Rumo ao modernismo VI: Villa-Lobos
* Arthur Soffiati 12/09/2019 18:59 - Atualizado em 20/09/2019 13:28
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Não houve, na música erudita, os movimentos parnasiano e simbolista. Passou-se do romantismo ao impressionismo e deste ao modernismo. Pode-se até afirmar que o impressionismo correspondeu relativamente ao simbolismo. Mesmo assim, estaremos forçando um pouco as correspondências.
Na música brasileira, a figura mais importante na transição do romantismo para o modernismo é Alberto Nepomuceno, e não Henrique Oswald como alguns pensam. Com sólida formação musical na Europa, Nepomuceno introduziu temas brasileiros em suas composições e preparou o terreno para o nacionalismo musical. Ele foi dos poucos a reconhecer o valor de Heitor Villa-Lobos num momento em que a maioria dos músicos brasileiros lhe torcia o nariz.
Villa-Lobos nasceu no Rio de Janeiro, em 5 de março de 1887, data incerta. Desde jovem, manifestou fantástica vocação musical, aprendendo a executar instrumentos por conta própria. Embora tenha estudado na Escola Nacional de Música (hoje da UFRJ), Villa-Lobos abriu seu próprio caminho, fazendo experiências com sonoridades e chocando os ouvidos educados.
É curioso que os livros que se propõem a examinar os antecedentes da Semana de Arte Moderna, em 1922, mencionem o nome de Villa-Lobos, mas não realcem seu papel na construção do modernismo brasileiro. Cultura não se resume à literatura e às artes plásticas. A música é fundamental.
Lasar Segall expôs seus quadros em São Paulo e Campinas em 1913 sem causar celeumas. A segunda exposição de Anita Malfatti no Brasil, em 1917, deflagrou uma grita ensurdecedora, mais pela crítica de Monteiro Lobato que pelos quadros propriamente ditos. A inquietação cultural entre jovens já estava pronta para receber informações do modernismo e deflagrar um movimento de renovação. Autores como Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Cecília Meireles e alguns outros já revelavam desconforto com o parnasianismo e com o simbolismo em seus livros lançados antes de 1922. Esses livros eram comentados e criavam polêmicas nos jornais, com detratores e defensores.
E a música? Ela também podia provocar reações violentas quando apresentada. O grande crítico da época foi Oscar Guanabarino, cuja visão conservadora não poupava compositores que não respeitassem os cânones formais. Villa-Lobos chocava com sua liberdade de criação. Contudo, a música só pode ser apreciada quando apresentada por solistas, conjuntos musicais e orquestras, pois não é comum ensinar a escrita musical nas escolas, assim como se ensina a língua oficial, em que os livros são escritos. No início do século XX, a divulgação da música por discos era rara e cara. Discos em 78 rotações exigiam muitas unidades para poucas músicas. Nem sempre eram produzidos no Brasil. Havia necessidade de importação. Hoje, o disco é artigo ameaçado de extinção pelas plataformas virtuais.
Eis as dificuldades para a divulgação musical. Com todas essas limitações, Villa-Lobos compunha copiosamente. Ele considerava a música de Mozart muito infantil, não gostava dos compositores de vanguarda e sofreu influência do impressionismo no início de sua carreira de compositor.
Antes de 1922, Villa-Lobos já contava com muitas composições em seu currículo. Em 1900-1, ele produziu “Panqueca“ (1900) e “Mazurca” em ré maior para violão solo, um dos seus instrumentos prediletos ao lado do violoncelo. A relação das suas obras compostas entre 1900 e 1922 exigiria mais de um artigo. Mencionemos, então, suas principais composições,aquelas que vão credenciá-lo junto aos modernistas: “Suíte para piano” e orquestra (1913), “Concerto nº 1 para violoncelo e orquestra” e “Quarteto de cordas nº 2” (1915), “Sinfonia nº 1”, os poemas sinfônicos “Tédio de Alvorada” e “Danças Africanas” (1916), “Amazonas” e “Uirapuru”, “Quarteto de cordas nº 3 e nº 4” e o famoso “Sexteto místico”, para flauta, oboé, saxofone, harpa, celesta e guitarra (1917), “Dança frenética” e “Trio para piano e cordas nº 3” (1918), as “sinfonias nº 3 e 4”, ambas de 1919, “Sonata para violino e piano nº 3” e “Choro nº 1 para violão” (1920), “Quarteto simbólico”, para flauta, saxofone alto, harpa, celesta e vozes femininas; “Trio para oboé, clarinete e fagote”, “Fantasia em movimentos mistos para violino e orquestra” e a ópera “Malazarte” (1921).
Para piano solo, sua produção foi copiosa: “Danças características Africanas” (1915), “Suíte floral” (1918), “A lenda do caboclo” e as notáveis ”Carnaval das crianças” e “Prole do bebê”, ambas de 1920-21, com forte influência impressionista, mas com um toque brasileiro especial; “A fiandeira” e a primeira versão do bárbaro “Rudepoema”, dedicado ao pianista Arthur Rubinstein (1921).
Em 1922, Villa-Lobos participou da Semana da Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, durante três dias. No dia 13, foram apresentados a “Segunda sonata”, o “Segundo trio”, a “Valsa mística” (simples coletânea), o “Rondante” (simples coletânea), “A fiandeira” e “Danças africanas”. No dia 15, “O ginete do pierrozinho”, “Festim pagão”, “Solidão” e “Cascavel” e “Terceiro quarteto”. Finalmente, no dia 17, “Historietas”, “Segunda sonat”, Camponesa cantadeira” (suíte floral), “Num berço encantado” (simples coletânea), “Dança infernal” e “Quatuor” (com coro feminino).
Villa-Lobos não foi o único compositor moderno interpretado na Semana de Arte Moderna. Junto com suas obras foram apresentadas obras de Debussy, por Guiomar Novaes, e de Eric Satie, por Ernani Braga, o qual também interpretou “A fiandeira”, de Villa-Lobos. O Teatro Municipal de São Paulo foi o primeiro palco erudito a receber as obras de Villa-Lobos.
 
 

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