*Felipe Fernandes
- Atualizado em 20/08/2025 07:49
Reprodução
Filme: A hora do mal - Narrado a partir de uma história contada por uma criança que poderia ter um tom de fábula ou uma lenda urbana, mas que ela esclarece ser real (dentro daquele universo), o novo filme do diretor e roteirista Zach Cregger parte de uma premissa bem instigante, partindo do ponto em que todas as crianças de uma mesma turma desaparecem em uma única noite, com exceção de uma delas. Mas o ponto principal, é que as crianças simplesmente saíram de casa por conta própria e ao mesmo tempo. É o tipo de situação que mexe com toda a comunidade e vai afetar de diferentes formas as famílias e toda a comunidade escolar.
O filme tem uma estrutura narrativa interessante, que conta a história como que por capítulos e cada um deles acompanha um determinado personagem. Não são diferentes pontos de vista do mesmo momento, mas sim histórias que acontecem em paralelo e que se cruzam em determinados momentos. Não chega a ser algo inovador ou original, mas é bem interessante quando bem realizado e aqui funciona para aumentar o suspense, já que cada capítulo geralmente encerra em um ponto de tensão, quase como que deixando uma espécie de gancho para o restante do andamento da história.
Essa estrutura fragmentada representa o estado mental daquela comunidade, com memórias confusas, versões contraditórias e sentimentos aflorados, já que o trauma raramente é vivido de forma linear. Além, é claro, de dividir a história entre vários protagonistas, enaltecendo o senso de comunidade. Outro fator importante é a quebra na confiança da narrativa. O espectador é constantemente forçado a se questionar sobre a veracidade de tudo o que é apresentado.
É interessante que a história parte de um determinado ponto e vai se expandindo, ainda que cada capítulo aconteça de forma simultânea, mas não necessariamente no mesmo espaço de tempo, podendo começar antes do capítulo anterior e terminar em um ponto posterior a ele. A própria escolha dos personagens foge um pouco do convencional. Nem todos estão diretamente ligados às crianças desaparecidas, mas ao conviver na mesma cidade, acabam se envolvendo com o mistério.
Assim como o longa anterior do diretor, o filme mistura suspense, terror psicológico e aqui, elementos sobrenaturais, para trabalhar uma alegoria. Se no irregular ´´Noites Brutais`` a alegoria era sobre a violência contra a mulher e o silêncio de uma sociedade patriarcal, aqui a alegoria é mais sutil, mas remete aos atentados em escolas, que acontecem de forma mais recorrente nos Estados Unidos. O próprio título original (weapons), remete a essa alegoria e os efeitos do ocorrido, mais a falta de sentido dele, dialoga diretamente com a situação.
O filme traz diversas referências, essa estrutura lembra muito Magnólia de Paul Thomas Anderson, por outro lado, essa história de terror urbano, que envolve crianças e mexe com uma comunidade, lembra muito diversas histórias narradas por Stephen King. Não por acaso, o título nacional ´´A hora do mal`, me parece uma espécie de homenagem/referência aos livros mais antigos do autor, que aqui no Brasil saíram como ´´A hora do vampiro, ´´A hora do lobisomen` e ´´A hora da zona morta``, só pra citar os que me vêm à cabeça.
O desaparecimento de crianças gera um trauma coletivo, pois além de antinatural, afeta diretamente o conceito de futuro de qualquer comunidade, além é claro da questão da segurança. Tudo é mais pesado quando relacionado a crianças e as respostas para o ocorrido, além da sequência final, que traz um humor inesperado e talvez por isso, muito surpreendente, se encaixam muito bem com tudo o que foi apresentado.
A hora do mal é sem dúvidas um dos grandes filmes do ano. É uma obra com uma premissa que instiga e apresenta respostas satisfatórias, através de uma narrativa fragmentada, que mistura gêneros, sem se mostrar dependente de suas convenções, construindo um quebra-cabeças interessante enquanto brinca com as percepções do espectador. Um filme sobre traumas coletivos, individuais, que se misturam, explorando os limites dos absurdos de uma vida em sociedade, se utilizando do sobrenatural para traçar um comentário sobre o real. Puro cinema de terror.