Adilson Sarmet: "Garotinho é frio e calculista"
Aluysio Abreu Barbosa e Matheus Berriel 20/04/2019 22:34 - Atualizado em 06/05/2019 14:13
Adilson Sarmet
Adilson Sarmet / Rodrigo Silveira
Fundador do Muda Campos e vice-prefeito na primeira gestão de Anthony Garotinho (1989-1992), o médico Adilson Sarmet falou que o político da Lapa usou o movimento a seu favor e sempre demonstrou “obsessão” pelo poder. Apesar das diferenças, Sarmet disse ter sido um vice leal, embora nunca cúmplice, e explicou que o racha aconteceu ainda durante o mandato, quando Garotinho teria atrasado os salários dos funcionários do Hospital Ferreira Machado, onde o médico era diretor, de propósito. Não se limitando a Campos, fez ainda suas considerações sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, os rumos do seu partido, o PT, e analisou o governo do atual prefeito, Rafael Diniz (PPS).
Folha — Você encabeçou um projeto que mudou a cara da política de Campos, que vinha há mais de uma década de Zezé Barbosa e Rockfeller de Lima. Eram o MDB e Arena...
Adilson — É, mas não tinha muita diferença do estilo. Zezé era mais coronelesco, mas Rockfeller também. Quer dizer, a política não era muito diferente.
Folha — Aí tem a anistia de 1979, redemocratização, o último governo militar se encerra em 1985. Época difícil. Primeiro com o Diretas Já, em 1984, que não passa, a emenda Dante de Oliveira. Depois, em 1985, termina o regime, morre Tancredo, assume Sarney, vem a eleição a prefeito, em 1989, e o Muda Campos meio que capitaliza esse sentimento, que não era só de Campos, mas nacional, de renovação da política brasileira.
Adilson — Era. Mas aqui em Campos era mais acirrada essa necessidade de renovação por causa das características da política local. Os modelos de fazer política, em determinado momento, saturam, se esgotam. Já estava esgotado. E aí, a gente chegava aonde estivesse e começava a ver críticas a Zezé. Eu tinha e tenho uma visão de política de esquerda, queria um governo mais voltado para as necessidades populares. Isso, nem Zezé nem Rockfeller completavam, na nossa opinião. Nessa época, com a redemocratização, volta dos partidos, eu uni um grupo comigo. Carlos Alberto Campista, Ivete Marins...
Folha — Leonel Brizola tenta pegar o PTB, Ivete Vargas tira dele, ele abre o PDT ainda em Lisboa... O PT também, em 1980...
Adilson — É. Aí eu e meus companheiros refundamos o PSB. Eu, Ivete Marins, Carlos Alberto Campista, Adão Faria e doutor José Daniel Pinto Coelho. Nós estávamos numa discussão em relação à campanha que vinha para prefeito e vereadores. Carlos Alberto candidato à vereança. E o PSB queria me lançar candidato a prefeito. Era uma eleição em turno único. E eu tinha certeza que nem Garotinho nem eu poderíamos ter chance de derrotar.
Folha — Garotinho já era deputado estadual. Tinha sido candidato a vereador pelo PT, foi o mais votado, mas perdeu por causa da legenda.
Adilson — É. Foi candidato a deputado estadual, teve uma votação muito expressiva.
Folha — Secretário de Agricultura de Brizola...
Adilson — É. E eu comecei a conversar com Garotinho. Meu partido, o PSB, na época, queria me lançar candidato, e eu amarrando. Aí eu fiz um movimento apartidário. Como presidente do PSB, estimulei um movimento apartidário, saiu uma nota aqui na Folha da Manhã: “Muda Campos”, convidando as pessoas que tinham interesse nas mudanças e na renovação da política campista.
Folha — Foi Aluysio (Cardoso Barbosa) que colocou?
Adilson — (Concorda em gesto). Aí cheguei, começamos a fazer as reuniões e começou a ganhar corpo, sem discutir candidatura. Fomos para a CDL...
Folha — Na época o presidente era Murilo Dieguez, outra renovação na classe lojista.
