Felipe Drumond: "Prisão só em situação extrema"
Hevertton Luna - Atualizado em 26/07/2025 08:20
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“Quando Moraes fez questão de ser juíz da causa, isso robustece argumentação do seu interesse”. Foi o que disse o advogado criminalista e professor Felipe Drumond, entrevistado desta sexta-feira (25) no programa Folha no Ar, da rádio Folha FM 98,3. Ele analisou as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, após as tarifas impostas ao Brasil pelos Estados Unidos. Também abordou a possibilidade de responsabilizar gestores públicos pelo corte de verbas à saúde de Campos.
Atropelo às instituições – “Não sou analista político, mas me parece que o Trump tem uma maneira, muitas vezes, muito tosca de fazer as coisas dele, de tentar negociar o seu ponto de vista. Mas realmente a pretensão daquela carta, uma carta bastante breve mas muito contundente, a pretensão daquela carta é um atropelo às instituições.”

Eduardo Bolsonaro – “Quem fez isso foi o Trump. Acaba tendo um reflexo aqui mas a gente não pode se esquecer que ele fez isso com uma intermediação muito forte do Eduardo Bolsonaro e outros mais ligados a ele nos Estados Unidos, a proximidade que ele tem com o presidente Trump. Então me parece um tiro no pé, até para os próprios interesses da família Bolsonaro.”

Exigências de Trump – “Uma conduta absolutamente extremada que de certa maneira afronta a soberania nacional, afronta as instituições do Brasil, afronta a própria figura do presidente brasileiro, gostemos dele ou não, mas como um chefe de Estado. E traz, portanto, reflexos até mesmo entre pessoas que eventualmente tinham uma proximidade maior com a direita.”

Repercussão negativa do tarifaço – “Se a direita eventualmente em um passado recente tinha a simpatia de boa parte desse grupo (classe média), ao tomar uma medida como essa, o indivíduo que tem um senso crítico, um senso de respeito às instituições, por mais que não goste deste governo ou por mais que não tenha uma preferência declarada, por mais que não seja, digamos, um apoiador nato do governo, dificilmente vai encampar essa atitude, essa manobra política norte-americana afrontosa como algo saudável.”

Resposta às tarifas – “Se nós adotarmos uma política de reciprocidade, teremos prejuízos ainda maiores do que já estamos tendo e do que serão os prejuízos se essa tarifa norte-americana foi implementada. Então é um caos econômico e, por outro lado, também para os envolvidos nessa estratégia me parece que acabou sendo também um caos político.”

Participação de Alexandre de Moraes – “Compartilho a visão de vários juristas, uma visão crítica a respeito do Moraes não se declarar impedido, não ter havido o reconhecimento do seu impedimento. E é muito comum que um dos argumentos utilizados: Olha, na verdade, o Moraes não era a vítima, que a gente chama de sujeito passivo do crime, ele não era a vítima. A vítima aqui no caso é o Estado Democrático de Direito. Porque não se tratava de um planejamento, de uma conduta para agredir, matar e etc. Moraes enquanto pessoa, mas sim enquanto ministro da Suprema Corte. Não é mentira, de fato isso é verdade, do ponto de vista do formalismo jurídico isso é verdade. Agora, usar essa justificativa para dizer que não há causa de impedimento porque ele não é a vítima direta do crime. Sob o ponto de vista da figura típica, da descrição do crime, me parece de todo absurdo.”

Suspeição de Moraes – “A ideia era ter um atentado contra a vida dele. E é impossível se imaginar que o indivíduo, nessa condição, seja absolutamente isento a isso na hora de julgar, fique absolutamente distante disso na hora de julgar. Que ele não sinta pelos acusados uma repulsa maior que qualquer outro juiz que analisasse o caso poderia eventualmente sentir.”

Interesse na causa – “Quando o Alexandre de Moraes faz questão, apesar de todas as críticas de ser o juiz da causa, de continuar à frente da relatoria do processo. Isso, para mim, só robustece a argumentação do seu interesse na causa.”

