Roxinho...Manhas e Dengos
Hélio Coelho 20/07/2017 18:54 - Atualizado em 22/07/2017 19:44
Distrito de São Martinho
Distrito de São Martinho / Folha da Manhã
Às vésperas de completar 70 anos, confesso que ainda tenho vontade de fazer algum tipo de pirraça, praticar um joguinho de chantagem emocional e às vezes até mesmo ficar com raiva e ensaiar uma inofensiva vingancinha em certas situações...
Calma, gente! Estou falando de sentimentos que afloram como expressão da criança que ainda há em mim-adulto. Nada que precise ir para o analista ou que faça as pessoas ficarem com o pé atrás cheias de cuidados para lidar comigo. Minha confissão também não autoriza ninguém a sair propalando por aí que sou um homem infantilizado e outras bobagens. Sou um homem maduro, equilibrado, sincero, transparente, às vezes temperamental, terno, professor com muita paixão após 50 anos ininterruptos na sala de aula, pai realizado, comprometido com as lutas sociais por uma nova sociedade — mais justa, fraterna e democrática —, cônscio de que tem realmente sentido a afirmação de que ser jovem não é se drogar de juventude e ser maduro é saber envelhecer.
É que hoje, mais uma vez, voltei no tempo para minha infância em São Martinho, na gloriosa Baixada Campista. São tantas lembranças, tantas histórias, tantos causos que encheriam as páginas de um interessante livro que talvez esteja começando a ser escrito hoje.... Então, vamos ao assunto.
Nasci em Mussurepe, onde moravam meus avós, e fui para São Martinho com meses e de lá vim para a cidade com 8 anos. Pelo que apurei depois, é claro, e também porque tenho a impressão de que me lembro de alguns momentos de crise, nasci com um pequenino defeito de fabricação na parte respiratória e até os 3 anos de idade deixei muita gente triste pensando que eu não iria “vingar”, quer dizer, sobreviver. Do nada eu começava a chorar e ia perdendo o folego, ficando sem ar e arroxeando, dando o maior susto em mamãe, papai, minha babá Sissi e meus irmãos. Papai, grande farmacêutico, já tinha feito de tudo, tinha me levado ao médico na cidade, e nada! Em casa, colocavam-me numa bacia com folhas e ervas, e vinha comadre de papai e rezadeira de criança, D. Fidélis, o padre do lugar me benzia e Seu Dito de Naio rezava ladainha... Eu melhorava e depois nova crise e toda aquela mobilização.
O fato é que eu passei a receber uma overdose de carinho e atenção, tornando-me uma espécie de queridinho da família, todo mundo evitando me contrariar porque se eu começasse a chorar fatalmente ficaria roxinho, roxinho, e aí vinha aquele clima de “tadinho”, “será que ele aguenta?”, “Meu Deus! Minha Nossa Senhora!”, etc. Cá pra nós, acho que acabei tirando proveito dessa situação ainda que inconscientemente. Mesmo depois de tudo, fui o xodó de minha mãe até os 16 anos, quando ela virou estrela no Céu, e também de Sissi, minha babá do colo macio, que no ano seguinte foi embora de nossa casa.
Bem, retomando a história. De susto em susto, de crise em crise, de remédio em remédio, de reza em reza e de oração em oração em oração, foi então que mamãe fez promessa pra São Martinho, Santo Amaro, Nossa Senhora e Nosso Senhor Jesus Cristo: se eu ficasse curado, ela não cortaria um fio de meus cabelos louros e cacheados que cresceriam livremente até a primeira comunhão! Acreditem: o pedido de mamãe foi atendido, eu “vinguei”, cresci alegre, saudável e estudioso, com aquela cabeleira de anjo que mais parecia uma menina. Até que um dia... quando tinha 5 ou 6 anos, um garoto gritou na rua que eu tinha “cabelo de mulhézinha”. Fiquei zangado, quase que roxo e se não fosse Sissi, eu ia brigar com ele. Por conta disso e porque queria porque queria usar uma touca do Flamengo que vi na cidade, aproveitando que papai e mamãe tinham ido para Campos, saí de casa às escondidas, com medo de apanhar depois quando voltassem, e também de ser castigado por Deus, quebrei a promessa e mandei o barbeiro Zé Barão cortar meu cabelo, melhor dizendo, raspar a cabeça sonhando com a possibilidade de usar o fascinante ornamento rubro-negro. Vocês nem podem imaginar a confusão que eu criei em São Martinho! Durante dias só se falava nisso... Prometo contar detalhes dessa história numa outra ocasião.
A bem da verdade, fiquei curado sim, mas não me descuidei. Até hoje jogo futebol, ando de bicicleta, nadei, parei de fumar, tomo banho frio, evito coisas e bebidas muito geladas, não gosto de ar condicionado, e tudo isso porque mantenho sob controle uma alergiazinha respiratória que acredito ser uma sequela dos tempos em que ficava roxinho... E agora, por último, vejam só: marmanjo, adulto, idoso, conto essa história para algumas pessoas queridas e de brincadeira (será?) eu digo: Viu? Não posso me aborrecer nem ser contrariado senão fico roxinho, sem fôlego e sem ar... Não é manha não, é que gosto muito de um dengo... Foi então que um dia, uma falou assim: Ah uma boa palmada!!!

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