Na Ribalta: A geração Trianon
- Atualizado em 09/10/2020 15:04
O teatro feito há 100 anos era bem diferente do que é hoje. Antes da difusão do cinema falado, da televisão e mais recentemente da internet, o teatro era um dos grandes centros em torno do qual se agitava a vida social de uma cidade como o Rio de Janeiro. Prova disso é que se faziam espetáculos todos os dias da semana, com duas ou até três sessões nos dias mais concorridos! Com uma grande rotatividade de peças em seu repertório e a necessidade de sobreviver unicamente da bilheteria (nessa época também não havia patrocínios nem leis de incentivo), a necessidade de se montar uma peça em uma semana, com ensaios de dia e apresentações à noite e sem nem um dia de descanso, acabou sedimentando um estilo de teatro, onde os atores contavam com a ajuda de um ponto, por exemplo, que assoprava as falas baixinho.
Esse é o tema do espetáculo “Geração Trianon”, texto de Anamaria Nunes. Premiado na sua primeira montagem em 1988, narra as peripécias de uma companhia teatral dos anos 20 para montar um espetáculo, às voltas com dificuldades de toda ordem, como o empresário que só pensa no lucro, os ataques e privilégios das estrelas da companhia, e atores amadores lutando por um espaço no teatro profissional. O resultado, além de uma aula de história, é uma comédia onde o público se acaba de rir das confusões e trapalhadas dessa gente que foi e é tão apaixonada pelo que faz.
O interessante é que tudo o que está no texto realmente aconteceu na época em que o Teatro Trianon, que dá nome à peça, viveu o auge de seu sucesso. O texto foi escrito em colaboração com a pesquisa do grupo de atores que participou da montagem original, numa versão que é sempre lembrada com muito carinho por quem assistiu.
A peça "Geração Trianon”, de Anamaria Nunes, leva ao palco um pouco do que foi o teatro brasileiro nas décadas de 1920-30. O espetáculo aborda uma fase do teatro brasileiro que, aos olhos de hoje, parece até mesmo irreal.
O Teatro Trianon, inaugurado em 1915, no Rio de Janeiro, possuía plateia, galeria, balcão nobre, balcão simples, fosso de orquestra, tudo isso para receber as centenas de espectadores que para lá acorriam diariamente. Se, para uma produção atual, cem pagantes é uma excelente casa, para as produções do Teatro Trianon representava um fracasso extraordinário e fazia com que, já no dia seguinte, um novo espetáculo subisse à cena. Os espetáculos se dirigiam a uma plateia popular e numerosa, frequentadora assídua, que ia ver seus atores favoritos representando histórias que fantasiavam, apimentavam ou simplesmente copiavam do cotidiano. Assim, se o teatro estava vinculado ao seu público, e este ao ator da companhia, nada mais natural que todo o teatro girasse em torno de atores como Procópio Ferreira, Leopoldo Fróes, Jaime Costa, Lucília Peres. Os textos da época, além de brasileiros, tratavam de fatos ao mesmo tempo atemporais (amores e quiproquós) e circunstanciais.
Durante a década de 1930, esse teatro começara a perder público gradativamente e, com isso, a se enfraquecer. Por um lado, a censura impede as referências políticas que apimentavam não tanto as comédias do Trianon, mas as revistas, burletas e outros estilos inspirados no teatro popular francês e adaptados para o Brasil. Por outro lado, o cinema começa a concorrer, enquanto entretenimento, com as comédias. Já na década de 1920, os amadores, os dilettanti — palavra vinda do italiano e que designava aqueles que, com dedicação e profissionalismo, mas sem compromisso de mercado, tinham chance de renovar a cena e acabar como o monopólio do teatro comercial.
Mas as influências da geração Trianon durarão muitos anos e deixarão resquícios na ética do ator brasileiro.
A Cidade de Campos dos Goytacazes teve o seu Cine-Teatro Trianon, que era formado de 156 frisas, 554 cadeiras na plateia, 290 balcões, 38 camarotes e 610 gerais para comportar 1.800 espectadores. A coxia tinha 25 camarins, sendo dois muito luxuosos, para os artistas de maior renome. O Trianon contava com um moderno sistema de coxias, onde era feito o movimento do palco.
A obra foi considerada arrojada, e o Trianon, na época, foi considerado um dos grandes espaços culturais do país, pelo seu tamanho e arquitetura luxuosa. No dia 27 de junho de 1975, a população campista acordou e não mais encontrou aquele imponente prédio; sua demolição já havia sido consumada na calada da noite por interesse do Banco Bradesco. Dias antes, no dia 17 de junho, a Associação Norte Fluminense de Engenheiros e Arquitetos tinha enviado ao então prefeito José Carlos Vieira Barbosa um protesto tentando sensibilizá-lo para que ele fizesse alguma coisa para impedir que aquele patrimônio histórico caísse nas mãos de especuladores. Algumas instituições se mobilizaram e começaram a cobrar do Banco Bradesco o cumprimento do Decreto-Lei nº 7.959 de setembro de 1945, que dizia: “todas as entidades que descaracterizarem, demolirem ou despersonalizarem uma casa de espetáculos teatrais estariam obrigadas a construírem uma similar”. A Fundação Bradesco não se intimidou com a legislação, se negando a cumpri-la, alegando falta de recursos. Até que, em 1989, o então prefeito Anthony Garotinho consegue angariar recursos para o início da obra do novo Trianon. Os engenheiros responsáveis pelo novo Trianon foram Roosevelt de Oliveira Batista e o arquiteto José Luís Maciel Púglia. Havia sido feito um projeto pelo arquiteto Oscar Niemeyer, porém a Prefeitura não dispunha de mais recursos para a execução da obra proposta por Niemeyer. Foi então escolhida uma área de 10 mil metros quadrados na rua Marechal Floriano, próxima ao Centro de Campos dos Goytacazes, norte do estado do Rio de Janeiro, para a construção do atual Teatro Municipal Trianon.
O nome Trianon tem como origem uma aldeia da zona de Paris que Luís XIV mandou demolir para construir um palácio para estar mais em família. É assim que hoje temos dois edifícios, o Grand Trianon e o Petit Trianon. Trianon também é o nome de um parque inaugurado no dia 3 de abril de 1892 na cidade de São Paulo, um ano após a abertura da avenida Paulista. Foi projetado pelo paisagista francês Paul Villon e inaugurado pelo inglês Barry Parker. O nome Trianon foi dado por conta da existência do restaurante Trianon, inaugurado em 10 de junho de 1916, criado e fundado pelo imigrante italiano Vicente Rosatti nas dependências do Belvedere, localizado em frente ao parque, onde hoje está situado o Museu de Arte de São Paulo.

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