Adilson — Começamos a rediscutir, comecei a conversar com Garotinho. Eu sabia que ele era populista, mas...
Folha — Você já tinha essa visão naquela época?
Adilson — Tinha, porque o populista tem cheiro de populista. É a forma de ajudar o povo, mas não ajudar...
Folha — A mudar de condição.
Adilson — É. Ele não muda. Eu não tinha essa certeza. Eu achava que ele gostava do povo nessa época. Acho que eu me enganei. Ato falho. Nas conversas, ele sempre me chamava de senhor. Só me chamou de “você” e Adilson umas três ou quatro vezes na vida, em momentos de fraternidade, escassos, o que é característica dele.
Folha — Garotinho é uma pessoa mais fria.
Adilson — É frio e calculista. Não é uma pessoa que cultiva amigos. Eu cultivo amigos até quando divirjo deles.
Folha — Ele uma vez disse, antes do governo, que “quem quer chegar aonde eu quero, não pode ter amigo”.
Adilson — É. E eu nunca fiz questão de ser amigo dele, porque, na verdade, eu tenho tantos amigos... Amigos de todos os tipos.
Folha — Voltando à reunião na CDL...
Adilson — Teve a reunião e começou a busca pela candidatura. O Amaro Gimenes começou a ir à reunião, era do PL (Partido Liberal). Garotinho ficou com medo. Eu tinha dificuldade de compor com o PL porque é profundamente liberal, embora eu tivesse capacidade de um entendimento muito bom com ele (Amaro). E nós começamos a discutir. Sérgio Mendes foi lá, por orientação de Garotinho, na época, participou de algumas reuniões.
Folha — Garotinho não foi às reuniões na CDL?
Adilson — Não foi, ele tinha medo da classe média. Insegurança, mas tinha. E foi conversando... Depois, me convidou a ser vice numa aliança. Eu tinha lançado esse movimento.
Folha — Quem lançou o Muda Campos foi você?
Adilson — Foi. Tem na Folha a notinha, em 1989. Eu convidei, combinei com pessoas de todos as matizes. Amaro Gimenes, Raul Linhares... Eram pessoas de bem. Quando saiu a aliança, que foi um pouco difícil no meu partido, houve dificuldade. E o PT, nessa época, tinha uma direção muito radical, muito sectária. Foi Luiz Antônio. Boa pessoa, mas com visão sectária.
Folha — Mas o PT de Campos, naquela época, tinha um ressentimento com Garotinho.
Adilson — Tinha, tinha. Até com razões. Mas, não vou discutir as razões dele. Aí saiu a candidatura e nós começamos a campanha.
Folha — Qual foi o momento em que ficou formulado que a candidatura seria com Garotinho a prefeito e você a vice?
Adilson — Foi quando o meu partido aceitou a proposta. Mas, antes disso, teve uma reunião na Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia, convidando os possíveis candidatos a prefeito. Me convidaram. Eu estive lá e coloquei que eu não era candidato, o que queria era buscar uma candidatura que pudesse mudar a forma de fazer política em Campos e a forma de administrar a cidade. E Garotinho ficou mais seguro depois dessa reunião. Ele nunca me entendeu, até hoje não me entende. Mas, agora não precisa me entender mais.
Folha — Você entende ele?
Adilson — Entendo. A mente das pessoas é uma coisa que diuturnamente está na minha cabeça.
Folha — E como você o entende?
Adilson — Entendo como uma pessoa inteligente, obsessiva. Faz o que tiver que fazer pelo poder. E faz o que tiver que fazer em cima das pessoas, porque, pelo poder que teve, ele não criou companheiros, criou capachos. E os capachos se perderam.
Folha — Brizola chamava de áulicos.
Adilson — É, Brizola era um sábio. Por falar em Brizola, quando ganhamos a eleição, tive uma reunião na casa do doutor Luiz Carlos Sell. Garotinho estava presente e, nisso, falou: “Doutor, eu queria que o senhor fosse meu secretário de Saúde”. Eu falei: “não vejo coisa boa, não, Garotinho, mas posso indicar um bom secretário para você. Posso ajudar você”. E ele: “Eu queria que o senhor fosse meu Darcy Ribeiro”. Eu dei uma gargalhada e disse: “Garotinho, Brizola é um estadista, você não é. Darcy é um gênio, eu não sou”.
