Sylvia Paes: Políticas públicas de saúde - Um resumo de uma longa caminhada em Campos dos Goytacazes
Sylvia Paes - Atualizado em 30/04/2021 13:34
Introdução — O presente documento não pretende explorar e dar conta de uma história da saúde pública no Brasil, mas apresentar um resumo contextualizado com a nossa história local.
A natureza benevolente, com fauna e flora características da Mata Atlântica, cachoeiras, praias e restingas, variada e luxuriante paisagem, onde se destaca o obreiro rio Paraíba, foi o cenário para que a nação dos índios Goitacá — ligeiros e ágeis nadadores —, aqui estabelecida entre os séculos VI e XVI, nos legasse mais que o seu nome, nos legasse uma história, até a chegada dos colonizadores, uma história de conquistas.
A restinga se diferencia na paisagem litorânea da região do Norte do Estado do Rio de Janeiro. O geólogo Alberto Lamego, em sua obra “O Homem e a Restinga”, compara a restinga à “matemática de órbitas celestes, repetindo em caminhos terrestres numa engenharia descomunal”. A vegetação arbustiva da restinga se emparelha em faixas de longa extensão, que se estendem entre montículos alongados de areais — “simulam o próprio mar” (Lamego, 1974, p. 25) —, que se estendem da zona da lavoura canavieira até o mar. Em meio a esta paisagem, o domínio dos alagados. A Villa — depois, a cidade insalubre — travou com os “ventos doentiços” uma briga feroz contra as doenças pulmonares e respiratórias, essas, uma constante. Por esse motivo, não ficamos impunes às epidemias, às pandemias e aos surtos que ceifaram muitas vidas humanas.
 
 
 
Primeiras ações no território — Sendo assim, a atenção das autoridades e dos cidadãos com a saúde pública foram sempre ampliadas. A preocupação com o domínio do espaço natural provocou a contratação do engenheiro Amélio Pralon, que seria o responsável pelas reformas urbanas com a incumbência de aformosear a cidade, no intuito de atrair novos investidores para a área açucareira em expansão. Em 1844, foram iniciadas as obras do canal Campos-Macaé, tendo como um dos objetivos a drenagens das águas que viriam a beneficiar a vida urbana, assim como a desobstrução da beira do rio, com a retirada de casas de comércio e moradias para maior fruição da ventilação da cidade. Desde o ano de 1828, com a promulgação da lei de municipalização dos serviços de saúde, foram criadas as Juntas Municipais, com o papel de cuidar da saúde pública, sempre associadas às ações da capital provincial.
A tuberculose chegou à segunda metade do século XIX com capacidade ampliada, e sua letalidade atingia principalmente aos mais jovens. Com uma geografia pantanosa, nosso município registrou altas taxas de mortalidade por doenças pulmonares, necessitando de ações médico-sanitaristas em conjunto com ações de reformas urbanas. Em alguns países, a febre amarela foi conhecida como “febre do Rio de Janeiro” ou “mal do Brasil”.
Contudo, somente no início do século XX, em 1902, é que Saturnino de Brito inicia sua obra de saneamento da cidade, adequando-a ao escoamento das águas das chuvas, finalizando a abertura de ventilação através da calha principal do rio Paraíba do Sul, retirando dali prédios de moradia e comércio restantes.
Até o final do século XIX, os serviços de saúde pública estavam vinculados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que funcionava como uma Diretoria Geral de Saúde Pública.
O século XX — O início do novo século e as novas descobertas no campo da medicina impulsionaram políticas públicas, que vieram a contribuir com a administração sanitária, inclusive a criação da Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia, em janeiro de 1921. Foram criadas as campanhas sanitárias e institutos para fabricação de vacinas e soros, como controle das epidemias, articulando conhecimento científico, organização no trabalho com a saúde e competência técnica.
Especial atenção foi dada aos sítios urbanos. O governo do Rio de Janeiro, em 1902, contratou Pereira Passos para comandar a reforma sanitária, a partir de uma arrasadora reforma urbana, e Oswaldo Cruz para a Diretoria Geral de Saúde Pública. Aqui em Campos dos Goytacazes, Saturnino de Brito foi o responsável por essa transformação.
O Decreto nº 1.261, de 31/10/1904, tornou obrigatória, em todo o território nacional, a vacinação contra a varíola, que havia voltado a assolar o Rio de Janeiro e de lá se alastrou pelos demais municípios. O decreto era tão rigoroso quanto o cumprimento da ordem de vacinação que levou ao movimento conhecido como Revolta da Vacina.
