Fazer do NF um "Texas do Brasil"
Aluysio Abreu Barbosa e Arnaldo Neto 14/09/2018 20:26 - Atualizado em 17/09/2018 15:39
A transposição do rio Paraíba do Sul ao rio Guandu, para abastecer o Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense, pode comprometer toda a água até 2030. O alerta foi feito pelo candidato a governador Marcelo Trindade (Novo), que apontou a busca de outras fontes de água e a limitação da sua captação no Paraíba, para preservar o rio que formou e corta Campos. Ele demonstrou conhecimento de outras questões locais. Falou sobre o potencial logístico do Porto do Açu e da captura das universidades estaduais, incluindo a Uenf, “por uma esquerda fundamentalista que não se pauta pelo interesse público”. Em parceria com a iniciativa privada, reduzindo a atuação do Estado às áreas de saúde, educação e segurança, ele aposta em transformar o Norte Fluminense, rico em petróleo, num “Texas do Brasil”.
Folha da Manhã – Presidenciável do seu partido, João Amoêdo fala em privatizar até o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. Sem tantos ativos à disposição, o senhor promete privatizar a Cedae e a gestão das rodovias estaduais. Restringir a administração pública a saúde, educação e segurança, é a solução? Por quê?
Marcelo Trindade – É só olhar para nossos hospitais, nossas escolas e prisões para encontrar a resposta. O Estado inchado transfere para poucos privilegiados o dinheiro da população que mais precisa. Dinheiro público bem aplicado é quando garante às famílias bons serviços de Saúde, Educação e Segurança. O Estado é incompetente como ator econômico, não deve tirar o espaço da iniciativa privada, geradora de emprego e renda, nem criar cabides de emprego que o povo não suporta mais pagar. São privilégios estarrecedores de um Estado que não dá a menor importância à gestão, nem tem qualquer zelo pelo dinheiro da população. Ninguém aguenta mais isso. Deus nos livre de seguir neste caminho.
Folha – Na última pesquisa Datafolha divulgada em 22 de agosto, o senhor teve 2% de intenções de voto. Ao analisar o resultado, disse que miraria no eleitor indeciso. Mas na consulta seguinte do mesmo instituto, divulgada em 6 de setembro, caiu para apenas 1%. Nessa campanha de tiro curto, sem participar dos debates, ainda dá para decolar?
Trindade – Na pesquisa mais recente do Ibope aparecemos com 2% e empatados tecnicamente com quase todos os mais conhecidos. Não há atalhos para chegar lá. É preciso falar a verdade e apostar na vontade de mudança. Os políticos criaram regras eleitorais draconianas para impedir a renovação. Foi um escárnio limitar a 4 segundos a participação de partidos como o Novo no programa eleitoral. Mesmo assim, nossa mensagem se espalha com força pelas redes sociais, porque vai ao encontro do anseio da população, que não aguenta mais ver o dinheiro público escoando pelo ralo, gasto com uma minoria privilegiada. Vamos chegar lá e dar ao eleitor fluminense a chance de um segundo turno qualificado, com propostas sérias da nossa parte, não demagógicas, para tirar o Rio de Janeiro do buraco no qual o PMDB nos jogou.
Folha – Líder isolado nas pesquisas, Eduardo Paes foi seu aluno de Direito na PUC. Como foi a experiência? E que conceito tem dele como prefeito do Rio e candidato a governador?
Trindade – Ele já era prefeitinho da Barra da Tijuca, então não aparecia muito na aula. Mas sempre gostei quando um aluno foi para a política, me dava esperança de mudança. Infelizmente, não foi o caso. Ele se tornou um político tradicional. Como prefeito do Rio, teve uma quantidade de dinheiro que nunca outro prefeito teve, em função da Olimpíada e do repasse de verbas pelos governos do PT. Como candidato a governador agora, negociou e reuniu as mesmas forças que governam o Rio desde 2006 e nos jogaram na maior crise da história, com o maior índice de desemprego do país e pouca esperança no futuro.
Folha – Entre 2004 e 2007, o senhor foi presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, por indicação do então ministro da Fazenda Antônio Palocci. Como foi sua relação com ele e como vê sua prisão? É o tipo de ligação para quem se anuncia como outsider da política?
Trindade – Antes disso, entre 2000 e 2002, fui diretor da CVM indicado pelo ministro Malan, e foi a reputação que adquiri naquela passagem que me qualificou para a presidência, para a qual fui convidado por Marcos Lisboa e Bernard Appy, duas pessoas que eu não conhecia e por quem passei a nutrir uma grande admiração. A CVM sempre foi um órgão técnico, sem nomeações políticas. É um exemplo para o Brasil. Quanto ao ministro Palocci, posso apenas dizer que sua relação com a CVM foi de respeito à independência e ao orçamento da autarquia e sem nenhum incidente que indicasse o que agora ele revela em relação a outros aspectos de sua passagem pelos governos Lula e Dilma.
