Julio Cezar Pinheiro de Oliveira
- Atualizado em 01/10/2025 16:36
Comunidade da Margem da Linha, em Campos dos Goytacazes
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Caterine Reginensi, 2017
O tema da adaptação das nossas cidades às mudanças climáticas vem sendo bastante abordado em pesquisas e trabalhos acadêmicos. Em agosto, tive a oportunidade de participar da banca examinadora da dissertação de mestrado em Políticas Sociais de Débora Rodrigues, orientada pelo professor Marcos Pedlowski, da Uenf, sobre potencialidades e entraves para realizar o processo de adaptação climática em Campos. E muito em breve, dia 30 de outubro, teremos, também na Uenf, a oficina local do projeto nacional “Instrumentos de Política Urbana na perspectiva da Adaptação Climática”, promovida pelo INCT Observatório das Metrópoles em parceria com o Ministério das Cidades.
Embora este seja um tema amplamente relevante, percebe-se uma profunda desconexão, por parte dos agentes públicos, com a compreensão de que os eventos climáticos extremos (como enchentes e secas severas) irão intensificar problemas estruturais já existentes e criar novos. Um dado do trabalho de Débora Rodrigues, cuja leitura recomendo fortemente, chama a atenção. Segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades Brasileiras, a pontuação atribuída a Campos dos Goytacazes com referência aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) criados pela ONU foi de 51 (em uma escala que vai de 0 até 100). Não destoa da média fluminense nem da brasileira, mas, no contexto dos repasses de royalties e participações especiais — foram R$ 725 milhões em 2024 — isso não deve servir de consolo. É particularmente preocupante o baixo nível dos investimentos per capita em infraestrutura urbana, expressos no Objetivo 9 — “Indústria, Inovação e Infraestrutura”.
Um destaque positivo se refere ao ODS 13, sobre políticas de preparação das cidades para as mudanças climáticas. Neste quesito, o desempenho de Campos atinge 83 pontos, refletindo a boa avaliação no item específico “proporção de domicílios em área de risco” (nos demais indicadores dentro do ODS 13 o desempenho é preocupante). Para quem acompanha o desenvolvimento da malha urbana de Campos, esse indicador não chega a surpreender, pois entre 1999 e 2015 foram entregues à população cerca de 8,5 mil moradias populares. A maior parte veio de programas municipais como o Morar Feliz, mas também tivemos o programa federal Minha Casa, Minha Vida.
Para além de firmar um pacto político-eleitoral com as populações atendidas, tinha-se colateralmente manifesto o objetivo de desfavelizar a cidade. Embora esses programas sejam alvo de justos questionamentos, eles lograram diminuir significativamente a vulnerabilidade das famílias aos riscos ambientais e aos recentes efeitos da crise climática. Talvez os exemplos mais expressivos sejam o Conjunto da Aldeia, do ano 2000, e o da Chatuba, de 2005, que retiraram famílias das calhas do Rio Paraíba do Sul e do canal Campos-Macaé. Hoje são relativamente raras as notícias de famílias sendo desabrigadas ou desalojadas nas cheias do Rio Paraíba do Sul.
O custo da “segurança ambiental” dessas famílias tem sido bastante elevado, a se considerar a natureza autoritária das remoções, a ampliação da segregação socioespacial e os problemas de insegurança e territorialidade do crime organizado. Isso sem falar na precariedade do transporte público e nas despesas altas para a manutenção das moradias. Mas, independentemente dos prós e dos contras, estamos desde 2015 sem ações nesse campo. Essa falta de investimentos coloca em risco o relativo ganho das famílias atendidas e deixa de fora a nova demanda acumulada no período. O retorno de ocupações em áreas sensíveis que já tinham sido objeto de remoção prenuncia o retorno de problemas antigos.
Precisamos retomar o debate sobre o futuro da habitação social, agora à luz da premissa da adaptação climática. A habitação social bem localizada e apoiada por políticas sociais complementares tem, de fato, o potencial de combater os efeitos das mudanças climáticas.
Julio Cezar Pinheiro de Oliveira é doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.