Por um Brasil independente e inclusivo
07/09/2020 13:36 - Atualizado em 07/09/2020 21:52
“Somos povos novos ainda na luta para nos fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes. Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante. Na verdade das coisas, o que somos é a Nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sêlo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sêlo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso autosustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra.” (Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, A Formação e o Sentido do Brasil).
Continuo acreditando na nacionalidade brasileira. Acredito em sua vocação "neorromana" em combinar o ideal da grandeza com o ideal da fraternidade na construção de um povo “novo”, como pregou Darcy Ribeiro. Acredito no “novo mundo” nos trópicos de Gilberto Freyre. Acredito que a identidade nacional brasileira sempre teve e conserva potencial antirracista e inclusivo.
É verdade que sempre fomos uma "máquina de moer gente", como Darcy também sempre ressaltou. Fomos e continuamos sendo isso, da escravidão à matança contemporânea de nossos jovens pretos e pardos. Também não superamos nosso subdesenvolvimento. Ao contrário: agravamos nossa posição subordinada no mundo. E o momento atual é desanimador. O desgoverno Bolsonaro aprofunda o que temos de pior. Agrava nossa subcidadania, nosso subdesenvolvimento, incentivando a vergonha de nosso próprio país. Vergonha que deve, sim, ser assumida e trabalhada, mas não tomada como sentimento fatalista.
Sempre fomos mais que nossas tragédias. O sonho e a construção de um Brasil independente e inclusivo começou com José Bonifácio e teve grandes artífices no século XIX e no século XX. Somos a grande nação latino-americana. O Brasil não sucumbiu à balcanização das ex-colônias espanholas. Qualquer projeto de unidade regional latino-americana depende da liderança brasileira. Se este continente algum dia superar sua posição subalterna na sociedade global, só poderá ser por obra liderada pelo Brasil.
Demos um salto econômico, institucional e tecnológico entre 1930 e 1980. Neste período, grandes realizações em todas as esferas sociais nos fizeram ter certeza de nosso futuro como nação inclusiva e grandiosa. Hoje, dominados pelo rentismo financeiro, pelo primitivismo econômico e pela destruição de nossas capacidades estatais, essa certeza virou incerteza.
Certamente é o dia da independência mais triste que já vivemos. Pelo menos o que eu vivi. Mas é nestas horas que devemos olhar para a história e ver que suas possibilidades nunca se fecham por completo. É o momento de lembrar a contingência da vida para fugir do fatalismo. Mas é o momento também de pensar em uma decisão coletiva fundante: a de ter ou não o destino individual ligado ao destino do país. A crença no povo, aquele "elemento irracional" (sacrifício do intelecto?) que Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro partilhavam e confessavam, tinha como fundamento a constatação de que o povo tinha seu destino ligado necessariamente ao destino do país. Não há alternativa para o povo brasileiro ser gente a não ser construindo um país com maior independência em todas as esferas.
O povo brasileiro tem, entre outras características, um pragmatismo antinilista. Não há tempo nem energia para o desânimo duradouro. É nas classes populares e médias baixas que esta atitude prática floresce. É aquilo que Roberto Mangabeira Unger chama de vitalidade, a capacidade de produzir e manter uma energia vital e criativa na cultura cotidiana, mesmo sufocada pelas instituições oficiais do país.
A falta de tempo e energia para a descrença pode ser um sacrifício intelectual, como é o resultado de toda crença na lição de Max Weber. Mas quem vive sem crenças? Acho que já superamos este racionalismo infantil. Weber mesmo acreditava fortemente em um destino grandioso para sua nação, em momento de enorme turbulência.
Eu acredito no Brasil, apesar de tudo. Se a esperança é o resultado da ação, e não o contrário, é porque a acão é criativa e pode mudar o "destino". Ninguem sabe se seremos ou não o que muitos julgam que podemos ser enquanto nação. É a indefinição do tal "destino", que de destino mesmo não tem nada. Sabendo que desconhecemos o futuro, eu ainda não encontrei motivo racional que possa me convencer que a descrença é melhor que a crença. A crença no Brasil e em seu povo é um "sacrifício do intelecto" que eu recomendo para quem não vai ser "cidadão do mundo". Acreditar no "cidadão do mundo" ou sem pátria é o maior de todos os sacrifícios à inteligência.
A tarefa de nossa geração é abraçar a causa nacional, usurpada pelo neofascismo entreguista e desmerecida pela esquerda e pelo liberalismo cosmopolitas. Não sou cidadão do mundo. Não existe cidadão do mundo. O que existe é cidadania nacional. Só ela nos permite ser gente dentro e fora do nosso país. A grandeza nacional é o pressuposto para a projeção e o respeito de seu povo no mundo. A grande maioria do povo brasileiro, incluindo aqueles que sentem vergonha dos símbolos nacionais porque não querem ser confundidos com os neofascistas, só pode ser gente vivendo em um país independente e inclusivo, a ser inventado e construído. Só uma minoria pode sonhar em ser gente apenas pela força de sua riqueza privada em um mundo de servos e pessoas sem dignidade. Ser gente em maioria só é possível como nação independente e inclusiva.

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    Roberto Dutra

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