Folha — Isso foi depois. Teve a reunião na Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia...
Adilson — E aí o Garotinho me perguntou: “Doutor, se a gente fechar...”.
Folha — Partiu dele, Garotinho. Você ensejou, e ele...
Adilson — Eu manifestava preocupação, mas não me oferecia como candidato. Era para romper. Queria um grupo político. E ele me queria, porque precisava da minha figura para compor ele com uma parte da sociedade, a classe média. Aí ele propôs, eu levei ao partido...
Folha — Ao final dessa reunião na Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia?
Adilson — É, alguns dias depois, voltamos a conversar e ele propôs. Levei à reunião no partido e o partido acabou aceitando que eu compusesse a chapa com ele.
Folha — Garotinho estava sem microfone nenhum de rádio e Aluysio Barbosa abriu para ele o da Continental, ajudou muito ele nas camadas populares. Lembra disso?
Adilson — (Concorda em gesto). Aí, a gente, naquele processo da campanha... Foi uma campanha difícil, porque ele mesmo chegou a dizer: “O PSB não tem muito a me dar, mas os setores que eu preciso vêm de lá”.
Folha — Classe média.
Adilson — Em conversa informal, ele percebeu com clareza. Todo mundo sabia. Amaro Gimenes falava: “Quem o senhor apoiar vai ganhar a eleição”.
Folha — Era o fiel da balança.
Adilson — Era o fiel da balança. Eu tinha uma força, um partido em torno, com políticos, figuras como Carlos Alberto, Ivete... Nós fizemos uma campanha boa. Garotinho começou a fazer a campanha e teve a primeira dificuldade comigo num comício na Lapa. Alguém do PDT veio e colocou o contracheque de uma secretária, que era filha de Zezé, para mostrar o valor que ela recebia da Prefeitura. E colocou o contracheque de uma professora para eu dizer: “Olha aqui, a filha do prefeito ganha tanto e a professora ganha tanto”. Eu fiquei com aquilo no bolso, não estava lá para brigar com a secretária, que até era Beatriz, uma pessoa que eu sempre admirei, admiro até hoje, tenho respeito e admiração por ela. E aí ele ficou irritado, meio tenso, querendo que eu falasse. Quando terminou a fala dele, tocou no assunto no palanque, mas não se aprofundou. Quando ele ia para setores mais populares, batia muito no adversário dele, que era o Barbosa Lemos. O Barbosa disputava com ele, na época. Até não se conformou e disse: “Como é que pode? Você quer passar na minha frente? Como é que pode?”.
Folha — Dois radialistas, de rádio AM...
Adilson — É, radialistas de mesmo estilo. Ao chegar nesses setores populares, Parque Santa Rosa, Parque Aurora, ele (Garotinho) falava, fazia um jogo, fazia acusações, o estilo dele, e aquilo me desagradava de certa forma. Eu não queria política voltada para o combate pessoal desagregador, porque eu acho que confunde o povo. Mas, assim mesmo, caminhamos, até que, num comício, já perto do final da eleição, até o deputado Godofredo (Pinto) pintava em Campos, foi até a São Sebastião, eu fui com o Garotinho.
Folha — Godofredo estava em que partido nessa época?
