desabafo
- Atualizado em 14/11/2019 00:08
Desabafo
Cândida Albernaz
Sei o que pensa de mim e talvez eu mereça, mas a esta altura mudar é difícil. Não é que não queira: não posso. E só quero algumas vezes, quando você diz que não aguenta mais.
Não ajo desta forma porque gosto, mas não sei fazer diferente. Nunca aprendi.
Sei que se sente enganada porque me apresentei a você como penso que às vezes sou e só deixei que visse de verdade, quando já se sentia presa a mim.
Você me ama apesar de. E isso dói, porque não apenas a amo: sou louco por você. E é por este motivo que a rasgo com palavras e com atos. Tudo em nome do amor excessivo.
Quando a conheci, era doce e alegre, hoje sinto que é amarga e sorri apenas quando ordeno.
Não queria que fosse assim e peço desculpas mais uma vez. É do fundo de mim que peço desculpas e perdão. Só parei de prometer que não vou fazer mais. Porque vou. Muitas vezes mais.
Queria um filho seu, mas os médicos dizem que apesar de não haver motivo algum não consegue engravidar. Tenho uma opinião sobre isso: seu subconsciente não permite que eu a emprenhe. Não quer estar mais presa ainda a quem lhe faz mal.
Vejo as crianças dos vizinhos e sinto inveja. Não gosto deste sentimento.
Às vezes é só porque não me dá esse filho que a agrido. Às vezes é só por falta de qualquer motivo.
Não se iluda, não vou libertar você de mim. Nunca.
Quantas vezes vi minha mãe tentar a mesma coisa. Papai também não permitia. Sou como ele era.
Lembro agora que não vejo mamãe há alguns meses. Desde que foi presa, é a primeira vez que fico tanto tempo sem visitá-la.
Não adianta imaginar coisas. Você não é como ela. Jamais vai conseguir fazer o que ela fez, não é do seu temperamento: é medrosa e já provei que não vale nada.
E depois, meu pai foi um burro. Confiou demais em si mesmo. Quando ela enfiou a faca nele várias vezes, o idiota dormia tranquilamente.
Comigo é diferente, com qualquer ruído acordo e jamais como algo sem que você prove antes.
Quando falo com ela, pergunto se valeu a pena tantos anos numa prisão. Responde que mortos não sentem e que estava morta muito antes de ter entrado ali.
Tenho pena dela. Raramente tenho pena de você.
Em alguns momentos, as ideias parecem ficar claras e digo a mim mesmo que vou procurar ajuda. Isso dura pouco tempo. O suficiente para que bata de novo.
Com você percorro limites, vou do amor ao ódio.
No início tentava revidar. Hoje só chora e isso faz com que fique irritado.
Disse-me outro dia que qualquer hora dessas acabarei matando-a. Não posso imaginar perdê-la. Não saberia viver sem você.

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    Sobre o autor

    Candida Albernaz

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    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".