Tribunais de Contas com autonomia para julgar prefeitos
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) atribuiu aos Tribunais de Contas Estaduais a competência para julgar prefeitos que atuem como ordenadores de despesas. Na prática, multas aplicadas pelos TCEs aos prefeitos por despesas irregulares não precisam passar pelas Câmaras de Vereadores, como acontecia antes. Já punições eleitorais como inelegibilidade seguem precisando de aprovação do Legislativo. Para explicar a decisão, a Folha ouviu juristas com experiência em Procuradorias dos poderes Executivo e Legislativo, como Roberto Landes, Gabriel Rangel e José Paes Neto.
Com a decisão do STF, os Tribunais de Contas passam a ter exclusividade no julgamento de contas de prefeitos que atuem como ordenadores de despesas como, por exemplo, aqueles que assinam contratos licitatórios. Antes, o entendimento dos Tribunais precisava ser validado ou pelas Câmaras Municipais. Já o julgamento das contas de governo pelos Tribunais, que avaliam a aplicação dos recursos nas políticas públicas, seguem precisando da confirmação dos Legislativos.
O advogado Roberto Landes, ex-procurador do município de Campos e atualmente assessor da Procuradoria da Câmara de Vereadores, explicou a decisão do STF. “O que se julga aqui é a regularidade da despesa que o prefeito eventualmente efetuou. Se essa despesa é irregular, o prefeito vai sofrer multa, se teve dano ao erário vai ter que devolver o recurso. E essa decisão do Tribunal de Contas já vai valer, independente da Câmara confirmar ou não”, afirmou.
Segundo Roberto Landes, a mudança pode impactar mais os municípios menores, onde frequentemente prefeitos atuam como ordenadores de despesas. Em Campos, por exemplo, os secretários cumprem essa função.
“Geralmente nos municípios menores é o próprio prefeito quem ordena as despesas. Embora em alguns municípios houve notícia, agora, por exemplo, que Rio das Ostras fez um ato delegando essa ordenação de despesas aos secretários. Mas Brasil afora, os municípios menores, é o prefeito que ordena as despesas. Então, acaba valendo para os municípios menores pela prática usual”, explicou Landes.
Para o advogado Gabriel Rangel, procurador do município de São Fidélis e doutorando em direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o ponto central da decisão do STF é a distinção entre contas de governo e de gestão. As contas de governo estão relacionadas à execução orçamentária geral e à implementação de políticas públicas e as de gestão aos atos administrativos de ordenação de despesa praticados pelo chefe do Executivo.
Gabriel Rangel explicou quais atribuições ficam, após o julgamento, com os Tribunais e quais com os Legislativos municipais.
“Compete aos Tribunais de Contas julgar as contas de gestão dos Prefeitos. O julgamento pelo Tribunal de Contas se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da seara eleitoral e a Câmara Municipal permanece com competência exclusiva para julgar as contas dos Prefeitos para efeitos de inelegibilidade”, afirmou o advogado, que integra a Escola Paulista de Contas Públicas (EPCP).
José Paes Neto, advogado especialista em direito eleitoral e político e ex-procurador do município de Campos, alerta para os impactos na gestão pública municipal, principalmente quando está em pauta a movimentação direta de recursos pelo prefeito.
“Para os prefeitos, isso significa que aumenta a necessidade de cuidado técnico e jurídico em cada ato administrativo. Não há mais um ‘último filtro político’ para corrigir ou suavizar decisões do TCE. Já para os vereadores, é uma mudança de paradigma: eles mantêm o julgamento das contas de governo, mas não podem mais interferir nas decisões técnicas sobre contas de gestão”, falou José Paes.
José Paes Neto destacou que o principal ponto é que no julgamento das contas de gestão, onde os prefeitos movimentam diretamente os recursos, a palavra final passou a ser dos Tribunais de Contas e não das Câmaras.