Violência mira jovens negros
Jane Ribeiro 14/04/2018 18:41 - Atualizado em 16/04/2018 16:59
De acordo com Atlas da Violência, a cada 100 assassinatos, 71 são de pessoas negras em todo o Brasil
De acordo com Atlas da Violência, a cada 100 assassinatos, 71 são de pessoas negras em todo o Brasil / Folha da Manhã
Campos possui uma população de 463.731 habitantes, em que 118.954 são jovens de 15 a 29 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Destes jovens, 63.039 (53%) se autodeclararam negros. Segundo um estudo realizado por uma Comissão Parlamentar de Inquerito (CPI) da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que investiga o assunto, Campos está entre as três cidades do interior onde mais se mata jovens negros. Autoridades policiais dizem que os crimes estão ligadas ao tráfico de drogas e a briga entre facções. Especialistas das comissões de igualdade racial do município estão preocupados com os dados divulgados e, para eles, a falta de políticas públicas tem agravado a situação.
Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, de acordo com informações do Atlas da Violência. A publicação também revela que os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras etnias. Segundo a presidente do Movimento Negro Unificado de Campos (MNU), Manuely Ramos, a pobreza por si só não justifica a inserção dos jovens no mundo do crime e em envolvimento com ações violentas. Ela entende que ninguém escolhe viver nas condições as quais são submetidos no mundo do crime, tampouco, escolhem morrer cedo.
— O Atlas da Violência 2017 traça um paralelo entre várias políticas públicas e chegou a conclusão de que os jovens que morrem por homicídio, por arma de fogo, são negros, pobres, com idade entre 15 e 25 anos e que moram na periferia. E o pior, não tem escolaridade. Isso é preocupante e precisamos mudar esse quadro. A estrutura da sociedade é racista e no município não há uma política pública que possa intervir nas estatísticas. O MNU vem realizando um trabalho de base, onde as pessoas precisam entender ao que é a raça negra, a posição do negro na sociedade e como se impor diante das adversidades. Estamos fazendo a nossa parte, mas é preciso que se faça um trabalho conjunto com as entidades de classes e autoridades para mudar essa estatística — informou a presidente.
O presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados (OAB) de Campos, Ricardo da Silva Barbosa Júnior, também critica a falta de investimento nas áreas periféricas. Ele ressalta que Campos está com um índice de violência acima de outras cidades do mesmo porte. “Os jovens, principalmente os negros, estão morrendo com muita facilidade, principalmente em Guarus, onde o poder público não tem chegado com as políticas públicas devidas, criando uma vulnerabilidade muito grande. É preciso que se faça um trabalho para conter isso. No Brasil, os dados se igualam a de um genocídio. Temos em torno de 60 mil assassinatos no Brasil, desses, a maioria são jovens e 77% são jovens negros. Aqui no município não está longe desses dados, a proporcionalidade está muito próximo ao restante do Brasil. Não se desenvolve um trabalho de base nesses bairros. Já fizemos vários encontros, onde esse assunto foi debatido e teve a participação da comunidade, representante do poder público, diretores de escolas e várias entidades de classe. O próximo é no mês de maio também na OAB, e terá como proposta uma medida de contenção de assassinatos de jovens — informou Ricardo.
Alerj vai realizar reuniões em cidades vulneráveis
Um estudo da Secretaria Nacional da Juventude com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a cultura (Unesco) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresentado em 2017, aponta que das 60 cidades com mais de 100 mil habitantes no país, o Estado do Rio possui dez no ranking de maior índice de vulnerabilidade à violência para jovens negros. São elas: Campos, Cabo Frio, Angra dos Reis, Queimados, Araruama, Itaguaí, Magé, Itaboraí, Maricá e Magé.
A partir das informações, a CPI da Alerj criada para investigar a morte de jovens negros e pobres, presidida pelo deputado Zaqueu Teixeira (PDT), vai realizar reuniões nesses municípios para ouvir entidades públicas e a sociedade civil sobre o assunto. O plano de trabalho do grupo foi apresentado e aprovado por unanimidade. Ainda não há data prevista para as reuniões.
— O Brasil tem mais de cinco mil municípios e dos 60 mais violentos, dez são no Rio. Os dados estão mostrando e as pessoas percebem isso no dia a dia, como no caso de Maricá, onde cinco jovens foram assassinados. Então nossas audiências regionais vão ouvir e colher dados sobre o que a comunidade local percebe e o que estão fazendo para combater essas estatísticas — explicou Zaqueu.
Para comandante mortes têm ligação com tráfico
Falta de políticas públicas para periferia é apontada como fator que aumenta crise
Falta de políticas públicas para periferia é apontada como fator que aumenta crise / Folha da Manhã
De acordo com dados da Folha da Manhã, até o fechamento desta edição, 61 pessoas foram assassinadas em Campos em 2018, sendo dez apenas no mês de abril. A maioria dos crimes aconteceu na área de Guarus, principalmente nos bairros Parque Eldorado, Parque Santa Rosa, Santa Clara e Parque Prazeres, e a maior parte das vítimas foi jovens negros. Somente na última segunda-feira, foram registrados cinco homicídios no município e todos na margem esquerda do rio Paraíba do Sul. Para o comandante do 8º Batalhão da Polícia Militar (BPM), Tenente Coronel Fabiano Silva, as crescentes mortes dos jovens estão ligadas ao tráfico de drogas e a briga pelo poder entre as facções.
— Aqui na cidade a maior parte dos jovens que são vitimados pela violência são menores, com idade entre 14 e 16 anos, estão envolvidos com o tráfico de drogas e vivem disputando a liderança, numa guerra entre facções. O que acontece foi que governos passados não levaram para esses bairros infraestrutura. A segurança local não foi ouvida quando esses bairros foram criados. Acredito que as reuniões da CPI da Alerj possam até ser validas se forem feitas de forma imparcial — disse o comandante.
Prefeitura diz que oferece alternativas
Em nota, a Prefeitura de Campos diz que “através da secretaria de Educação, Cultura e Esportes (Smece), Fundação Municipal de Esportes (FME) e Fundação Municipal da Infância e da Juventude (FMIJ), vem desenvolvendo atividades voltadas para crianças e jovens, que visam despertar habilidades em diferentes áreas, como artes, cultura e esportes. A superintendência de Igualdade Racial (Supir) também promove cursos, gratuitamente, que oferecem aos jovens a oportunidade de se capacitar, preparando-os para o mercado de trabalho. Todas estas ações são medidas que, de forma complementar, contribuem para que crianças e jovens possam ter um futuro promissor”.
Representantes de diversas secretarias e superintendências da Prefeitura de Campos se reuniram na última semana para discutir políticas públicas de igualdade racial com foco prioritário em áreas de maior concentração da população de negros. A reunião foi um desdobramento do
Segundo a superintendente da Igualdade Racial, Lúcia Talabi, foi expressa a necessidade de uma força-tarefa que una os diversos equipamentos da prefeitura para ações emergenciais nas áreas de maior vulnerabilidade social. “O encontro foi feito para que pudéssemos estreitar laços com a sociedade civil e com outras instituições. De lá, saíram diversas propostas e pudemos ver a importância dessas demandas — disse Lúcia.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS