Gabriel Torres
20/02/2025 17:37 - Atualizado em 21/02/2025 16:56
Ex-presidente Jair Bolsonaro
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Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou na última terça-feira (18) o ex-presidente Jair Bolsonaro por crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado em 2022, antes que Lula, eleito em outubro daquele ano, tomasse posse. A partir de agora, se a denúncia for aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro se tornará réu e passará a responder a um processo penal no tribunal. Ao todo, são 34 denunciados, incluindo o ex-ministro da defesa general Braga Netto e o ajudante de ordens Mauro Cid. Para elucidar a denúncia e o seu andamento, a equipe de reportagem ouviu os juristas Felipe Drumond, Ralph Manhães, Geraldo Machado, Gabriel Rangel e Alex Ribeiro Cabral, além do estrategista político Orlando Thomé. Eles comentaram a solidez da denúncia, a participação do ministro Alexandre de Moraes, o respeito ao processo legal e o período que o processo deve durar.
Bolsonaro foi denunciado pelos crimes de liderança de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da união; e deterioração de patrimônio tombado. Além disso, a PGR afirmou que Bolsonaro foi o líder da organização que tentou derrubar a democracia no Brasil.
Com a apresentação da denúncia, o relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Alexandre de Moraes, estipula o prazo de 15 dias para os advogados apresentarem defesa e eventuais contestações. Se houver contestações a trechos da denúncia, Moraes abrirá vista à PGR para responder os questionamentos. Depois, a denúncia volta ao STF e Moraes avaliará a acusação e os argumentos da defesa. Não há prazo para a análise. Quando o caso estiver pronto para julgamento, o ministro vai liberar a denúncia para análise da Primeira Turma do STF, que julgará o caso e decidirá se transformará os denunciados em réus ou não.
O advogado criminalista e professor Felipe Drumond comentou a denúncia da PGR contra Bolsonaro. Para ele, não parece haver impasse quanto ao aceite da denúncia pelo STF."Ao que tudo indica, parece bastante evidente que a denúncia será recebida pelo STF e Bolsonaro e os demais serão réus. Isso porque a denúncia está muito bem construída e o PGR conseguiu fazer uma construção de fatos muito sólida, com uma sucessão de eventos bem inter-relacionados", comentou.
Felipe Drumond destacou que considera inadequada a participação do ministro Alexandre de Moraes no julgamento, e ainda como relator. Ele lembra o interesse de Moraes na causa, já que vieram à tona planos para matá-lo."Eu destacaria dois pontos principais nesse caso, para além da incompetência do STF para julgar o caso: o ministro Alexandre de Moraes deveria se declarar suspeito e não participar do julgamento, tendo em vista que parece ser clara a sua parcialidade, seu interesse na causa (haja vista a acusação de planos para matá-lo) e sua relação conflituosa com Bolsonaro. Participar do julgamento já seria absurdo. Ser relator do caso é ainda mais inadequado", criticou o advogado.
O período que o processo levará para ser julgado foi outro ponto abordado por Drumond."Um processo com essa complexidade dificilmente levaria menos de 2 anos para ser julgado, mas não se pode prever esse tempo. Tratando-se do julgamento do ex-presidente, é possível que o STF priorize seu julgamento para que seja encerrado em tempo menor", analisou Felipe Drumond.
Para o juiz campista Ralph Manhães, é preciso verificar se a tentativa de golpe teve atos na prática. Ele frisou que qualquer análise sem ver as provas é prematura."Tem que ter muita calma. Acho que qualquer manifestação é precipitada. Não se têm os autos, não se tem a prova, tem que saber se tem, se tem atos efetivamente de execução de golpe, aquilo que exige para se fazer um golpe realmente, tudo orgânico, esquematizado, com estrutura efetivamente, começou atos para tentar derrubar o governo. Não a simples atos de cogitação, que isso não tem qualquer relevância jurídica no meu ver", disse o magistrado.
Ralph Manhães que devem ser seguidas todas as etapas do processo, desde a ampla defesa até o veredito final."Nós consagramos o princípio aqui no direito brasileiro da presunção de inocência. Então, não é porque uma pessoa foi denunciada, que a pessoa já se considera condenada, que aquilo ocorreu e tudo mais. Existe todo um processo a ser perseguido, prova de ambas as partes e verificação de todo o processo. O que a gente chama de devido processo legal, princípio da ampla defesa, do contraditório, para se chegar ao veredito final", afirmou.
Geraldo Machado, advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campos, fez um paralelo entre a Operação Lava Jato e a denúncia contra Bolsonaro.”Vamos fazer um paralelo entre Lava jato e a denúncia. Primeiro, a Lava jato foi uma operação deflagrada com juiz de primeira instância no foro de Curitiba. Ao argumento de que os altos poderes federais e os empresários estavam saqueando o patrimônio público. Então, o juízo competente. A primeira razão para invalidar tudo aquilo que aconteceu é a incompetência do juízo de Curitiba. A descoberta do conluio entre promotor e juiz, ferindo o contraditório e tudo mais. Depois, a descoberta que Léo Pinheiro foi coagido a delatar uma coisa que pode ter ocorrido, pode não ter ocorrido”, falou.