No dia 13 de novembro, estourou a Revolta da Vacina. Choques com a polícia, greves, barricadas, quebra-quebra, tiroteios nas ruas, a população se levantou contra o governo. Os jornais lançaram violenta campanha contra a medida. Parlamentares e associações de trabalhadores protestaram e foi organizada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. (Assessoria de Comunicação da Funasa)
Contudo, o resultado foi dos melhores. Em 1907, estava erradica a febre amarela no estado do Rio de Janeiro. Mas a varíola voltou a atacar no ano seguinte.
Desde os fins dos anos 1930, o médico campista Dr. Alberto Häermelli, especialista em radiologia, debruçou-se em estudos e publicou, em 1936, “Sífilis Pulmonar” e “Síntese Crítica da Terapia da Tuberculose”. Em 1938, publicou “O Clima no Tratamento da Tuberculose” e, junto com Plínio Bacelar, “A Doença de Prettes, sendo publicado em 1950 “Serviço Preventivo de Tuberculose”. Sua produção literária demonstra a preocupação com o grande número de problemas pulmonares em nosso território.
Nesse período, outro campista também se envolve na luta contra as doenças pulmonares. O Dr. Fued Mansur, especialista em tísio-pneumologia, foi, pela Secretaria de Saúde e Assistência do Governo do Estado do Rio de Janeiro, designado para coordenar a Campanha Nacional contra a Tuberculose, com a colaboração da Sociedade Fluminense de Tisiologia.
As campanhas nacionais contra a varíola e a poliomielite foram as batalhas travadas que marcaram os anos de 1960. O Brasil começa a produzir a vacina contra a poliomielite e a promover campanhas de vacinação e imunização, criando até mesmo um “Zé Gotinha”, boneco símbolo de promoção de campanhas de multivacinação. Quem nascido nos anos de 1950 não se lembra de estar em fila para ser vacinado na escola, com ou sem choro? Quem, dessa mesma época, não se lembra de ter levado seus filhos para fotos junto ao Zé Gotinha? E foi assim que, a partir de 1980, a poliomielite já estava praticamente sob controle.
Importante também, no combate às endemias, foi a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) em 1970, que teve por aliada a Divisão Nacional de Epidemiologia e Estática da Saúde, junto ao Departamento de Profilaxia e Controle de Doenças. Os médicos José Maria da Silva Ferraz e Walter Siqueira coordenaram, no município, um trabalho contra endemias no Serviço de Endemias Rurais, posteriormente Sucam.
Entre os anos 1950 e 1960, o Instituto Oswaldo Cruz defendeu a criação do Ministério da Ciência, pleiteado há décadas por outros nomes renomados da medicina nacional. “Essa polêmica culminou no Massacre de Manguinhos, em 1970, com a cassação dos direitos políticos e aposentadoria de dez renomados pesquisadores da Instituição, reintegrados em 1985.” (Funasa, 2017).
A aprovação da Constituição Cidadã, em 1988, diz:
Art. 196 - Título VIII, Capítulo II, Seção II, Da Saúde
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Outro importante momento dessa década foi a publicação do Guia de Vigilância Epidemiológica, cuja edição de 05 de agosto de 2020, quando não havia ministro nomeado, tratou exclusivamente do coronavírus (Covid-19).
Em 1998, a responsabilidade com a vacinação passa a ser diretamente dos municípios. A seguir, o Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi) absorve as atividades de vigilância endêmica, tais como: dengue, febre amarela, peste, bócio, chagas, oncocercose, malária, leishmaniose e esquistossomose.
O milênio se encerra com a definição da missão da Funasa:
Ser uma agência de excelência em promoção e proteção à saúde, mediante ações integradas de educação e prevenção e controle de doenças e outros agravos, bem como em atendimento integral à saúde dos povos indígenas, com vistas à melhoria da qualidade de vida da população (Funasa, 2017).
Os primeiros anos do novo milênio foram de ações consolidadoras da integração dos serviços de saúde, atendendo a todo o território nacional, e da municipalização de ações e serviços, como o estabelecimento de diretrizes básicas para o saneamento e para a adoção do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e estruturação da Funasa dentro do Ministério da Saúde, que se tornou:
Entidade de promoção e proteção à saúde a que compete fomentar soluções de saneamento para prevenção e controle de doenças e formular e implementar ações de promoção e proteção à saúde relacionadas com as ações estabelecidas pelo Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental pela Lei nº 12.314, de 19/8/2010 (Funasa, 2017).
Concluindo — Podemos observar neste breve estudo que Campos dos Goytacazes sempre se colocou como pioneira nas questões econômicas, políticas e sociais na região, mas também respondeu com prontidão e competência dos seu profissionais da saúde ao desenvolvimento de políticas públicas de saúde dentro do panorama nacional.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS