"Venda do futuro" de Campos repete passado. Até quando?
Aluysio Abreu Barbosa 22/07/2017 22:07 - Atualizado em 25/07/2017 16:02
Campos dos Goytacazes
Campos dos Goytacazes / Rodrigo Silveira
Aos 45 do segundo tempo, o gol jurídico de placa marcado na última quinta (20) pelas procuradorias de Campos e da Câmara Municipal, no campo do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2), salvaram o município de entrar em colapso financeiro. Como evidencia a enquete popular feita pela reportagem da Folha, no Centro e na Pelinca, a maioria dos quase meio milhão de campistas parece ainda não se ter se dado conta da gravidade da situação que seria ter os royalties e Participações Especiais (PEs) descontadas pela Caixa Econômica Federal nos termos pactuados pelos Garotinho, em maio de 2016, na terceira “venda do futuro” do município promovida pelo casal. E a ameaça do caos administrativo, inclusive em serviços públicos essenciais à população, se encontra suspensa só por uma liminar, sem que o mérito da questão ainda tenha sido julgado.
Com um pouco mais de consciência da gravidade do quadro, que pode ser modificada em desfavor de Campos a qualquer momento, os deputados estaduais e federal da cidade felicitaram a decisão momentânea da Justiça. Mas foi, sobretudo, nos depoimentos dos ex-prefeitos de Campos, ouvidos pela Folha sobre a questão, que ficou mais patente: os Garotinho (PR) não legaram o caos financeiro apenas ao governo Rafael Diniz (PPS). Na verdade, desde o primeiro mandato de Anthony Garotinho como prefeito de Campos (1989/92), a despeito da população, eles sempre fizeram isso. Quem dúvida tiver, que leia o artigo do jornalista Ricardo André Vasconcelos, primeiro secretário de Comunicação de Garotinho, publicado na página 4 da edição do jornal Folha da Manhã deste domingo (23).
Sérgio Mendes
Sérgio Mendes / Folha da Manhã
Ricardo também esteve à frente da Comunicação de quem sucedeu ao primeiro governo municipal de Garotinho. O ex-prefeito Sérgio Mendes (1993/97), atual presidente municipal do PPS, partido de Rafael, foi esclarecedor em sua análise:
— Temos que felicitar o sucesso do grupo jurídico que reverteu a decisão no TRF. Eu fui o primeiro a sofrer com essa herança maldita de Garotinho, quando fui prefeito. Depois foi Arnaldo (Vianna), que só conseguiu honrar a folha de pagamento dos servidores, diante do caos financeiro deixado por Garotinho, porque houve na época um recálculo dos royalties. Depois foi Benedita (PT), no Governo do Estado do Rio, quando ele saiu (em 2002) para se candidatar à presidência. Depois foi Sérgio Cabral (PMDB), que sucedeu (em 2007) os oito anos de governo estadual Garotinho e Rosinha. Cabral depois cometeu os erros que todo mundo já sabe, mas também pegou as finanças do Estado arruinadas. Só que todos nós, eu, Arnaldo, Benedita e Cabral, éramos aliados. Aguentamos calados, enquanto tentávamos acertar a bagunça financeira deixada. Sempre digo: Garotinho é um gastador inveterado, um irresponsável. A diferença de todos nós para Rafael, é que ele se elegeu como opositor. O prefeito é uma pessoa séria, que está tomando muitas medidas por necessidade financeira e sendo incompreendido por isso. Isso é uma coisa em Garotinho que eu nunca vou entender: como alguém que deve tudo a Campos, que fez dele e Rosinha prefeitos, que catapultou ambos para serem governadores, pode fazer isso com a sua própria cidade?
Bruno Dauari
Bruno Dauari / Folha da Manhã
Compreensivelmente com uma visão mais branda dos ex-governantes de Campos, dos quais é aliado político, o deputado estadual Bruno Dauaire (PR) aproveitou o alívio da decisão do TRF para lançar algumas cobranças à atual administração municipal:
— São duas notícias que refletem no caixa da Prefeitura: o dinheiro dos royalties, que veio maior este mês (em 21 de julho, na sexta, foram pagos R$ 28,1 milhões de royalties), e a nova decisão sobre o empréstimo da Caixa, o que significa mais dinheiro nos cofres municipais. O reflexo para Campos vai depender das decisões do governo sobre o que fazer administrativamente com essas duas realidades. A folga no caixa poderia, por exemplo, assegurar programas sociais e mesmo retomar os que foram suspensos. Neste momento de agravamento da crise nacional, é importante que as prefeituras minimizem os problemas enfrentados pela população de baixa renda. Meu mandato sempre esteve e continua a serviço de Campos para qualquer luta que for convocado.
Paulo Feijó
Paulo Feijó / Divulgação
Embora esteja cada vez mais afastado politicamente dos Garotinho e próximo do prefeito Rafael, o deputado federal Paulo Feijó (PR) também evitou críticas ao casal que fez a “venda do futuro”, mas comemorou que os termos pactuados pelos dois com a Caixa tenham sido revertidos no TRF 2:
— Neste momento de crise sem precedentes pelo qual passa o Brasil, com o Estado do Rio de Janeiro em estado de falência total e o município de Campos também passando por dificuldades financeiras, sem ter para quem recorrer, vejo essa decisão do TRF como importante para o município ganhar um fôlego financeiro. Se os recursos forem bem aplicados, a cidade bem administrada, veremos os resultados na melhora da qualidade de vida da população, que é o mais importante e nosso principal objetivo.
