o filho de Olavo
- Atualizado em 23/07/2020 00:24
O filho de Olavo
Cândida Albernaz
Estava cismado com as reticências de Maria Regina.
Fazia pouco tempo ela vinha se chegando como quem não quer nada. Soltava uma frase aqui ”Não sei o que há com a Terezinha...”, outra ali “Terezinha não tem aparecido na rua...”.
Ele que já a conhecia bem, não costumava dar ouvidos às fofocas que fazia, mas ela estava insistindo “coitado do Antônio, tem parecido tão triste...”.
À tarde, enquanto limpava o balcão e retirava os últimos copos que estavam sobre ele, Maria Regina entrou:
- Ué, vai fechar mais cedo?
- O movimento está fraco.
Jogou o pano que usava sobre o ombro e virou-se para a pia onde abriu a torneira e lavou pratos e copos.
- Viu Terezinha?
- Faz uns dias que não a vejo. O Antônio foi quem esteve aqui no bar outro dia.
- Eu sei porquê ela não tem aparecido. Aliás, nem aqui nem em lugar algum.
Ele agora arrumava as prateleiras de bebida e verificava a temperatura do freezer.
- Você conhece a viúva de Olavo, não?
- Claro. Todo mundo conhece todo mundo nessa cidade imensa em que moramos.
Estava sem paciência com aquela conversa. Queria sossego. O dia foi difícil e principalmente não rendeu muito.
Ela fingiu não perceber a ironia em sua voz e continuou:
- Então. A viúva andou espalhando que o segundo filho de Terezinha era de Olavo, que antes de morrer contou a ela e pediu perdão.
Ele parou o que estava fazendo. Não sabia se acreditava ou não. Antônio era seu amigo e afilhado de casamento.
- De onde você tirou esta história, Maria Regina?
- Não tirei de lugar nenhum, não senhor. É o que estão dizendo.
- Quem estão?
- Ah! Nem lembro quem contou, mas parece que é verdade. A viúva até deu uma coça nela chamando de sem-vergonha e mulher safada. Terezinha está trancada em casa com a cara inchada de apanhar. E de chorar também.
- Maria Regina, isto é sério!
- Eu sei e não sou mulher de ficar inventando coisa. Já reparou que o segundo filho deles é moreninho? Todo mundo é louro naquela casa. Na época disseram que parecia com o avô de Antônio. Sei! Se você reparar bem, é a cara de Olavo. Até a pinta do lado do nariz o garoto tem igual.
Ele ficou pensando em Antônio. Era doido pela mulher.
- Disseram que trancou Terezinha dentro do quarto. Não sai nem para comer. Você acha que ele a coloca para fora? Ou faz coisa pior?
- Chega, preciso fechar. É melhor você ir para casa.
Ela saiu andando e resmungando que não contaria mais nada a ele. Só estava querendo ouvir uma opinião.
Pensou que se tudo o que ela falou for verdade, o casal necessita de ajuda. Como faria? Antônio, homem fechado que não costumava se abrir com ninguém. Os dois eram amigos desde criança e mesmo sem falar muito, um conhecia bem o outro. Sabia também que por maior que fosse o coração de Antônio, quando a raiva explodia, ele podia assustar quem estivesse por perto.
Precisava encontrar o amigo. Resolveu primeiro passar em casa para tomar um banho e jantar enquanto decidia como faria. Mais tarde foi bater na porta de Antônio.
Demorou para que abrissem. O menino à sua frente tinha o rosto assustado. Olhou bem e reparou na pinta e no cabelo bem preto e liso. Como o de Olavo.
- Seu pai, onde está?
Não respondeu. Fitou-o como se pedisse ajuda. Afastou a porta e segurando a mão do garoto de cinco anos, pediu que o levasse até o pai.
Foram andando pelo corredor estreito e em frente ao que imaginava ser o quarto do casal, que estava fechado, pararam.
- Antônio está aí dentro?
Ele acenou com a cabeça afirmando.
- E sua mãe?
Os olhos do menino encheram-se de água.
- Está dormindo. Papai brigou com ela, gritou muito e então ela fechou os olhos.
- Como assim? Sua mãe foi dormir a que horas?
- Não sei, acho que foi ontem de manhã. Quando acordei, eles brigavam e mamãe chorava muito. Depois eles ficaram quietos e eu abri a porta. Vi papai colocando minha mãe na cama. Já estava dormindo e ele não me deixou falar com ela. Pediu para não fazer barulho e sair dali.
- Você não falou mais com Terezinha?
- Não.
- E seu pai, o que ele disse depois a você?
- Nada. Sentou na cadeira do lado da cama e está lá até agora.
Abriu a porta do quarto. Havia uma mancha escura no peito de Terezinha que continuava em volta dela sobre o lençol. Antônio, sentado na cadeira pareceu não perceber que havia mais alguém ali.
Aproximou-se dele que sem se virar disse:
- Tire-a daqui e me leve junto. Acabou.
 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Candida Albernaz

    [email protected]