Geraldo aponta que Bolsonaro deve ter o amplo direito de defesa. Segundo ele, o presidente Lula não teve esse direito respeitado durante a Operação Lava Jato.”Agora, o que está acontecendo neste momento. A denúncia foi oferecida por quem? Oferecida pelo procurador-geral da República. Quem é o procurador-geral da República? A entidade máxima do Ministério Público. Ao Ministério Público compete fiscalizar a lei e onde houver delito, onde houver infringência da letra da lei, atuar, pedir a ação penal. Ação penal essa em que o direito de defesa é o mais amplo e irrestrito, que não aconteceu com o senhor Luiz Inácio. O Bolsonaro tem o prazo para alegar tudo que ele tiver que alegar, mas terá que provar”, finalizou Geraldo Machado.
O advogado Gabriel Rangel, mestre em direito público e procurador do município de São Fidélis, analisa a denúncia e as possíveis estratégias da defesa de Bolsonaro e dos demais denunciados.”A denúncia se baseia em provas extraídas de celulares de envolvidos, documentos apreendidos e depoimentos, inclusive de delatores. O STF tem reconhecido a validade de provas digitais e delações premiadas quando corroboradas por outros elementos. Contudo, a acusação precisa demonstrar que Bolsonaro não apenas tomou conhecimento das ações, mas exerceu o “domínio final do fato” e era a liderança sobre a suposta organização criminosa. Por sua vez, a defesa poderá explorar eventuais lacunas na cadeia probatória, ou alegar que o ex-presidente não tinha controle sobre todas as iniciativas golpistas”, comentou Gabriel.
Rangel fez uma estimativa sobre o período de julgamento do processo, que deve chegar até 2026.”A evolução do caso dependerá do ambiente político e jurídico, mas, diante da robustez da denúncia e do contexto de repressão a atos antidemocráticos, há elevada chance de condenações. Em relação ao período do julgamento, a tendência é que o recebimento da denúncia ocorra em abril e o julgamento final até 2026. Porém, não se pode relegar ao oblívio que o andamento processual terá o condão de influenciar o processo eleitoral de 2026”, disse.
Para o advogado Alex Ribeiro Cabral, professor da Universidade Estácio de Sá, o fato do procurador Paulo Gonet ter listado apenas seis testemunhas indica a existência de provas documentais robustas."Não há dúvida de que essa denúncia será recebida. Até porque o grau de exigência probatório é menor que o grau de exigência para condenação. E, sem querer antecipar, o próprio procurador-geral da República poderia arrolar por exemplo muito mais testemunhas. Mas ele arrolou seis testemunhas inicialmente, que para um processo dessa envergadura é pouco. Porque ele considera que já tem muita coisa comprovada documentalmente", disse em entrevista ao programa Folha no Ar, da rádio Folha FM, nesta sexta-feira (21).
Na discussão sobre a participação do ministro Alexandre de Moraes no caso, Alex Ribeiro Cabral analisou as duas possibilidades, a permanência ou a saída do processo."Há aqueles que defendem que, pelo fato de se ter criado um embate muito evidente entre o Bolsonaro e o Alexandre de Moraes, ele Alexandre de Moraes deveria se declarar suspeito. Porque qualquer juiz pode se declarar suspeito levantando questões de foro íntimo. Caso ele não se declare suspeito, as partes podem pedir a suspeição, por considerar que o juiz é inimigo de uma das partes. Há outras opiniões que dizem que não, que o Alexandre de Moraes não deveria se declarar suspeito porque na verdade ele vem sendo constantemente provocado para tal. E também há previsão legal de que o juiz não deve se declarar suspeito quando percebe que há uma provocação proposital da parte no sentido de torná-lo suspeito", explicou o advogado.
Orlando Thomé, articulista do jornal Correio Braziliense, comenta que uma possível revisão de decisão sobre Bolsonaro gera insegurança na sociedade."O receio de mais adiante uma decisão que condene o Bolsonaro agora seja revista por uma outra composição do Supremo ou numa outra conjuntura política. Essa insegurança que gera, insegurança jurídica mas nesse caso política, e a visão disso na sociedade. As pessoas têmmedo. Insistoque, na minha avaliação, não de jurista, mas política, acho difícil o Bolsonaro não ser condenado nesse processo. Se vai ser preso ou não, não sei. Acho que não reverte a inelegibilidade", falou Orlando em entrevista ao programa Folha no Ar, da rádio Folha FM, nesta sexta-feira (21).
Orlando também fez uma projeção do impacto político da denúncia contra Bolsonaro, analisando o comportamento de seus apoiadores."O que vai marcar esse debate? De um lado, os apoiadores do ex-presidente, eles vão tentar, como já vem fazendo, lincar dois elementos: de um lado um perspectiva de perseguição e de vitimização. Então, o ex-presidente é perseguido porque ele já foi roubado na eleição. E de outro lado, aproveitar a situação de desgaste político do atual presidente, que está num momento de fragilidade no seu apoio, e não é pouca", afirmou.