Na Ribalta: Namíbia Não!
Fernando Rossi 11/09/2020 20:02 - Atualizado em 11/09/2020 20:03
Prêmio Jabuti de Literatura “Ficção Juvenil” 2013 no Projeto Leituras Santas, na próxima quarta-feira (16), às 20h, no Instagram @santapacienciacasacriativa. Os atores campistas Alexandre Ferram e Arnaldo Zeus Neto vão estar na live levando o texto do Aldri Anunciação, nascido em Salvador em 17 de julho de 1977. Aldri transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde concluiu o bacharelado em Teoria Teatral pela Universidade do Rio de Janeiro (Unirio). Como ator, vem desenvolvendo trabalhos no cinema, no teatro e na televisão.
"Namíbia, não!" é seu primeiro texto publicado, com o qual foi agraciado com o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria “Ficção Juvenil”, em 2013. O espetáculo estreou em 17 de março de 2011, sob a direção de Lázaro Ramos, tendo no elenco, como protagonistas, o próprio autor Aldri Anunciação e o ator Flávio Bauraqui.
A peça tem como objeto de enunciação a vida do negro, mas aqui, diferentemente de outros textos representantes da dramaturgia negra, este sujeito não está representado sob o olhar de classe dos menos favorecidos da sociedade brasileira. As personagens trazidas para a cena são dois primos, André e Antônio, advogados que pertencem à classe média. Eles tiveram acesso à educação, têm reconhecimento social, mas são surpreendidos por uma Medida Provisória do Governo Brasileiro que obriga a todos os cidadãos com características que indiquem uma ascendência africana — no texto nomeados como “sujeitos com melanina acentuada” — a regressarem a seus pretensos países de origem. Todos devem ser capturados e devolvidos às nações de África, sob o pretexto de “corrigir” o erro histórico da escravização dos africanos nas terras brasileiras. A história recebe uma leitura futurista, pois, segundo as orientações do autor, as ações do texto devem passar cinco anos adiante do tempo atual de sua montagem.
É interessante observar que o autor propõe com seu texto uma leitura crítica sobre a situação dos negros no país, e, neste caso, a questão do preconceito não se limita aos pobres. Busca-se demonstrar que a discriminação não se centra somente entre a população negra das periferias.
A peça evita, consequentemente, elementos folclóricos do morro, do afrossincretismo, do carnaval, mas também não entra no campo da sexual otherness, de certas construções de virilidade e de feminilidade. Ela não se define dentro do esquema da alteridade e da diferença cultural. Ao contrário. Os dois protagonistas funcionam perfeitamente na sociedade, eles representam a normalidade. A diferença se reduz unicamente à cor. A cor é o crime! Esse fato real-simbólico aumenta o medo dos antagonistas, que define a ameaça para o sistema estabelecido
Aldri Anunciação não se detém nos aspectos geralmente comuns quando se trata do teatro negro, ou seja, o texto não se atém ao relato da situação das personagens que vivem nas periferias ou à questão das religiões afro-brasileiras, outro elemento que costuma aparecer nas peças com a temática negra. Anunciação propõe uma reflexão sobre o lugar do negro na sociedade contemporânea, e isso é feito a partir de uma visão irônica e, algumas vezes, até cômica.
A crítica está no fato de que hoje em dia já não temos contato com as nações de África, muito menos sabemos a origem das populações negras e de nossos ancestrais. O discurso assume um tom de contestação que nos faz voltar o olhar para nós mesmos e para a relação com a quantidade de melanina que possuímos em nossos corpos e que, muitas vezes, determina o lugar de pertença social de milhões de brasileiros.
O texto de Aldri Anunciação revela várias reflexões que são caras para o teatro negro brasileiro e, sem sombra de dúvida, merece ser lido, estudado e divulgado por aqueles que se dedicam aos estudos afro-brasileiros. IMPERDÍVEL

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