Adilson — PSB, depois foi para o PT antes de mim. Nessa ida para São Sebastião, o Garotinho falou assim: “O que o senhor acha?”. E eu disse: “Vamos ganhar a eleição, Garotinho”. E ele: “Por causa das pesquisas?”. Eu falei: “Não. Eu nem tenho pesquisa, Garotinho. Eu entrei no Banco do Brasil, o guarda apertou minha mão e me deu um abraço; os clientes me abraçaram; o funcionário que estava me atendendo me abraçou. Setores muito diferentes. Nós vamos ganhar a eleição”. Aí ele falou: “Estão dizendo que vão lançar um programa aí que vai bater muito forte no senhor e em mim, que pode comprometer essa vitória”. Eu fiquei pensando: que razões eles teriam? Também não perguntei. Ele ficou impaciente, lá em São Sebastião, e, fora do palanque, falou: “O senhor tem ideia do que podem falar contra o senhor?”. Eu falei: “Não tenho, não, Garotinho. Eu sou um cara que se falar contra, não pega bem, não. Falar a favor pode não contar muito, mas falar mal de mim, me acusar de alguma coisa, não pega bem, não”. Era época da hiperinflação e ele disse: “Vão dizer que o senhor cobra 250 mil cruzeiros por uma consulta”. Eu falei: “Até semana que vem, Garotinho. Na semana que vem aumenta, por causa da hiperinflação. Ele: “Estão dizendo que tem pessoas que precisam do senhor e não podem se consultar”. Eu falei: “Quem precisa do meu conhecimento sempre teve, pagando ou não pagando. Se alguém falar isso, é mentira. Se um falar mentira, os outros vão falar a verdade. Então, não me preocupo. E de você, Garotinho, o que vão falar?”. E ele: “Vão dizer que eu não compareço à Assembleia, que eu sou faltoso”. Eu falei: “Garotinho, nisso aí a sua defesa está feita. Eu estive na Continental, na semana passada, e, na entrevista, tocaram nesse assunto e eu disse: ‘o Garotinho é um deputado diferente, um deputado voltado às bases, está junto com os professores, junto com a sociedade de sua terra, com a turma que o elegeu. Não vive no ar condicionado acomodado lá na Assembleia. É um deputado diferente’. Eu já te defendi, Garotinho. Não acredito que vão fazer isso para atacar a gente, não”. Na verdade, o que ele queria só era ver se eu me assustava e dizia alguma coisa que eu tinha, como se dissesse: me dá seu rabo para eu colocar debaixo do meu pé (risos). Eu não tinha rabo para prender. Mas, ele é assim. É uma pessoa calculista.
Folha — Isso foi depois do episódio do contracheque?
Adilson — Sim. O contracheque foi no início da campanha, na Lapa, e isso, já caminhando para o final da campanha, em São Sebastião.
Folha — Com Godofredo presente.
Adilson — Com Godofredo presente. Eu voltei de lá com Godofredo, e Godofredo falou assim: “Vamos ganhar a eleição, não é, doutor?”. E eu falei: “Vamos, Godofredo. Mas o que eu preferia mesmo, enquanto pessoa, era perder a eleição por um voto, para eu dizer que foi roubado, mas não ter que conviver com Garotinho como prefeito por quatro anos, porque tem traços nele que não me satisfazem. Mas, eu não posso, a esta altura dos acontecimentos, dizer isso para a população.
“Ele tentou me sabotar no HFM”
Folha — Muito se fala que a vitória de vocês só se deu porque foi em turno único. Tinha Rockfeller, forte, e Zezé, no lugar de fazer aliança com Rockfeller, o que seria mais seguro, lançou a candidatura de Jorge Renato. Então, rachou o voto de centro e centro-direita. Você concorda com isso? Se fosse em dois turnos, vocês perderiam para Rock?
Adilson — Perfeitamente. Os votos de Jorge Renato iriam para o Rock. Uma parte podia dividir, mas dividir de forma não igualitária. A vitória, sem dúvida, aconteceu por ter sido em turno único. Isso foi importante. Mas, quando veio a vitória, o Garotinho começou a arrumar o secretariado de uma forma muito voluntarista.
Folha — Próprio. Sempre foi assim.
Adilson — Próprio dele e próprio da política.
Folha — Foi ali e durante o resto todo.
Adilson — É, próprio da política. E quando eu fazia objeções a nomes, ele falava: “o senhor pode indicar um nome para compor com ele”. Ele gostava de fazer o jogo que até hoje eu acho que gosta de fazer, embora hoje seja diferente, o momento é diferente também. Ele colocava o secretário pensando de um jeito e o subsecretário pensando de outro. Dividia e tinha informação sempre de um e do outro. Era um embate, chegava nele e ele tinha o domínio, tinha o controle.
