Polêmica com obra gera movimento para preservar Cavalhada de Santo Amaro
Dora Paula Paes 29/05/2021 10:06 - Atualizado em 30/05/2021 13:15
Obras no entorno e no santuário de Santo Amaro
Obras no entorno e no santuário de Santo Amaro / Rodrigo Silveira
No distrito de Santo Amaro, em Campos, após meses de polêmica, se cabia ranhura quanto à obra no entorno da Igreja, que poderia ameaçar de imediato a evolução dos cavaleiros (mouros e cristãos) da Cavalhada de mais de 300 anos. A princípio a batalha teve uma trégua. Como se trata de legado histórico, não é tão simples. A proposta é que o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) faça tombamentos necessários para garantir a história material e imaterial da área. Dona do espaço, a Diocese de Campos não se opõe.
O alerta para se preservar o espaço da Cavalhada começou com uma obra do pároco da Igreja, o padre Alcemar, que demoliu o vestiário do campo de futebol da localidade. Posteriormente, cercou a área onde acontece o evento e ainda fez uma bonita cerca ao entorno da praça de brinquedos. Inicialmente, a cerca não afeta as manobras dos cavaleiros. Mas, existe outro embate: o Santuário estaria querendo mudar o horário da apresentação das 15h para às 18h, que para organizadores é impraticável. O evento acontece no dia da festa de Santo Amaro, em 15 de janeiro.
No início de maio, a pesquisadora e escritora do livro “A Cavalhada de Santo Amaro: Uma Tradição da Baixada Campista”, Gisele Gonçalves, encaminhou ao Coppam um ofício expondo a preocupação que também é compartilhada pela Comissão da Cavalhada de Santo Amaro.
No ofício, ela expõe a preocupação da comunidade com obras no Santuário de Santo Amaro. “Uma delas foi demolir o vestiário do time de futebol. Esta obra foi realizada no campo onde se apresenta a Cavalhada. A comissão da Cavalhada está apreensiva com a possibilidade de novas obras no campo, pois, para que a apresentação desta aconteça, é necessário que o espaço, as dimensões do campo sejam preservadas em sua totalidade”, escreveu.
— Até o momento com as obras realizadas, as manobras da Cavalhada não foram afetadas, mas meu manifesto é uma solicitação urgente de proteção do campo de apresentação, entorno da Praça, fachada da igreja e um apelo para que exista um diálogo e um respeito à cultura e história de Santo Amaro — ressalta Gisele.
Obras no entorno do santuário de Santo Amaro
Obras no entorno do santuário de Santo Amaro / Rodrigo Silveira
Na tarde de quinta-feira (27), a área ao redor da Igreja de Santo Amaro estava vazia. O casario, na outra margem da RJ 216, fechado, tinha apenas um armazém aberto e um quiosque de beira de estrada. Quem foi questionado sobre a problemática, respondeu que a "rusga" é coisa do passado e "tudo foi resolvido".
A maior movimentação era na frente da igreja, com trabalho de pintura. Além do pintor, estava no local Miguel de Carvalho, Capitão da Cavalhada por muitos anos, mas que passou ao filho a missão. Ele confirmou que nada do que foi feito até o momento atrapalha a Cavalhada, que não aconteceu esse ano em decorrência da pandemia da Covid-19. "A história da cerquinha do parquinho criou uma polêmica, mas, acredito eu, já resolveu. Tá bonitinha a cerca, as crianças ficam em segurança", disse ele.
Também tem quem defenda as obras. "Sempre que o padre fala em melhorias na Igreja tem quem não goste e procure desavenças. Ele já construiu um salão maravilhoso. Mas, a maioria das pessoas não gosta. Ele fez a cerca, mas deixou entradas", disse Vera Lúcia Pessanha, que ajuda no cuidado da Igreja. A Folha não conseguiu contato com o padre Alcemar para falar da demanda e saber se ele tem outros projetos.
Aberta a possibilidade de tombamento
Obras no entorno do santuário de Santo Amaro
Obras no entorno do santuário de Santo Amaro / Rodrigo Silveira
Se depender do bispo da Diocese de Campos,Dom Roberto Francisco Ferrería Paz, a Igreja não se oporia ao tombamento do conjunto cultural de Santo Amaro. "A Igreja é a principal mecenas e conservadora dos bens culturais. A Cavalhada não surgiu como uma flor num vale. A Cavalhada surgiu justamente como uma forma de homenagear Santo Amaro. Tombar a Cavalhada, mas tombar a Festa de Santo Amaro também. Os historiadores devem ter a preocupação de guardar a harmonia do conjunto e a Igreja não se opõe a isso", disse ele.
Segundo Dom Ferreria, a questão que gerou polêmica no distrito, não teve a Cavalhada como foco. "A Cavalhada é secular e tem uma representação histórica de conflito religioso, que graças a Deus, hoje representa o desenlace mais bonito, porque as culturas são evangelizadas também. Nós não cultuamos a Cavalhada de guerra contra os irmãos islâmicos. Nós, como Igreja, temos a responsabilidade de mostrar que a Igreja hoje e mesmo nos tempo das Cruzadas sempre tratou de defender a possibilidade do diálogo e da convivência pacífica entre as culturas", disse.
Os representantes recém empossados do Coppam realizaram no último dia 25 a primeira reunião virtual. Dentre as questões debatidas, destaca-se a solicitação de intermediação do colegiado quanto a obras que estariam ocorrendo no local onde é realizada a Cavalhada de Santo Amaro.
"O tema foi pauta e foram retirados os encaminhamentos dos conselheiros, que já estão sendo devidamente providenciados. O caminho adotado será a do diálogo e a do entendimento com as partes envolvidas para acolhimento e preservação desse patrimônio. Destaca-se que a Cavalhada já é reconhecida inclusive pela Lei Orgânica do Município, portanto precisa ter o devido cuidado com toda e qualquer possibilidade de alteração em sua execução", diz notado Conselho.
A historiadora, Sylvia Paes, explica que "a festa de Santo Amaro não é mais da Igreja, é dos campistas e faz parte dela a parte religiosa e profana". E para preservar a Cavalhada basta pedir um registro através do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), através do Ministério Público. "É possível sim, um movimento neste sentido", conclui.

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