Arthur Soffiati - Petróleo e motores
* Arthur Soffiati - Atualizado em 06/10/2021 17:24
É difícil saber em que momento tudo começou. Parece que foi quando um grupo de pessoas descobriu que as terras produziam excedentes. Mas o excedente existe em todo sistema produtivo. Precisemos: essas pessoas perceberam que era mais negócio vender esse excedente do que trabalhar na produção. Parasitar a economia dava mais dinheiro. Aqueles que estavam na produção deixaram de produzir para atender às suas necessidades e passaram a produzir para aqueles que queriam ganhar dinheiro com a venda.
O negócio deu certo, mas gerou a necessidade de sempre aumentar os lucros. A economia local era insuficiente para atender à necessidade de mais lucro. Então, foi imperioso montar uma economia mundial para garantir os ganhos. O mundial ainda não era tão mundial assim. Entendeu-se que o sistema canhestro de produção individual, familiar e pequeno fabril era insuficiente. Revolucionemos os meios de produção. Em vez de manufatura, criemos a maquinofatura. Usemos o vapor e o carvão como fontes de energia. Produzamos coisas desnecessárias à vida e convençamos as pessoas de que elas são indispensáveis.
Carvão e vapor tornaram-se insuficientes. Oba, apareceu o petróleo! Faltam agora máquinas que possam ser movidas por ele. Talvez as máquinas tenham pedido um novo combustível. Os motores movidos a derivados do petróleo substituíram os motores a vapor em barcos, locomotivas, automóveis e aviões. Mas o petróleo pode ser mais aproveitado. Ele vai nos dar muitos lucros. Podemos usá-lo como energia para gerar mais energia. Podemos usá-lo para fabricar muitos artigos que venderemos a fim de acumular mais lucros.
Afinal, essa economia serve a quem? Tradicionalmente, a produção deve servir às necessidades essenciais das pessoas. Esse tempo já passou. Agora, produziremos o essencial e o supérfluo para aumentar os lucros. Também colocaremos o desnecessário no essencial para torná-lo mais desejável. Vamos também dizer, pela propaganda, que o supérfluo é essencial. Vamos transformar o dinheiro em mercadoria que venderemos para ganhar mais dinheiro. Aos poucos, vamos criar um mundo com países que mandam e países que obedecem. Dentro de cada país, também vão se constituir grupos dominantes aos quais nos ligaremos. Eles serão nossos aliados.
Tomemos o Brasil como exemplo. Orientemos lá, com ajuda dos nossos aliados, uma economia lucrativa. A gente produz motocicletas, automóveis, caminhões, aviões. Se não for possível produzir lá, combinemos com nossos sócios uma fórmula para convencer a população de que é preciso desenvolver o país para que ele aumente o PIB. Isso. Progresso, desenvolvimento, PIB alto. Não é necessário explicar o que isso significa. Apenas nos convencer e convencer os outros de que isso é bom.
Vamos amarrar o país a uma economia mundial. Vamos subordiná-lo a ela. Esse negócio de transporte aquaviário e ferroviário não dá o mesmo dinheiro que o rodoviário e o aeroviário. Se demonstrarmos que é mais negócio centralizar a produção de modo que seja mais viável seu transporte para intermediários e consumidores finais por caminhões e aviões, tanto melhor. O governo vai investir nas rodovias e nos aeroportos, negligenciando as vias aquáticas e as ferrovias. A economia se tornou mais ágil. Barcos e trens demoram muito a transportar produtos necessários e desnecessários para portos e centros de distribuição.
Pronto. A economia nacional tornou-se dependente do petróleo, dos automóveis, dos caminhões e dos aviões. Acima de tudo, depende dos centros de comando formados por nós. Agora, tudo está em seu lugar: todos dependem dos grandes no Brasil, e o Brasil depende de nós. Caso nossa moeda flutue, a economia deles flutuará. A população é nossa refém e dos nossos sócios. Lá e em outros países.
Mas a gente não contava com a paralisação dos caminheiros que trabalham por conta própria ou são empregados de empresas de transporte no Brasil. E agora? Não há mais navios e trens. O país vai enfrentar uma grande crise. Só nós deveríamos ser espertos, mas todos querem ser espertos como nós. Todos querem se aproveitar da crise, embora a maioria leve a pior. Mas crises fazem parte do nosso sistema miraculoso e maravilhoso. Que venham as crises. Saberemos aproveitá-las para nos tornarmos mais fortes.
Há dez séculos, inventamos esse sistema e amarramos o mundo todo nele. Seus centros podem mudar. Ele pode até ser policêntrico e enfrentar severas crises. No final, saímos mais fortes. Já tentaram nos derrubar mas não conseguiram. Nós derrotamos nossos inimigos e nos fortalecemos. Não há de ser uma pequena crise numa província nossa que vai comprometer nossa pujança, nosso mundo maravilhoso e feliz. Já perdemos vários anéis mas conservamos nossos dedos. Vejam a China. Todos pensaram que ela estava perdida para nós. Ela voltou ao nosso grupo. De mais a mais, podemos comprar novos anéis. A barreira ambiental que os cientistas anunciam como perigo criado por nós deve ser balela. Nós vamos usá-la para ganhar mais dinheiro, usando a propaganda para anunciar que a respeitamos. Vamos ganhar mais dinheiro com ela.

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