Folha — Dividir para conquistar, é clássico do imperialismo.
Adilson — Eu cheguei e falei: “Não estou interessado em indicar nomes para compor dessa forma. Estou atrás de políticas. Se a gente viabilizar as políticas, com qualquer nome eu estou satisfeito”. E isso ele também não entendia, o porquê de eu não estar querendo indicar nomes.
Folha — O PSB não indicou nenhum secretário?
Adilson — O PSB convidou, na época, o meu sobrinho, Pacelli Sarmet. Ele é agrônomo, foi secretário de Agricultura. Também lá, ele (Garotinho) trabalhou com o contraponto, tentando inibir as ações. Era característica dele. Ele sempre dividia, sempre jogando com as pessoas para ter o poder. Ele tinha informações de tudo. Nós convivemos durante os dois primeiros anos. Na verdade, ele precisava de mim, pela insegurança. Digo isso porque ele demitiu um funcionário da Prefeitura e falou numa emissora que era um marajá. A mãe desse cara, de uma família tradicional aqui em Campos, o pai dele uma pessoa extremamente conceituada e a mãe também muito, muito querida...
Folha — Qual era o cargo dele?
Adilson — Engenheiro. Aí, a mãe me procurou e disse: “O prefeito falou que meu filho é marajá. Isso está baseado em quê?”. E eu falei: “Eu não tenho ideia, não, senhora, mas vou perguntar a ele”. Cheguei e perguntei, no final da reunião. E ele: “Quem foi que falou?”. Eu disse: “Foi a mãe dele, minha cliente e amiga”. Ele falou assim: “O senhor quer que eu chame ele de volta?”. Eu falei: “Não, Garotinho. Eu só quero a resposta para dar a ela. Se ele é marajá, se ele ganha muito e não trabalha, eu vou dizer a ela que ele ganha muito e não trabalha”. Aí ele, uma semana depois, chama o cara de volta para integrar os quadros da Prefeitura. Então, isso aí revelava a insegurança dele. Aí veio a eleição presidencial, ele apoiando Brizola e eu apoiando Lula, em 1989. Ele estava mexendo. A primeira gestão dele foi boa.
Folha — E como foi o racha de vocês durante o governo?
Adilson — O racha foi se fazendo aos poucos. Teve dificuldades porque houve questionamentos sobre algumas coisas que poderiam estar ocorrendo, que não seriam muito lícitas. Tudo o que me passavam eu levava a ele. Não para fazer fofoca.
Folha — Suspeita de ilícito.
Adilson — É... Um empresário da área falou comigo que o asfalto que foi comprado aqui estava mais caro do que o que Macaé comprou na mesma época. E me perguntou: “Por que, doutor?”. Eu falei: “Vou ver”. Procurei o prefeito e perguntei. Foi um asfalto que colocou logo no início, na 13 de Maio, para dar um carinho na classe média. E ele disse: “Não, eu não estou sabendo disso, não”. Aí o Carlos Augusto Esqueda chegou e ele falou: “Aí, Carlos Augusto, olha o que o doutor Adilson está falando”.
Folha — Carlos Augusto, na época, era o quê?
Adilson — Era secretário de Obras.
Folha — Primo de Pudim, não é?
Adilson — É. Carlos Augusto e ele ficaram olhando para mim, e eu quieto. Aí ele falou assim: “Fala, doutor Adilson”. E eu: “O prefeito é você, Garotinho. E o secretário é seu”. Ele falou: “Doutor Adilson está falando que o asfalto daqui veio superfaturado”. E ele: “Oh, Garotinho, houve um erro, houve um equívoco, essa firma já comunicou que isso vai descontar na próxima fatura, foi um erro”. Conversa. Mas, desde o início eu fiquei fustigando ele, incomodando ele, falando como se fosse a consciência. E mostrando inconformidade com isso.
Folha — Eu me lembro de você assumindo o Ferreira Machado. Como que foi?
Adilson — Foi logo depois da eleição, em 1989. Doutor Hélio tinha feito uma reforma lá, durante o governo Brizola, depois caiu tudo. Quando eu assumi lá, estava tudo desmanchando, desmantelando. Eu fui numa reunião, chamei o Garotinho, falei em entrevista que existia uma cabeça de burro enterrada no Ferreira, porque ele não saía. Era fundamental para a saúde de Campos, mas não saía.
Folha — Foi a partir da sua gestão que ele se tornou a referência que é hoje.
Adilson — Viabilizei o Ferreira. Eu e Arnaldo Vianna, que era o meu diretor clínico. Quando viabilizamos o Ferreira, o doutor Luiz Carlos Sell, que era presidente do Sindicato dos Médicos, deu uma entrevista à Folha batendo no prefeito e falou em paranoia. Aí ele (Garotinho) ficou doido, queria que eu demitisse Luiz Carlos Sell. O Luiz Carlos Sell fazia parte de um grupo de pessoas que me assessoravam lá no Ferreira. Nisso, ele fez um escarcéu sobre o doutor Sell, ele queria que fosse demitido, querendo me atingir. Olha só, ele vai continuar a me assessorar naquilo que eu precisar. Aí houve uma dificuldade crescente. Voltando um pouquinho, quando abrimos o Ferreira, o Garotinho começou a tentar me sabotar. Às vésperas da eleição, ele atrasou o salário dos funcionários do Ferreira, e eu era o diretor. Quer dizer, as pessoas pensavam: “Dr. Adilson está pisando na bola”. Eu saí de lá, fui à casa dele, encontrei a mãe dele. Ele veio chegando. Aí eu falei: “Garotinho, você está querendo me sacanear. Está querendo dar a impressão que eu não tenho respeito pelos funcionários?”. A mãe dele: “Não faz isso, não, ele vai infartar”. Eu falei: “Se tiver que infartar um, infarta ele, não eu”. Nessa época, o racha se estabeleceu, no final de 1989, mas o hospital municipal já estava viabilizado. No dia da inauguração, em 1990, ele (Garotinho) não foi. A partir daí, o negócio desandou. Eu era o vice-prefeito, eu não vou ficar batendo. Eu vou corresponder a expectativa que a sociedade tem de mim: vou ser um vice-prefeito leal, mas não vou ser cúmplice. A dificuldade nossa já tinha se estabelecido, mas as relações pessoais, como eu sou uma pessoas amena, embora às vezes seja um pouco passional, eu não carrego inimigos. Quer dizer, eu convivi com ele com a precariedade da relação. A essa altura, vinha a eleição de 1992, ele queria que eu fosse candidato dele. Me chamou para ser candidato a prefeito. Nesta hora, que ele estava me convidando, Godofredo teve um contato com Lula e veio a Campos. Ele me convidou para pegar o PT aqui e tentar levantar o partido. Nessa época, o Garotinho queria que eu fosse candidato. Me ofereceu tudo.
Folha — Mesmo com a relação desgastada, ele queira?
Adilson — Mesmo com a relação desgastada, ele queria. Ele precisava.
Folha — Mas ele elegeu Sérgio Mendes no primeiro turno.
Adilson — Ele precisava, mas não era para aqui. Campos fazia parte como um trampolim. Ele queria ser presidente. Eu falava: “Garotinho, você tem que ter base. Para você ser presidente, você tem que ter história”. Ele repetia que tinha pressa. Ficamos umas duas horas conversando em uma reunião e falei: “Afinal, Garotinho, a gente tem muitas diferenças, o que nos uniu foi ter um adversário em comum”.
Folha — Essa conversa com Garotinho é anterior a conversa com Lula…
Adilson — Isso. Eu nego Garotinho, daí uns 20 a 30 dias, eu estava no PT. Ele ficou injuriado. Então ele disse: “Você não quer vir para o PDT?”. Eu disse: “Não. Eu quero ser mais livre”. No PDT ele tinha o chicote e as esporas para manter o controle. Aí ele fez uma caças às bruxas com o pessoal que estava no PT, não por indicação minha, mas por convite dele, gente da mais fina qualidade. Eu falei: “Garotinho, está fazendo caças às bruxas? Isso não me atinge. Essas pessoas não são dependentes de cargo”.