Folha – Se eleito, o senhor terá que lidar com uma Assembleia Legislativa que deve continuar representando o que há de mais fisiológico na política. Como ter governabilidade sem ceder ao “toma lá, da cá”, que não começou com Jorge Picciani (MDB), mas dificilmente acabará depois dele?
Trindade – Se o Novo derrotar a velha política e eleger o governador, o recado do povo aos políticos será muito forte. E político não é bobo, sabe ler as urnas. Terão de mudar as práticas, dar satisfação ao eleitor. Eu divido a futura Alerj em três turmas. A primeira é de deputados sérios eleitos por essa demanda por ética. Na outra ponta estará o grupo que não tem jeito, que põe o interesse privado acima do público, incluindo os bandidos. Entre os dois extremos, estão aqueles que vão para onde o vento soprar. Ele soprará em uma direção diferente. É claro que aceitaremos indicações para cargos no governo, até porque nenhum partido tem todos os quadros necessários, mas isso não se confunde com aceitar gente desqualificada ou indicações não técnicas. Nomearemos apenas pessoas capacitadas, de preferência servidores públicos com capacidade de gestão.
Folha – Até o domingo (09), sua campanha havia recebido R$ 975.360,00, conforme constava no DivulgaCand. Do total, 68% (R$ 665 mil) são de recursos próprios. Com esse modelo de financiamento, alguns candidatos não saem prejudicados? Não é uma forma do poder econômico interferir no pleito?
Trindade – Se você olhar as outras campanhas, todas arrecadaram muito mais, mas tudo ou quase tudo de dinheiro público dos fundos partidário e eleitoral. O Novo é contra esse modelo, que leva à troca da filiação de deputados para assegurar tempo de TV por promessa de dinheiro para a eleição. Eu venho do mercado de capitais e, na nossa cultura, quem pede dinheiro para investidores coloca o próprio dinheiro junto, para alinhar os interesses e mostrar compromisso. Mas eu, pessoalmente, sou a favor de, além de acabar com o dinheiro público nas eleições, limitar as doações a R$ 50 mil, ou algo assim. Com isso diminuiríamos ainda mais os custos das campanhas, acabaríamos com a baganha e equilibraríamos o jogo entre os candidatos, que pediriam votos e exporiam seus programas pessoalmente ou pelas redes sociais, sem horário eleitoral, que de gratuito não tem nada.
Folha – Sob intervenção militar do governo federal, a segurança é hoje um dos principais problemas do Estado. Qual sua opinião sobre a intervenção? O senhor já projetou que, “no longo prazo, precisa aumentar investimento em educação e diminuir em segurança, senão a gente vai enxugar gelo a vida inteira”. Como fazer a segurança fluminense parar de fazer água?
Trindade – Priorizando investimentos em tecnologia e inteligência para prender mais bandidos e mantê-los em uma prisão diferente da atual, que virou escola de crime. É possível fazer parcerias com a iniciativa privada e colocar o preso para trabalhar e estudar. Ele sairá mais capaz de voltar ao convívio social saudável. Visitei os generais que comandam a intervenção e a Secretaria de Segurança e conheci os avanços em termos de equipamento e gestão. É um legado importante para prender mais bandidos e mantê-los na cadeia, impedindo a migração de criminosos que levam medo e violência para todo o Estado.
Folha – Além da violência, o Estado do Rio vive também um quadro de insolvência financeira. O senhor já disse que “rasgando o plano de recuperação fiscal, a gente quebra”. Firmado entre os governos Michel Temer e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB, ele é a solução?
Trindade – O plano só precisou existir porque o PMDB quebrou o Estado, nos jogou nesse buraco. Não havia outra solução. O acordo tinha que ser firmado por quem estivesse no poder. Infelizmente, para a nossa desgraça, era e continua sendo o PMDB.
Folha – A face mais cruel da falência financeira do Estado se dá sobre os servidores ativos e inativos. O senhor já disse que o atraso no pagamento dos servidores “é uma vergonha”. Mas também declarou que, se eleito, irá eliminar os “privilégios” de parte do funcionalismo. De quais privilégios está falando? Qual seu compromisso em manter a folha em dia?
Trindade – É para manter a folha em dia que precisamos interromper já os privilégios de setores que parecem viver em outro planeta e pressionam o Estado para se apropriar dos recursos públicos que deveriam ser destinados a quem precisa de Educação, Saúde e Segurança. A Alerj aprovou um ilusório reajuste para Justiça, Defensoria e Ministério Público. Ilusório, pois o Estado não tem como pagar, e ele violaria o plano de recuperação fiscal. Se a gente não tomar juízo, vai faltar dinheiro outra vez para todos os servidores.
