Cosme e Damião, a tradição que resiste
Paulo Renato Pinto Porto 21/09/2019 15:36 - Atualizado em 30/09/2019 14:15
  • Venda de doces cresce às vésperas do festejo

    Venda de doces cresce às vésperas do festejo

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    Venda de doces cresce às vésperas do festejo

A cada ano, no dia 27 de setembro, o ritual se repete. Em alguns bairros centrais ou da periferia, milhares de crianças povoam as ruas como formiguinhas na disputa por doces, balas e outras guloseimas oferecidas por devotos na celebração a São Cosme e Damião. A mochila, que no cotidiano a criançada usa para carregar o material escolar, nesse dia está nas costas da gurizada, mas para acomodar a maior quantidade de doces.
Pelas emissoras de rádio, locutores alertam os condutores de veículos para os cuidados especiais no dia em que a criançada gulosa e seus desejos infantis disputam espaço nas ruas com os carros atrás das delícias que são distribuídas nos diferentes pontos.
No comércio especializado, as expectativas são positivas para um bom movimento de vendas nos dias que antecedem celebração da dupla de santos.
— Nós temos uma boa expectativa. Já começamos a fazer mudanças aqui na frente da loja, expondo logo à vista do cliente os produtos mais procurados nesta época. É um período de bom aquecimento nas vendas — disse Suyane Gama, gerente da loja Ki Doces,
Suyane projetou um aumento nas vendas em torno de 30% a 50%. Entre as delícias mais procuradas pára saciar a gula da petizada, maria-mole, pirulito, mariola, geléia e pipoca, além de balas.
Na indústria, as projeções apontam para encomendas significativas, mas com foco nos grandes centros. Proprietário da Fábrica de Doces Chinesinho, de São Fidélis, Washington Luis Abreu Ferreira avalia que a tradição nas cidades menores vai se perdendo ao longo do tempo, mas nos grandes centros há uma maior legião de devotos que não deixa passar a data em branco.
— Aqui em São Fidélis, me lembro que no ano passado não vi muita movimentação de gente distribuindo doces no dia de São Cosme e São Damião. Antigamente, a criançada vivia uma expectativa enorme para a chegada desse dia, era uma febre. Mas em centros maiores, pelo que observamos de nossa clientela, há uma tradição mais forte de devotos que não deixam a data passar em branco — comentou.
Sincretismo e a inspiração de um campista
A tradição hoje perdeu um tanto da força de antes e resiste às mudanças no perfil da sociedade brasileira. Estudiosos atribuem este fenômeno à crise econômica, mas também a expansão das igrejas neopentecostais. Os gêmeos são santos católicos, mas de forte vinculação com os terreiros de Umbanda. No Candomblé e na Umbanda, Cosme e Damião são conhecidos como os orixás Ibejis e Erês, filhos de Xangô e Iansã, que incorporam nos pais-de-santo e “fazem uma verdadeira festa, dão cambalhotas e correm de um lado para o outro.
Em 2012, numa dessas igrejas, a Projeto Vida Nova, na Penha (RJ), os pastores “convidaram” meninas e meninos a entregar-lhes os saquinhos de doces que apanhavam na rua para receber outros, “abençoados por Deus”.
A temática do sincretismo religioso da dupla encontrou abrigo na inspiração do compositor campista Aluízio Machado, 80 anos, que produziu o genial samba “Falange do Erê”, gravado por Zeca Pagodinho, Martinália e Arlindo Cruz, no qual celebra os santos gêmeos, a gurizada, sua pureza e doçura, e trata da “criança” que há em cada adulto.
Graça alcançada pela fé nos santos gêmeos
Todos os anos, religiosamente, o cozinheira macaense Luiza Alves, 53 anos, dedica seu tempo para embalar sacolinhas abastecidas de balas e pirulitos, entre outras guloseimas, e distribui às crianças de seu bairro. Faz parte de uma promessa feita na década de 1990 aos santos gêmeos. Seu pai tinha um câncer e curta expectativa de vida e viveu mais 12 anos. “Mas promessa é para durar a vida toda”, garante.
São Cosme e São Damião são considerados protetores dos gêmeos e das crianças. Por isso, as pessoas criaram o costume de distribuir os doces para homenageá-los, pagar promessas e agradecer graças alcançadas.
O dia é celebrado em datas diferentes pelos católicos e devotos de religiões afro-brasileiras. Seguidores do candomblé e da umbanda festejam os santos em 27 de setembro. Já a Igreja Católica comemora no dia 26, porque o dia 27 é dedicado a São Vicente de Paulo, que morreu nesta data.

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