Conceição (Muniz), nós lembramos muito bem
Matheus Berriel 12/10/2021 18:18 - Atualizado em 13/10/2021 15:34
Conceição Muniz
Conceição Muniz / Foto: Rodrigo Silveira
“Se precisar de ajuda, peça; se não precisar, dispense”. Dita por Solange do Rosário Gama durante uma das aulas de braile do Educandário para Cegos São José Operário, a frase virou um lema para a assistente social e professora Conceição Muniz, deficiente visual há cerca de três anos. No dia em que completou 91 de idade, em 12 de setembro, ela lançou o livro “Pelos olhos da alma”, incentivado pelas amigas Julieta Viana e Maria Amélia Boynard e escrito pelas mãos da prima Letícia Soares, com revisão de Carmem Lúcia Pessanha. Todas as memórias foram ditadas pela própria Conceição, que, no início da década de 1960, foi uma das principais responsáveis pela instalação da faculdade de serviço social em Campos.
Diagnosticada com retinopatia diabética, ela já vinha refletindo sobre a possibilidade de perder totalmente a visão, que durante alguns anos foi apenas monocular e já muito reduzida. Tanto é que, quando a cegueira absoluta chegou, não conseguiu tirar de Conceição a vontade de viver bem e mais.
— Papai do Céu fez tão devagar, lentamente, que deu tempo de eu ir me acostumando com a ideia, convivendo com a criançada do São José Operário. Foi uma lição muito grande — afirma Conceição: — Solange do Rosário Gama me dava aula de braile, me ensinava os recursos para conviver com a deficiência, e o principal foi essa frase: “Se precisar de ajuda, peça. Se não precisar, dispense”. Senão, você vai ficar dependente de tudo. O que eu posso fazer, eu faço, porque isso dá uma independência. Essa frase simples me ensinou a como viver esse meu momento. Não canso de agradecer pela lucidez e por não ter depressão. Ainda sinto prazer em viver. Isso me ajuda e ajuda aos circunstantes. Preciso de muita ajuda, sim, mas não em tudo — complementa.
Filha da professora Maria Teresa da Costa Muniz e do barbeiro Valdovino “Morgado” Muniz, que também atuou na Recebedoria de Rendas, Conceição de Maria Costa Muniz nasceu em Campos, no dia 12 de setembro de 1930. Alfabetizada pela própria mãe, fez toda a educação básica no Liceu de Humanidades, onde formou-se professora em 1949.
— O Liceu era brilhante. A gente saía direto para fazer vestibular, não tinha outros cursos preparatórios. Até hoje, vejo pessoas brilhantes que saíram do Liceu. Havia alunos de alto nível social e também pessoas com condição inferior economicamente. Mas, na sala de aula, todo mundo era liceísta. Você se distinguia pelo que produzia de saber. O Liceu foi a maior lição de democracia que tive — recorda ela.
Pouco tempo após a formatura como professora, Conceição Muniz lecionou no Instituto Perissé Duarte e no Jardim de Infância do Serviço Social da Indústria (Sesi). Nesta época, mudou-se para Niterói a fim de estudar na Escola de Serviço Social do Estado do Rio de Janeiro, um dos embriões da Universidade Federal Fluminense (UFF), criada em 1960 como Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uferj).
— Nossa luta era pelo surgimento da Uferj, o que aconteceu na época em que eu voltei a Campos. Antes, participei da implantação da Escola de Serviço Social em Campos, no início da década de 1960, no plano de interiorização idealizado por dona Violeta Saldanha da Gama. As escolas eram isoladas, com vários cursos, lá em Niterói. E dona Violeta, como viu que as pessoas iam para Niterói e quase ninguém voltava, se preocupou com essa interiorização, o que acabou se consolidando como a UFF em Campos — explica a veterana assistente social e professora.
A própria Conceição Muniz teve papel fundamental para que o projeto fosse exitoso, atuando junto à professora Heloísa Monteiro Paixão.
