Edgar Viana de Andrade - Temores
No passado, os filmes eram anunciados e entravam em cartaz. Alguns eram lançados com atraso de meses e até anos. Hoje, ainda existe demora para um filme chegar ao Brasil. Mas, no geral, o tempo cronológico não existe mais. DVDs e plataformas de streaming tornaram quase todos os filmes nossos contemporâneos. “Tartufo”, de F.W. Murnau, lançado em 1925, pode ser visto hoje como se tivesse sido lançado recentemente.
Com base nesse simultaneísmo e na falta de filmes interessantes em cartaz, comento “O farol”, lançado em 2019. Seu diretor, Robert Eggers, recebeu muitos elogios pelo roteiro e direção de “A bruxa”, em 2015. A pouca reflexão levou a crítica a enquadrar o filme no gênero “Terror”. Uma observação atenta pode nos levar à conclusão de que se trata de um documentário sobre os primeiros colonos do que seriam os Estados Unidos.
Trazendo da Europa uma concepção religiosa fundamentalista e cheia de temores, o mundo das florestas e dos povos nativos estimulou o medo. “A bruxa” versa mais sobre esses temores do que a realidade. Parece que a adolescente de uma família cristã protestante não mata sua família e se torna bruxa no meio da floresta. Paira, isto sim, o medo dos imaginários fantasmas que povoam a floresta. A classificação no gênero “terror” é uma simplificação.
O mesmo acontece com “O farol”. O filme é ambientado numa ilha da Nova Inglaterra no ano de 1890. O onipresente Willen Dafoe faz o papel de faroleiro e Robert Patinson o de seu auxiliar. A filmagem foi feita em sépia para acentuar o clima de solidão. Imaginemos dois homens isolados numa ilha para manter um farol funcionando. Não é a primeira vez que uma ilha deserta com um farol aparece no cinema. O isolamento de dois homens por muito tempo pode levar ao homossexualismo ou a visões.
Em nenhum momento percebi qualquer sinal de uma ilha mal assombrada. A solidão prolongada numa floresta ou numa ilha produz efeitos psicológicos surpreendentes. Aves podem parecer monstros. Mulheres podem parecer bruxas ou sereias.
Celebrado com os dois filmes. Robert Eggers não mostra, em “O farol”, a mesma força revelada em “A bruxa”. Ele dirigiu também “Bosques escuros” (2021), “O nórdico” (2022) e “Nosferatu” (2024). Não tive oportunidade de assistir a estes filmes para verificar que o diretor trabalha mais com o medo do que com o sobrenatural propriamente.
*Crítico de cinema