Gil  Vianna
Gil Vianna / Folha da Manhã
Quem foi bem mais incisivo nas críticas foi o deputado estadual Gil Vianna (PSB). Ele lembrou que, quando era vereador em Campos na Legislatura passada, votou contra todas as três “vendas do futuro” feitas pelos Garotinho:
— Estou muito tranquilo quanto a isso, porque enquanto fui vereador em Campos, mesmo sendo do PR, votei contrário a essa decisão da ex-prefeita Rosinha, de adquirir empréstimos. Votei contra todos os três, porque já previa que o futuro seria assim: esse desastre econômico. Hoje, o prefeito está sendo obrigado a tomar medidas drásticas, também em relação aos projetos sociais, inclusive, porque a cidade precisa de um choque de gestão. Quase 20 bilhões rolaram na cidade (nos oito anos de governo Rosinha) e, mesmo assim, muita coisa foi encontrada abandonada. A cidade não pode parar. Precisamos confiar no prefeito, ter paciência e esperar, porque seu grupo está com muita vontade de trabalhar. Enquanto deputado que sou, que amo minha cidade, estou aqui para apoiar suas medidas. O casal Garotinho enganou o povo e os vereadores com promessas vazias e afundou a cidade.
Roberto Henriques
Roberto Henriques / Divulgação
Como Bruno, quem também aproveitou do momento do alívio momentâneo com a vitória jurídica, para dar alfinetadas no governo municipal, foi o ex-prefeito (de março a abril de 2008) Roberto Henriques. Ele citou a atuação do procurador da Câmara Municipal, Robson Maciel Junior, fundamental na reversão a favor de Campos no TRF 2, como exemplo a ser seguido:
— No senso comum, a informação era a de que as parcelas de pagamentos à Caixa Econômica nunca ultrapassariam 10% dos valores mensais dos royalties, bem como das Participações Especiais. Esta era a convicção dos nossos munícipes, disso tenho certeza. Qualquer outro valor acima, nos leva a crer que a sociedade foi vítima de uma mentira da PMCG, da Câmara Municipal e da Caixa Econômica no ano de 2016. Torço para que os tribunais superiores confirmem a última decisão do TRF/RJ. Torço também que os alaridos emocionais sejam substituídos por ações objetivas,como a última, liderada pelo Dr. Robson, procurador da Câmara Municipal. Os problemas da entropia na administração pública são resolvidos com a entropia negativa, maturidade e apreço por nossa Campos.
Nelson Nahim
Nelson Nahim / Rodrigo Silveira
Como Sérgio Mendes e Gil Vianna, quem também centrou fogo nas atitudes administrativas tomadas por Garotinho no governo rosáceo, foi seu próprio irmão. Ex-presidente da Câmara Municipal e ex-prefeito (de junho a dezembro de 2010, na primeira cassação de Rosinha), Nelson Nahim vê “deslealdade” no caos financeiro legado pelo irmão e a cunhada:
— Foi feito justiça. Não só em relação à questão municipal, mas com a população da cidade. Esse empréstimo, essa operação de crédito, seja lá como for que se chama, é uma afronta absurda à própria legislação que a autorizou. E isso ficou demonstrado pela Prefeitura e a Câmara ao desembargador, para que ele revisse essa decisão. Quem sairia perdendo é a população, que poderia deixar de ser atendida em todas as áreas. Acho que as forças políticas de Campos, independente da questão partidária, deveriam estar preocupadas com a população. Infelizmente, não é isso que a gente tem visto, principalmente por parte de quem fez essa “venda do futuro”. Essa história de quanto mais problemas se tem, mais se fica descontente com a atual administração, para tentar atenuar os ressentimentos de quem teve uma derrota eleitoral, isso é uma coisa absurda! É uma criancice! Tenho visto o prefeito Rafael Diniz emprenhado na busca de melhorar suas receitas próprias. Mas com esse desconto absurdo que seria feito pela Caixa Econômica Federal, é impossível para qualquer gestor tocar uma prefeitura com o tamanho da de Campos, que já teve uma queda violenta no seu orçamento, de um ano para o outro, e ainda herdou uma série de dívidas. A gente espera que não haja modificação em instâncias superiores. Porque senão será o caos para a Prefeitura. Será o caos, principalmente, para a população. Essa “venda do futuro” foi feita de forma absurda e desleal. A população da cidade não pode ser atingida por uma atitude tão desleal.