Possibilidade de prisão – “Tenho um posicionamento muito restritivo com relação a adoção de medidas cautelares penais, em especial das prisões. Ou seja, a prisão preventiva, a prisão temporária, essas prisões que não são decorrentes da condenação, a prisão no curso do processo ou a prisão no curso das investigações. Eu tenho uma visão absolutamente restritiva com relação a isso. Sob o meu ponto de vista, para resumir, essas prisões só são cabíveis em situações absolutamente extremas quando fica muito evidente que nenhuma outra medida é capaz de resguardar o processo.”

Responsabilidades de Bolsonaro
– “O Eduardo Bolsonaro foi para os Estados Unidos e declaradamente foi como intermediador dessa tentativa de interferência do Trump no judiciário brasileiro. É óbvio que o pai dele não pode responder pelas suas condutas, ainda que isso beneficie. A gente não pode ter responsabilidade, seja responsabilidade penal ou seja com relação à medida cautelar por conduta de terceiros.”

Remessa de dinheiro – “Há alguns indícios de que Bolsonaro não apenas foi beneficiário, mas que teria colaborado com isso, teria de certa maneira ajudado que isso acontecesse. Inclusive com remessa de dinheiro para o filho que estava lá exclusivamente para isso. Muito certamente ele dirá que a remessa de dinheiro foi para ajudar o filho já que o filho está lá e que não teria nenhuma relação com o que o filho tenta fazer lá ou já está fazendo.”

Ida de Eduardo aos EUA – “Me parece, segundo o que é possível constatar das decisões e o que a imprensa tem noticiado, me parece que há indícios muito fortes de que o Jair Bolsonaro teria colaborado com isso. Partindo da premissa de que isso seja verdadeiro, não dá para não reconhecer que a jurisprudência brasileira largamente admite prisão preventiva nesses casos.”

Opção de Moraes – “Ele não prendeu, mas vem o grande problema. Acho que é difícil se compreender isso, eu vou tentar ser bastante claro. Mas eu acho que se ele prendesse, haveria mais fundamento jurídico para justificar isso do que os fundamentos jurídicos que ele utiliza para as medidas cautelares que ele decretou.”

Proibição de entrevistas – “Então, quer dizer, ele solto não poder dar entrevista e a emenda fica pior do que o soneto porque ele vai para consertar a decisão e diz, numa decisão de ontem, se eu não me engano, que ele diz não é o presidente Jair Bolsonaro e não está proibido de dar entrevista.”

Proibição de redes sociais – “Ele não pode fazer é utilizar redes sociais que também é um absurdo, porque a acusação existente tanto no processo do golpe quanto neste inquérito que está investigando o Eduardo Bolsonaro não diz respeito a atos praticados pelas redes sociais.”

Medidas cautelares – “Essas cautelares, para mim, foram muito mais absurdas que qualquer eventual prisão. Porque restringe, claramente, sem nenhum fundamento, um direito fundamental do acusado, que é o seu direito de se expressar livremente, especialmente em sua defesa, dizer aquilo que ele acha, por mais improcedentes que possam ser suas alegações.”

Luiz Fux contra a tornozeleira – “Apesar de concordar com esse posicionamento do Fux, ele muito me surpreendeu, e não apenas a mim. Surpreendeu a muitos juristas, muitos advogados, muitas pessoas que acompanham os processos criminais junto ao Supremo Tribunal Federal. Porque o Fux não é um ministro que tenha um perfil que popularmente se chama de garantista. O Fux é um ministro duro.”

Jurisprudência – “A gente precisa entender também que o Supremo, ele age como uma referência para todo o poder judiciário brasileiro. Então imagine vocês se os juízes se inspirarem nessas decisões e começarem a impor o silêncio a todo e qualquer acusado que eventualmente possa angariar um público grande nas suas redes sociais. Chegar e dizer, não, você não pode se manifestar nas suas redes sociais, não pode criticar. Então o sujeito vai preso, é solto, ou está respondendo a um processo e ele não pode ter a sua voz, falar para o seu público. Seja uma pessoa que alcance milhares, centenas de milhares, ou que alcance só meia dúzia de pessoas, não importa. Mas ele precisa ter o direito de falar, se expressar, se defender nos autos do processo e fora do processo também. Isso pra mim é bastante temerário, porque não se trata apenas do Bolsonaro, se trata de um direito constitucional fundamental à democracia e que pode ter um efeito cascata em todo o poder judiciário.”