Folha — Aí veio a eleição e você ficou em terceiro lugar. Sérgio é eleito e segura a CPI dele.
Adilson — Você lembra disso né? Eu passei informações, passei porque o que é de interesse público tem que ser exposto. Não como delação, mas como informações, dados. A CPI caminhou, mas Paulo Feijó (líder de oposição à época) não tinha muita determinação, tanto que acabou nos braços dele (Garotinho).
Folha — Em 1992, ele ganha com Sérgio. Em 1994, vão ele e Marcelo Alencar para o segundo turno. Marcelo Alencar vence. Nesse interregno, você é candidato a deputado estadual em 1994 pelo PT. Ele volta em 96, se elege com Arnaldo Vianna de vice e, mesmo prometendo não sair em 98, ele sai para governador na disputa com César Maia e vence.
Adilson — Nessa eleição, eu tenho muitas restrições a César...
Folha — Ele veio do PDT.
Adilson — Ele veio do PDT. Mas tenho muitas restrições ao César. Eu falei: “Um de lá, outro de cá, vou votar no de cá”. Votei nele nessa época. Não fiz campanha. As pessoas não entendiam. As pessoas queriam que eu tivesse raiva do Garotinho. Eu nunca tive. Perdi afeto e admiração, mas raiva, ódio, nunca tive e não tenho. Tenho mágoa por ele não ter cumprido nosso projeto (Muda Campos).
Folha – Você não acha que ele não surfou no Muda Campos? Você falou que ele é uma pessoa que usa os outros para chegar ao poder. Você não acha que ele usou o Muda Campos?
Adilson – Usou.
Folha – E vocês não se deixaram usar?
Adilson – O Muda Campos? Não. Nós desejávamos um governo mais popular. É o que Garotinho tinha chance de fazer.
Folha – Mas sua filiação continua ao PT. Você não pediu desligamento. O partido virou a “Geni” da política brasileira, com Lula preso. Bolsonaro foi quem melhor surfou no antipetismo e por isso foi eleito presidente. Muito mais por ter assumido a figura do antipetismo do que por propostas. O PT e a esquerda viraram a “Geni” da política brasileira?
Adilson – Viraram. A esquerda vai ressuscitar. Ela precisa fazer uma autocrítica, o que não fez, e tem que ressuscitar. Bolsonaro foi usado por setores da mídia e setores da economia. Foi um novo Collor.
Folha – O discurso dele é mais radical do que o Collor.
Adilson – Mas ele foi imposto. Bolsonaro ganhou porque teve um apoio forte destes setores.
Folha – Você acha que Lula está preso injustamente?
Adilson – Acho. Acho que ele teve erros, mas Lula ser preso... Tem que colocar gente, inclusive gente que está prendendo o Lula.
Folha – E você acha que o impeachment de Dilma foi golpe?
Adilson – Dilma não teve habilidade para lidar com a política. Eu também não tenho muita habilidade, mas também não sou candidato a presidente. Foi um golpe, foi armado. Os motivos que foram usados como argumento foram coisas que acontecem toda hora.
Folha – Fernando Henrique e Lula fizeram, mas não no volume que ela fez.
Adilson – Ela não teve habilidade para fazer política e foi candidata à reeleição.
Folha – Você acha que se Lula abrisse mão e apoiasse Ciro a esquerda poderia derrotar Bolsonaro?
Adilson – Tinha, mas Ciro precisa colocar a cabeça no eixo. Ele é meio confuso.
Folha – Você não acha que o lulopetismo está agonizando?
Adilson – Não. Acho que está em sofrimento. Acho que tem colaboração, muita colaboração para dar. Tenho certeza que o ideário de esquerda não pode morrer. Existe um sentimento, uma convicção de que a sociedade tem que ser melhor. Na verdade, o que fez de Lula bandido foi o Bolsa Família. Quantas vezes uma pessoa chegava ao meu consultório e dizia: “Ah, o Lula fica dando dinheiro e a gente não arranja uma empregada”. Eu tenho empregada. Pago o que preciso pagar.
