou uma greve geral, que deverá contar com a adesão de 70% do setor, justamente pelo aumento do combustível. Apesar de ser um setor que conta com maioria a favor do governo de Bolsonaro, lideranças afirmaram que paralisação está mantida.
Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Litti disse que os caminhoneiros não querem esmola. Mesmo sem saber o valor que será oferecido pelo governo, tendo base no valor de R$ 400 anunciado pelo presidente para o Auxílio Brasil, ele afirmou que "não paga 100 litros de diesel".

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