Felipe Fernandes - Entre o belo e o grotesco
*Felipe Fernandes - Atualizado em 26/11/2025 07:46
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Filme: Frankenstein - Considerada por muitos como a primeira ficção científica da história, Frankenstein foi escrito pela britânica Marry Shelley e publicado no ano de 1818, quando ela tinha apenas 19 anos. O livro se tornou um clássico da literatura mundial, sendo muito influente na literatura e na cultura ocidental, influência que cresceu com o advento do cinema, tendo sua versão mais famosa lançada em 1931, em um filme que consolidou de vez a figura da criatura no imaginário popular, fazendo do livro uma das obras mais adaptadas para a sétima arte, além de constantemente referenciada em todo o tipo de situação. É o tipo de história que mesmo que você nunca tenha lido o livro ou assistido algumas das várias adaptações, você vai reconhecer algumas de suas referências.

Eu confesso que adoro o livro e sou aficionado pela história, talvez por isso, sempre eu lia ou via uma entrevista do cineasta mexicano Guillermo Del Toro falando de seus sonho de criança em levar as telas sua versão da obra, eu ficasse tão animado. Além da paixão pelo material original, as características do cinema de Del Toro, que começou no cinema de horror e sempre soube misturar muito bem horror com fantasia, me fizeram acreditar que um filme dirigido por ele, tinha potencial para ser uma das grandes versões do livro lançado a mais de 200 anos.

Escrito pelo próprio cineasta, o longa abre com uma estrutura similar ao material original, mas posteriormente se divide entre dois capítulos, um narrado pelo cientista Victor Frankenstein (Oscar Isaac) e outro pela criatura (Jacob Elordi). Me chamou a atenção como Del Toro reforça a ligação do protagonista ainda criança com seu pai. A ligação afetiva com a mãe é um dos pontos cruciais da obra e está diretamente ligada com a obsessão do personagem de lutar contra a morte. Já seu relacionamento com o pai ganha espaço, o pai de Victor é retratado como uma figura rígida, controladora e emocionalmente abusiva, que força o filho a seguir seu caminho na profissão de médico, algo que vai ganhar consequências posteriores na história e na relação de Victor com sua criação.

A criação do monstro é retratada em uma parte considerável da história. Provavelmente na busca por uma espécie de realismo, um mal do cinema mainstream moderno, o filme busca explicar toda a situação. Victor deixa de ter um mentor científico e passa a ter um investidor, um personagem original interpretado por Christopher Waltz, que é um magnata armamentista que vê no experimento de Victor uma oportunidade e passa a financiá-lo. É da interação entre eles que surgem as explicações, buscando uma espécie de validação científica.

Nessa mistura de horror com fantasia, Del Toro deixa de lado o aspecto grotesco da obra e aposta em um visual mais estilizado, ainda que os elementos góticos estejam presentes, todo o processo da criação do monstro acontece em um cenário bonito, com objetos simbólicos, é tudo muito grandioso, com cores intensas, quebrando a sensação degradante do experimento. Estamos falando da construção de uma criatura que é formada pela mistura de diferentes corpos. É uma criatura que deveria ser toda retalhada, em um experimento que desafia as leis naturais, quesitos que ficam em segundo plano em função de uma beleza estética que me pareceu estranha, esvaziando emocionalmente um momento muito marcante da narrativa.

Essas características também estão presentes no visual da criatura. Como mencionei, o monstro é uma criatura assustadora, que sua mera imagem causa desconforto e repulsa a quem o encontra. Ao menos deveria ser assim. A nova versão do monstro passa longe dessa descrição. O personagem interpretado por Elordi parece um boneco anatômico estilizado. Um personagem de visual muito pobre, vindo de um autor reconhecido por sua criatividade visual, é uma escolha que surpreende negativamente. É um monstro de corpo simétrico, expressivo, sem falar em outras mudanças, que deixam o personagens com características sobre humanas, que também contribuem para o enfraquecimento dramático do personagem.

Um ponto positivo, é a relação de Victor com a criatura, algo bem explorado pelo filme, que resgata elementos da relação abusiva de Victor com o pai para mais que justificar, mas esclarecer a forma como o personagem lida com sua criação. Todos os cuidados que Victor precisa ter com o monstro, passando pelo processo de aprendizagem, são características de uma relação entre pai e filho e Victor nunca vê a criatura dessa forma. Ela é o resultado de um experimento que foi bem sucedido. Victor queria criar vida através da morte e ele consegue, o que fazer com essa vida depois, não é algo que fazia parte do plano.

Outra personagem que sofre muitas alterações e perde espaço é Elizabeth (Mia Goth). Aqui ela se torna o foco do amor impossível para criador e criatura, mas diferente de Victor, ela não tem interesse pela morte. Ela vê beleza na vida. Por isso seu encantamento com a criatura e com toda sua ingenuidade e pureza. É uma personagem com mais personalidade que no material original, porém, com menos relevância para a trama.

O filme tem um sério problema de ritmo. Se a construção da criatura e até mesmo sua parte de aprendizado na fazenda, que é o grande ponto fraco do livro e de todas as adaptações que eu vi e aqui não é diferente, após um determinado despertar da criatura, o filme fica corrido. Toda a parte final da história é apressada, o que torna difícil aceitar determinadas decisões narrativas.

Acredito que a decisão de tornar o monstro mais bonito e expressivo, tenha haver com o fato de Del Toro buscar construir uma versão que busque por sentimentos diferentes e eu particularmente respeito isso. Ele busca pela construção de uma criatura mais emocionalmente complexa, que busca mais que vingança por seu criador. O horror filosófico dá lugar a um drama existencial que está presente no cerne da história, mas aqui aponta para um lado sentimental que soa contraditório com muito do que acompanhamos até ali.

Frankenstein é uma grande tragédia em sua essência e se muito dela vêm do sentimento de solidão perante ao mundo, para Del Toro esse abandono está presente no abandono emocional. O desfecho aqui traz sensações conflitantes, sentimentos de reconciliação e aceitação, de um monstro que insiste em escolher a vida, mesmo após conhecer o pior lado da humanidade. É um final emotivo, de esperança, quase um novo renascimento.

O caminho escolhido por Del Toro, de um cineasta que escolheu olhar uma história sombria sobre um prisma mais leve. Essa humanização de monstros é recorrente no cinema do diretor, que aqui foi mais fiel a suas convicções que a obra original, uma decisão coerente e admirável, que para o bem ou para o mal, traz um diferencial para a adaptação.

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