Deputado Estadual João Peixoto
Deputado Estadual João Peixoto / Rodrigo Silveira
Quem também pregou união para enfrentar as dificuldades financeiras enfrentadas por Campos, foi o deputado estadual João Peixoto (PSDC). Ele comemorou a decisão do TRF, mas, fiel ao seu estilo, evitou críticas diretas ao casal que legou essa situação ao município:
— A decisão favorável ao município de Campos dos Goytacazes, proferida pelo desembargador Marcelo Pereira da Silva, do TRF da 2ª Região, é uma vitória de toda a nossa sociedade. Caso esse recurso não fosse provido, traria enormes prejuízos ao erário, comprometendo o orçamento municipal e causando uma crise sem precedentes. No momento em que nos encontramos, com o cenário político, econômico e financeiro tão desfavorável, ficaria quase impossível para o nosso município, que tem a sua principal fonte de arrecadação nos royalties e Participação Especial da extração de petróleo, cumprir os seus compromissos a contento. É um grande desafio que ainda temos pela frente, mas com trabalho, perseverança e comprometimento de todos, venceremos essa batalha.
Alexandre Mocaiber
Alexandre Mocaiber / Folha da Manhã
Se também evitou analisar diretamente as causas da situação econômica difícil de Campos, o ex-prefeito Alexandre Mocaiber (PSB) celebrou a reversão dos termos dos Garotinho na cobrança da “venda do futuro”. Ele endossou as palavras do procurador do município, José Paes Neto, ao projetar no que se transformaria da cidade, se não fosse a vitória no TRF:
— Estou focado na Medicina e afastado da política. Mas, como alguém que vive e trabalha em Campos, acompanhei pela imprensa essa batalha jurídica da “venda do futuro”. Acho que não há campista que não tenha ficado mais esperançoso com essa vitória no TRF. Os procuradores do município e da Câmara conseguiram reverter uma coisa que prometia ser o caos para nossa cidade. Foi uma aliança exitosa pelo bem estar da população. Estão todos de parabéns: prefeito, procuradores e presidente da Câmara. Se não conseguissem reverter isso, Campos realmente corria o risco de se tornar o segundo Estado do Rio, como o procurador José Paes tinha advertido na entrevista que deu à Folha.
Geraldo Pudim
Geraldo Pudim / Divulgação
Ainda que sem citar José Paes, o deputado estadual Geraldo Pudim parece ter ecoado o que o procurador disse à Folha na quinta, logo após sua vitória no TRF: “é, sem dúvida, um fôlego para podermos arrumar a casa e tentar negociar com a Caixa uma solução amigável”. Com outras palavras, Pudim advertiu no mesmo tom:
— Torço muito para que a Procuradoria e o prefeito consigam manter o que defendem, por se tratar de benefício financeiro de uma cidade de aproximadamente 500 mil habitantes. Porém, há de se preparar para uma longa batalha, porque do outro lado está nada mais, nada menos, que a Caixa Econômica Federal. Mesmo não conhecendo os termos do contrato, há de se destacar que houve um ato jurídico imperfeito, com quebra de cláusula contratual. No meu entendimento é muito melhor um acordo entre as partes do que uma briga jurídica a levar um longo tempo, tendo em vista a decisão provisória do TRF. Torço para que prevaleça o interesse público em benefício do povo de Campos.
Arnaldo Viana
Arnaldo Viana / Folha da Manhã
Outro aliado de Garotinho convertido em desafeto, o ex-prefeito Arnaldo Vianna (PMDB) não aliviou nas críticas a quem considera culpado pela situação precária do município. Se a “venda do futuro” nos termos de Rosinha ainda pode condenar toda a cidade até maio de 2026, quando termina o pagamento dos R$ 1,3 bilhão da dívida feita com a Caixa, Arnaldo confirmou Sérgio Mendes e o compositor Cazuza, que cantou “eu vejo o futuro repetir o passado”:
— Em primeiro lugar temos que parabenizar às equipes jurídicas, do governo e da Câmara, que trabalharam para virar isso. O presidente da Câmara, vereador Marcão, teve atuação fundamental nessa questão. A situação já está terrível sem a “venda do futuro”, mas ficaria muito pior. Desde a época da primeira “venda do futuro” (em 2014, seguida de outras em 2015 e 2016), já alertávamos que era uma operação que traria grandes problemas à cidade. E ainda não há nada definitivo. A Caixa pode recorrer. Mas foi uma grande vitória. Agora, tem que ser consolidada. Rafael tem uma grande equipe, mas faltam recursos. A gente vê nessa história uma repetição do passado. Quando era vice-prefeito (em 1994) e assumi o mandato de Garotinho, que saiu para se candidatar a governador, também peguei uma Prefeitura quebrada. Na época, Garotinho não empenhou os royalties, porque ainda não podia, mas tinha comprometido as receitas próprias do município. Mas houve uma mudança na lei dos royalties, entrou um recurso extra e conseguimos dar a volta por cima. Agora, no governo Rafael, alguns falam que é falta de experiência. Não! É falta de recursos. Espero que a população não se esqueça de quem fez isso com Sérgio Mendes, fez comigo, fez com Rafael. O que é mais grave nisso tudo, fez isso com todos, só deixou arrasada por onde passou, e ainda tem o descaramento de dizer que é a única pessoa que fez tudo certo. Só que Garotinho sempre errou. Errou com a cidade de Campos.

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