Fechamento do Museu e do Arquivo não é culpa do coronavírus
14/05/2020 14:50 - Atualizado em 14/05/2020 18:35
A entrevista da presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Cristina Lima, hoje (14) na FolhaFM, repercutiu no meio cultural de Campos. Em sua maioria, negativamente. Como não poderia deixar de ser, após a prefeitura decidir suspender os contratos de toda equipe do Museu e do Arquivo Público. Reconhecido pelo próprio jornalista e âncora do programa, Aluysio Abreu Barbosa, a participação dos ouvintes e telespectadores conduziu a entrevista, que teve grande audiência, principalmente das pessoas ligadas à cultura de Campos.
Apesar de militar há bastante tempo na cultura, com contribuições inegáveis, Cristina culpou muito e solucionou pouco. A situação imposta pelo coronavírus é gravíssima e afeta a economia global. Porém é ainda mais danosa em administrações públicas que já vinham em processo de desorganização institucional e falta de inciativa em soluções para além de recursos oriundos de compensações financeiras. Não foi o covid-19 que determinou o desligamento de todos os RPA´s ou os problemas na cultura. São problemas antigos, vem se arrastando por diversos governos e não foi encarado com a devida responsabilidade pelo atual. Especificamente sobre o Arquivo e Museu, Campos foi a única a fechar esse tipo de instituição nessa crise.
A presidente da FCJOL – e responsável pela cultura no município – ofereceu como alternativa ao fechamento do Museu e do Arquivo o voluntarismo. Embora na cultura muitas ações realmente sejam voluntárias, feitas por pura paixão dos envolvidos, não é possível propor publicamente, ocupando o cargo que ocupa, essa alternativa. Os funcionários dessas instituições receberam treinamento específico (custeados com dinheiro público) e possuem conhecimento acumulado essencial para atuar nesses órgãos. Serem dispensados assim, mesmo que “temporariamente”, afeta todo trabalho desenvolvido até aqui. Pedir que eles continuassem de forma voluntária (que já vinham fazendo, pois estão com salários atrasados) ou substituí-los por voluntários sem treinamento é tão temerário quanto improvável.
Mas Cristina foi além. Disse que não era possível efetuar os pagamentos sem que os serviços estivessem sido prestados. Graziela Escocard, diretora do Museu, comentou na transmissão ao da rádio hoje: “Os RPAs estavam trabalhando sim! Estavam indo até o Museu para manutenção. Claro que nem todos!”. Rafaela Machado, diretora do Arquivo, segue em mesma linha: “A necessidade de manutenção constante e necessária do Solar e do acervo - 600 metros lineares de documentação - demonstram que os RPAS estavam trabalhando sim. Em sistema de rodízio para não colocar a segurança de ninguém em risco. Assim como o fazem Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional. Os acervos são perecíveis. Isso é fato! Não conseguimos parar as consequências desses danos se intervenções não forem feitas. Então, só para registrar que desde meados de março os RPAS do Arquivo não deixaram de trabalhar. Nem eles nem os estagiários - que desenvolviam as atividades on-line em parceria com a equipe”.
Não é hora da crítica pela crítica; é preciso propor soluções 
Na ausência de um diálogo franco e aberto — e direto — com o prefeito Rafael Diniz (única manifestação pública feita aqui) é preciso que a classe se una e proponha soluções. Imediatas e de médio prazo.
Por falta de planejamento, não foram promovidas pelo poder público parceiras com a inciativa privada, perfeitamente possíveis pelo grande interesse e relevância das instituições. De mesmo modo, não foram criadas as condições para que participassem de editais da área, sejam governamentais ou de instituições brasileiras e estrangeiras que fomentem a cultura. E mais grave: não foram direcionados servidores de carreira para esses órgãos, ou criado condições jurídicas para que os funcionários lotados nos órgãos, alguns há mais de 19 anos, fossem protegidos de desligamentos arbitrários e assim garantindo a continuidade e a manutenção necessária.
As soluções não serão simples ou rápidas. Porém a crise exige soluções imediatas. Mas, que não dependam necessariamente de voluntarismo.
Por que não direcionar servidores aos órgãos, previamente discutido e que fossem escolhidos com a participação do Conselho de Cultura e as diretoras, para que lá permaneçam até o fim da pandemia e que recebam treinamento específico para a devida manutenção?
Por que não propor junto ao Conselho de Cultura e outras entidades ligadas à cultura, um corpo técnico-deliberativo com representantes (esses sim, voluntários) que proponham soluções ao caso e ofereça treinamento à equipe provisória?
Por que não determinar à secretaria de comunicação que ofereça suporte e pessoal, sob supervisão das diretoras, para manter as valiosas atividades virtuais desenvolvidas pelo Museu e Arquivo?
Por que não procurar – institucionalmente enquanto poder público municipal – Museus e Arquivos de outros municípios para que cedam em forma de parceria, profissionais que seriam mantidos na cidade, custeado pela prefeitura, enquanto durar a pandemia, evitando o fechamento e detrimento de materiais por falta de manutenção?
Por que não propor a Câmara Municipal discussões para a criação de leis municipais que garantam o funcionamento dessas instituições e a criação ou melhoramento de fundo municipal específico para a cultura. 
Mesmo que a omissão do prefeito e dos vereadores (que apesar de ter cadeira no Conselho de Cultura, representante da Câmara compareceu apenas duas vezes, desde 2017) se justifique por não aderência à causa da cultura, devem fazê-lo por pragmatismo. Pois, como mostrou hoje a considerável participação na entrevista à FolhaFM concedida por Cristina Lima, e reproduzindo a fala do entrevistador, a cultura pode não trazer votos, mas retiram muitos.

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    Edmundo Siqueira

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