Folha – Outra face do caos financeiro do Estado se dá no abandono da Uenf. A principal instituição de ensino superior do Norte Fluminense é citada apenas uma vez no seu plano de governo. Tem planos mais detalhados para ela?
Trindade – A Uenf tem um papel estratégico no desenvolvimento do Estado. Assim como a Uerj e a Uezo, deve apoiar e ser apoiada pelos setores produtivos. As universidades precisam melhorar a gestão para que os recursos nelas investidos produzam conhecimento e resultados para a sociedade. Não podem ser capturadas por uma esquerda fundamentalista que não se pauta pelo interesse público, mas por um corporativismo que afasta a universidade da sociedade produtiva. Atrair a iniciativa privada pode garantir recursos para reequilibrar as contas das universidades e o desenvolvimento de parte da pesquisa científica. Não vejo, por exemplo, motivo para não pedir uma mensalidade a alunos que podem pagar, mesmo que sejam valores menores que os das faculdades privadas. É um ato de cidadania e justiça social para evitar que os mais pobres subsidiem, com seus impostos, o estudo de pessoas que podem pagar. Isso abre espaço para ampliar a oferta de vagas para os jovens sem recursos.
Folha – Candidato de um partido que tem o liberalismo econômico como bandeira, quais são seus planos para Porto do Açu na questão do desenvolvimento específico do Norte Fluminense?
Trindade – O Açu muda o patamar da logística do Estado, que já tem considerável vantagem competitiva. Está no plano de governo que esse potencial logístico vai impulsionar o desenvolvimento do Rio de Janeiro, fazendo da logística e do transporte de carga não apenas atividades-meio, mas protagonistas. A ampliação da rede atual de transporte terrestre com SP, MG, ES e o Centro-Oeste, permitirá a distribuição de produtos e cargas para os grandes mercados nacionais e estrangeiros. O grande ator que pode explorar esta atividade é a iniciativa privada, mas o Estado não pode ser omisso em sua responsabilidade de fiscalizar o cumprimento de regras e evitar efeitos sociais negativos. Isso acontece quando há ocupação desordenada e políticas públicas anêmicas. Para evitar o crescimento da violência e a migração de bandidos, é preciso ter policiamento. Para que as empresas não descartem os trabalhadores locais, especialmente os jovens, é preciso ter educação pública de qualidade e adaptada para a realidade local. Para estimular o surgimento de uma cadeia produtiva de pequenas, médias e grandes empresas, o Estado pode articular, incentivar e, principalmente, não atrapalhar.
Folha – Com sua foz em Atafona assoreada, o rio Paraíba do Sul sofre há bastante tempo em período de estiagem. Há registro de língua salina já no distrito de Barcelos. Há vida para Campos, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana sem o rio que os formou? Como recuperá-lo?
Trindade – A demanda de água do rio Guandu para abastecimento humano, uso industrial, mineral e agropecuário já compromete mais de 70% da disponibilidade e poderá comprometer quase toda a água disponível no cenário de maior consumo em 2030. É importante impor limites aos usos atuais e futuros da água nos trechos fluminense e paulista da bacia. A transposição de mais de 100 metros cúbicos por segundo para o Guandu em Barra do Piraí diminui a água que segue até Campos, e por isso a intrusão da língua salina na foz vem piorando, principalmente na seca. Tanto desvio é injusto com a região de Campos. Vou negociar com ANA e ONS e garantir a proteção ambiental nas margens do rio para recuperar qualidade e fluxo da água. Também precisamos de mais energia de outras fontes para evitar tantas alterações nos fluxos dos rios. O governador pode negociar a limitação dessa captação, atuando com os municípios, e ter atenção com o meio ambiente.
Folha – O que Campos, Norte e Noroeste Fluminense devem esperar de Marcelo Trindade governador?
Trindade – Um gestor empoderado pela confiança renovadora da população e consciente do desafio. Vou facilitar a vida dos empreendedores porque só eles podem gerar os empregos que a região tanto precisa. Vou lançar concessões para melhorar a infraestrutura de transporte. Essa região tem tudo para ser o Texas do Brasil. É preciso melhorar o ensino médio para empregar a mão de obra local e construir um dos mais fortes polos econômicos do mundo. Isso é possível. Deus foi generoso com o Estado, nos deu o lugar mais bonito do planeta e ainda nos premiou com o petróleo. É inacreditável que a corrupção e a incompetência dos políticos tenham deixado chegar a essa situação. Não vamos nos conformar com a miséria e falta de estrutura nas cidades da região. A gente precisa se revoltar contra isso. É o que vocês podem esperar: um governador revoltado contra tudo o que deixou de ser feito e animado para fazer o que o Rio de Janeiro precisa. É assim que tem que ser um governador do Novo.

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