Papel das instituições – “Acho que você fez uma menção muito importante enquanto você fazia a sua explanação e fazia esse apanhado histórico, bastante importante para a gente compreender todo esse imbróglio, que foi mencionar o papel das instituições. E aí realmente há uma correlação muito grande entre esse problema que vivemos aqui e o problema que a gente hoje vai tratar também a respeito de toda essa confusão política da interferência de um Estado estrangeiro, dos Estados Unidos, da questão do julgamento no STF. E essa correlação do papel de instituições é muito importante.”

Falta de compreensão – “De certa maneira ainda temos um problema muito grave que é a falta de compreensão do papel das instituições enquanto órgãos de Estado isentos. E isso me parece que se torna ainda mais delicado e mais difícil quando esses órgãos estão administrados por políticos.”

Pessoalização – “O que a gente vê na prática é uma pessoalização muito grande da gestão pública. E muitas vezes essa pessoalização da gestão pública acaba por trazer consequências que podem ser muito graves ou que por vezes, até em outros casos, trazem resultados muito lesivos. Não se trata aqui apenas de uma obediência à Constituição, porque a Constituição, entre os princípios da administração pública, diz que é preciso haver impessoalidade.”

Prejuízo à população – “O indivíduo, o gestor público, seja ele político ou não, não pode confundir a sua gestão com as suas questões pessoais. Mas aqui eu estou colocando essa questão para além dessa formalidade de se obedecer à impessoalidade para não favorecer a fulano ou a beltrano. Acho que o que a gente traz aqui é um problema que vai além disso. Não se trata meramente de favorecimento a este grupo ou àquele grupo político, a este político ou àquele político, e sim ao prejuízo à população e à coletividade como um todo.”

Ação do Ministério Público – “O que eu pude compreender é que não foi necessário sequer uma ação contundente do Ministério Público em termos de tomar determinadas providências que levassem as sanções a este ou aquele político, a este ou aquele gestor. Mas a sua interferência acaba sendo muito salutar e talvez decisiva para todo esse problema. A interferência do Ministério Público acaba sendo exatamente para chamar à realidade esses atores e dizer, olha, nós estamos tratando aqui da coisa pública, do interesse público. De fato, todos nós sabemos que Campos é uma referência, é um polo regional de atendimento na área de saúde e por conta disso a precariedade da saúde, a falta de recursos aqui para as instituições hospitalares de Campos para os órgãos de saúde de Campos acaba afetando não apenas a população de Campos mas toda a população do entorno dos outros municípios que dependem do atendimento que aqui é prestado.”

Punição pelos cortes na Saúde – “Então é muito difícil, de maneira geral, nós falarmos aqui sobre uma possibilidade de prática criminosa nessas condutas sem a gente conseguir examinar o caso em concreto, especificamente. Mas existem outras possibilidades, existem possibilidades de ilícitos civis, possibilidades de ilícitos administrativos, que evidentemente não vão ter sanções criminais, mas são possíveis de acontecer.”

Responsabilização de Estados e municípios – “Criminalmente nós não temos como responsabilizar o Estado ou o município. Aliás, no direito brasileiro, pessoas jurídicas, via de regra, nesse caso quando a gente está falando estado e município, nós estamos falando pessoas jurídicas de direito público. Mas no Brasil, via de regra, pessoas jurídicas não têm responsabilidade criminal. A única exceção que nós temos é para o caso de crimes ambientais.”

Responsabilização de políticos – “Então aqui no Brasil essas pessoas elas sim podem ser eventualmente responsabilizadas no âmbito criminal, mas se houver a prática de crime e geralmente nesses casos são crimes dolosos. E aí realmente nesse aspecto com relação à ausência de atendimento de saúde é bastante difícil, especialmente por falta de recursos, é bastante difícil que a gente consiga vislumbrar claramente ali a ocorrência de um crime que pudesse ser imposto a qualquer desses agentes.”

Barreira prática – “Não dá para tirar do magistrado a sua necessidade de determinar a internação de quem precisa de vaga. O grande problema aqui que a gente está comentando é exatamente não se poder impor alguma consequência criminal àquele agente público, diretor de hospital, gestor de vagas, quem quer que seja, o próprio médico, não se impor a ele uma consequência criminal se ele não tiver como atender aquela determinação.”

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