— A líder do trabalho foi Heloísa, que já é saudade. Dona Violeta era muito interessada nessa interiorização e pediu que nós empreendêssemos esse trabalho de implantar o curso de serviço social em Campos. Lado a lado com Heloísa, nós trabalhamos nessa implantação. Primeiro, sem sede própria, começamos na parte térrea da Inspetoria de Educação. Era um pedacinho de casa, ali na rua do Sacramento. Dali, nós conseguimos mais um lugarzinho, no Centro de Floricultura, que fica na esquina da rua do Leão com a avenida 28 de Março. Depois conseguimos a sede, na antiga casa de Doutor Luiz Sobral, onde funcionou só a Escola de Serviço Social. Passamos por vários endereços, até que, no começo dos anos 1960, surgiu a UFF em Campos (mais precisamente em 1962) — detalha.
Professora da própria UFF, Conceição foi trabalhar em seguida como assistente social no Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), posteriormente Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), onde se aposentou em 1990.
Fundado em 1963, o Educandário para Cegos São José Operário é outra instituição em que Conceição Muniz foi atuante.
— Tive contato em três momentos. Primeiro como contribuinte, ainda na campanha de construção, colaborando mensalmente. Depois, enquanto professora da Escola de Serviço Social, fui supervisora de alunos que faziam estágio no São José Operário. Nessa época, tive contato com os assistidos e vi alguns cegos fazendo coisas muito difíceis, que não se acreditava que eles poderiam fazer. Fui convivendo e vendo, ainda sem saber que aquelas lições serviriam para o meu uso pessoal. E depois veio a minha fase de assistida, quando fiquei deficiente visual e tive aulas lá — conta ela.
Residindo desde 2002 à rua Marinho, Conceição levou consigo inúmeras lembranças de uma vida inteira na rua do Rosário, atual Carlos de Lacerda.
— Fui para lá com cinco anos e só saí em 2002. Antes, a casa vivia cheia. Para minha surpresa, encontrei a minha irmã Terezinha morta, em janeiro de 2002. E aí me mudei. Mas morei naquela casa por mais de 70 anos. Então, houve muita história. A minha estruturação como pessoa, a presença de pais, irmãos e muita gente, tudo aconteceu ali. Era o ponto de apoio da família — comenta Conceição Muniz.
Foi na rua do Rosário, inclusive, que ela teve o primeiro contato com a Folha da Manhã. Leitora desde a fundação do jornal, ainda hoje Conceição mantém a sua assinatura. O ato de se informar é um dos momentos em que pede ajuda, seja às suas cuidadoras ou a um dos três sobrinhos, que se revezam para fazê-la companhia durante as noites:
— Quando a Folha nasceu, eu acompanhei com entusiasmo a movimentação do (jornalista) Aluysio Cardoso Barbosa naquele surgimento. Inclusive, meu pai gostava muito de ler, acompanhar as notícias, e era quem comprava a Folha todo dia. Chegava o jornal, ele lia, eu lia, todo mundo lia. E eu acompanhei entusiasmada aquele trabalho, aquela luta de uma equipe de jovens que implantou a Folha. Não só como uma leitora, mas também admirando a coragem, quase que uma ousadia de implantar um novo jornal, com uma cara nova. Vejo a Folha como quem vê uma criança que cresceu. Sempre li todo dia. Já há algum tempo, preciso de “ledores”, mas me mantenho informada. Não abro mão da Folha — assegura.
Sem filhos, Conceição tem os sobrinhos como tal. E mantém o mesmo amor pelos quatro sobrinhos-netos e pelo sobrinho-bisneto, em quem pensa ao desejar um futuro melhor para o país:
— Nasci no Brasil de Getúlio Vargas. Hoje, está difícil falar em esperança, o momento é complicado. Mas, como eu creio em Deus, tenho fé, espero que a gente consiga escolher nas eleições o que o Brasil precisa. E escolher com tranquilidade, sem emoções excessivas. Ando muito preocupada, porque não encontro nada de bonito, com conteúdo, vindo de ministros. Espero, com a ajuda de Deus, que todos nós possamos descobrir as pessoas certas para assumirem a liderança do Brasil.
Em setembro, Conceição lançou livro de memórias
Em setembro, Conceição lançou livro de memórias / Foto: Rodrigo Silveira
Cuidadora lê a Folha da Manhã para Conceição
Cuidadora lê a Folha da Manhã para Conceição / Foto: Rodrigo Silveira

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