Cinema: Vespa rainha
Edgar Vianna de Andrade 19/10/2020 12:12 - Atualizado em 19/10/2020 12:14
Roger Corman (5/4/1926) é um dos mestres dos filmes B, vários deles atravessando a sutil linha do trash. O limite é indefinível. Jack Arnold e Mario Bava também produziram se equilibrando nessa linha tênue que os cinéfilos costumam repudiar.
Os três fizeram de tudo no cinema: produção, roteiro, direção etc. Nem sempre foram creditados. Corman era engenheiro de formação. Contudo, foi no cinema que se revelou como faz-tudo. Como diretor, construiu uma carreira independente e lançou atores famosos, como Robert de Niro e Jack Nicholson. Entre os diretores, Corman logo reconheceu o talento de John Landis, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, James Cameron, Tim Burton, Ron Howard, Joe Dante, Peter Bogdanovich e Jonathan Demme. Seu faro era apurado.
Começou sua carreira de diretor em 1954, revitalizando atores já em declínio, como Peter Lorre e Boris Karloff, ao mesmo tempo em que projetava Vincent Price como ator. Tem em seu currículo cerca de 400 filmes, todos eles de baixo orçamento, mas sempre rendendo nas bilheterias. Só um deu prejuízo, segundo ele.
Seu primeiro filme data de 1956, mas não foi creditado. Enquadra-se no gênero ficção científica, já mostrando tendência para o terror. Corman gostava de sangue. Já comentamos a ficção científica “O emissário de outro mundo”, de 1957, com o sangue ocupando o centro das atenções.
Em 1959, ele dirigiu o filme B quase trash “A mulher vespa”. Quem estaria disposto a assistir a um filme de carregação como este? Quem buscaria virtudes na direção dele? Pouquíssimos. Em preto e branco com matizes sépia, o filme tem duração de 73 minutos. A atriz principal é a bela Susan Cabot, que começou sua carreira em 1947 e, ao que tudo indica, a encerra no papel de uma vespa fêmea. Ela é proprietária de uma empresa de cosméticos em decadência exatamente por atuar também como garota-propaganda. É preciso simular que ela é mais idosa do que parece com maquiagem e penteado, pois os efeitos especiais na época eram rudimentares.
O conselho da empresa aponta com delicadeza que a queda nas vendas é responsabilidade dela, sem saber que a própria já havia entrado em contato com um cientista obscuro que estava produzindo um produto rejuvenescedor à base de geleia real de vespa. Janice Starlin (Susan Cabot) contrata o cientista e se oferece como cobaia para suas experiências. Seu nome é Eric Zinthrop. Ela deseja resultados rápidos e injeta mais geleia do que o permitido. O resultado é a morte de algumas pessoas, principalmente de Janice. Abusando do produto, ela se transforma numa vespa assassina que faz com os homens aquilo que as vespas rainhas fazem com os machos depois de fecundadas: mata-os. A caracterização de Starlin, com sua cintura fina, vestidos plissados, seios redondos por conta de sutiãs bojudos, é sofrível.
Era o que se podia fazer na época em termos de efeitos especiais disponíveis a um filme de baixa renda. A década de 1950 revela, nos filmes de ficção científica, os três medos da população norte-americana: a contaminação nuclear, os efeitos colaterais da ciência e ataques de extraterrestres. Este último mais por conta da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética. Em “A mulher vespa”, Corman explora os perigos da ciência. O medo de experiências feitas com a ausência de ética começou no início do século XIX, com “Frankenstein”, de Mary Shelley.
O roteiro pode ser previsível. A mulher vespa morre num final abrupto, como eram os finais dos filmes antigos. O que conta é a direção de Roger Corman. Seus planos fixos são amplos. Ele sabe executar planos-sequência valendo-se de poucos recursos. Por mais rudimentar que seja a câmara, ele faz enquadramentos excelentes, focando bem o objeto de interesse sem trepidação. Os cortes espaciais e temporais aceleram a história sem que ela perca a inteligibilidade.
Roger Corman revela-se um mestre neste e nos filmes seguintes. Em 1960, ele projeta Jack Nicholson em “A pequena loja dos horrores”. O ator iniciara sua carreira em 1958, mas é com Corman que se torna conhecido. O diretor ainda está vivo. Tem 94 anos e se tornou uma memória viva do cinema. A ele, as nossas homenagens. Ele bem as merece.

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