Folha – E como você vê o governo Rafael?
Adilson – Acho que Rafael entrou despreparado. Eu tive uma conversa, uma reunião com ele antes da eleição de 2016. Não fiz campanha para ele.
Folha – Votou nele?
Adilson – Votei nele. Fiz uma reunião, com os meus familiares, porque existia uma insatisfação em alguns setores. Eu queria que o Rafael ganhasse. Quer dizer, eu queria derrotar Garotinho. Na verdade, era isso.
Folha – Você acha que é um governo ensimesmado?
Adilson – Perdido. Tomara que se ache. Se ele está deixando para fazer, encantar a população, no último período de governo, para que trocar Rosinha e Garotinho? Isso que Garotinho fazia, que Rosinha fez. Ela quando assumiu, depois de Mocaiber... o governo Mocaiber foi uma catástrofe.
Folha – E suas perspectivas para 2020?
Adilson – Eu acho que vai surgir uma coisa diferente. O menino, eu acho que vai ter dificuldade para se reeleger. Não é impossível se reeleger.
Folha – Pegou uma dívida muito grande, R$ 2,4 bilhões.
Adilson – Isso eu falo para as pessoas, Garotinho quando sai deixa a terra arrasada. Seja pra quem for.
Folha – Por exemplo, em 2016, o percentual para pagamento pessoal da Receita Corrente Líquida, que é o que vale para LRF, era 54, no limite. Hoje é 47. O dever de casa financeiro foi feito.
Adilson – Não basta.
Folha – Isso é dado, aprovado pelo TCE.
Adilson – Eu falo isso com as pessoas, mas não basta. Para mim, não basta. Tem gente que fica insatisfeita se o Flamengo está nadando em dinheiro, mas perdendo.
Folha – Não comparando os personagens, que são totalmente diferentes, mas comparo os contextos. Parece que Wladimir quer Rafael e Rafael quer Wladimir. O PT queria Bolsonaro, Bolsonaro queria o PT. Você não acha que as conjunturas, nesse ponto, são semelhantes?
Adilson – Acho que Wladimir não será candidato.
Folha – Quem seria o outro candidato do garotismo? Rosinha está inelegível.
Adilson – Eles vão ter dificuldades. Não sei se Wladimir e a irmãzinha se entendem. Garotinho, como um coronelzinho, semelhante a coronéis do Maranhão, formou seu núcleo, sua família. Não estou querendo botar mal-estar entre eles, mas não sei. O que dá a Wladimir essa qualificação para ser o novo prefeito?
Folha – Em Gabriela, de Jorge Amado, tinha o coronel Ramiro Bastos e Mundinho Falcão. O velho e o novo. Mundinho fala que ia acabar com os coronéis. Quando o coronel velho é morto, ele pega o chapéu do coronel e coloca na cabeça. Você acha que não foi isso que se deu entre Garotinho e Zezé?
Adilson – De certa forma. Garotinho não teve a capacidade de incorporar aquilo que o elegeu, que era uma força muito grande da sociedade campista e que poderia levá-lo a um patamar de qualificação. E eu falava com ele, para ser presidente tem que ter currículo, tem que ter história. Mas não é história mal contada: sobe aqui, faz trampolim ali, sai daqui, vai pra ali, põe filho, tira o filho. Não é isso. E falei com ele uma coisa, de coração, para ajudá-lo: quando se sobe uma escada, a gente pode ir longe. Mas é fundamental que se preserve os degraus. Porque um dia, se você precisar descer e se os degraus estiverem destruídos, você não desce. Você cai. E quem viu aquela figura do Garotinho esperneado em cima daquela maca, a gente só pode ficar triste. Eu fiquei triste, as pessoas pensaram que eu estava gostando, mas fiquei triste. Ali ele estava despencando. Despencou, por conta dos degraus que ele nunca preservou.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS