Controle civil das polícias, um debate necessário
- Atualizado em 28/01/2021 16:49
Com a divulgação na mídia sobre o projeto em andamento no Congresso Nacional que tem como objetivo criar um marco regulatório sobre as polícias estaduais, um tema sempre importante voltou ao debate: o controle civil sobre as forças policiais. Nos regimes democráticos uma das premissas básicas é o controle das instituições que tem autorização legal para o uso da força, sendo esse feito pelas autoridades que foram eleitas democraticamente. Isso não significa que o governante deve interferir em processos internos dos órgãos, pois esses devem se basear em critérios técnicos que visem o seu melhor funcionamento. O papel das autoridades eleitas é direcionar a atuação das forças através de políticas públicas com objetivos e metas.
O projeto divulgado que reorganiza as polícias estaduais gerou uma grande discussão justamente porque, de certa forma, impede que esse controle seja exercido pela autoridade democraticamente eleita. Ao prever a criação de listas tríplices para a escolha dos Comandantes das Polícias Militares e para os Diretores Gerais das Polícias Civis com mandato, isso terá como consequência a limitação do controle sobre as instituições, pois o escolhido só poderia ser substituído mediante a apresentação de justificativas diante da Assembleia Legislativa.
Embora seja um limitador do controle, a ideia de lista tríplice não é novidade e nem fere o princípio democrático. Reitores de universidades e Procuradores Gerais também são escolhidos mediante a apresentação de lista tríplice. A diferença é que as universidades e o Ministério Público não são instituições que utilizam armas de fogo no seu cotidiano e muito menos tem autorização para o uso da força.
A ideia central da elaboração de listas tríplices é limitar a interferência política nas instituições, pois é notório que há uma excessiva politização nas polícias. Entretanto, a ingerência política em assuntos internos ocorre por diferentes meios, não só pela nomeação do Comando Central, e isso é possível porque inexiste uma política clara de pessoal, com critérios objetivos, abrindo espaço para nomeações políticas para os comandos de batalhões e chefias de delegacias.
E o problema não se limita às chefias. Em toda a cadeia hierárquica das polícias há interferência em maior ou menor grau. Seja na definição de qual policial poderá frequentar determinado curso e até mesmo na designação de quais equipes farão determinado trabalho dentro do batalhão ou de uma delegacia. A falta de meritocracia e critérios objetivos permite que as instituições policiais sejam palcos constantes de todas as formas de assédios existentes.
Portanto, não será através da criação de uma lista tríplice para escolha de Comandante e Diretor Geral que serão evitadas as interferências políticas dentro das policiais. É utopia acreditar que sem uma grande mudança interna com o estabelecimento de carreira e meritocracia algo irá mudar. Na falta de um plano de carreira com critérios objetivos, algumas designações continuarão sendo realizadas por influência de deputados, senadores e outras autoridades de fora das instituições. É a famosa “peixada” que todos aqueles que são policiais conhecem.
Além de ferir o princípio republicano de igualdade perante a lei, as indicações políticas enfraquecem os esforços de profissionalização das polícias. Pois a sociedade espera que os policiais designados para pilotar helicópteros sejam os mais aptos para a tarefa. Idem com relação ao comando de unidades, chefia de departamentos, coordenação de programas, etc.
 
 
Portanto não há que se confundir controle civil com interferência política. O primeiro diz respeito às decisões sobre a política de segurança pública, seus objetivos e metas. São decisões de natureza política que cabem às autoridades eleitas tomar. Já as nomeações e transferências são decisões técnicas e devem ser tomadas sem que haja interferência externa.
Se o objetivo dos legisladores é evitar que as interferências externas continuem a acontecer nas instituições policiais, dando maior segurança para os policiais e assim entregar um resultado melhor para a sociedade, não adianta elaboração de listas tríplices e diminuir o controle civil. Deve ser feito justamente o contrário. O controle civil sobre as instituições deve ser ainda maior, mas isso deve ser acompanhado por mudanças profundas, com o estabelecimento de carreiras com critérios objetivos, meritocracia e programas de qualificação constante para os servidores.
É necessário que as autoridades políticas se responsabilizem pelas escolhas dos planos de segurança e deixem de interferir nas decisões internas. A discussão da nova lei sobre a organização das polícias deveria considerar mudar essa relação entre a política e a polícia, abrindo portas para que nossas policiais sejam cada vez mais profissionais e assim possam entregar um resultado para a sociedade e não para o “padrinho político”

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    Roberto Uchôa

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