Crítica de cinema - Ruído mortal
Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 09/04/2018 20:34
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Cenas de ENTITY_quot_ENTITYUm Lugar SilenciosoENTITY_quot_ENTITY / Divulgação
(Um Lugar Silencioso) -
Quando o som entrou no cinema sincronizado com a fita (talvez a última conquista significativa da nova arte), o que passou a prevalecer foram as falas, a trilha sonora, os ruídos em muitos casos em detrimento do roteiro e da direção. Vivemos numa civilização da poluição sonora como um de seus componentes. Daí a originalidade que traz a ficção científica “Um Lugar Silencioso”, filme modesto em orçamento dirigido pelo pouco conhecido John Krasinski, também representando o papel de marido e de pai da única família enfocada no filme.
Não foi necessário narrar como seres extraterrestres extremamente agressivos —mas sem visão e olfato — chegaram à Terra e ocuparam toda sua extensão. Mais pessoas devem estar sobrevivendo no mundo, mas elas são apenas pressupostas. Para sobreviver, é preciso conter sons e ruídos. Não há também introdução prolongada à história. O ataque de um ET logo no início do filme, matando uma criança, coloca o telespectador no clima do roteiro. Entre os filhos do casal, há uma menina muda. No novo e terrível mundo, sua comunicação por sinais prevalece entre todos os membros da família. Falar só em sussurro ou abafado por um som regular, como o de uma cachoeira.
Mateusinho
Mateusinho
A originalidade do filme reside no som. Os filmes de terror vêm demonstrando exaustão por falta de ideias interessantes. O susto é mais provocado por ruídos fortes que por imagens. O cinema-catástrofe e de ação é por demais barulhento. Em “Um Lugar Silencioso”, o que vale é o silêncio e este lugar é todo o planeta. A família focalizada no filme é formada pelo próprio Krasinski, como marido e pai, pela ótima Emily Blunt, como esposa e mãe, e por um casal de filhos. Ela está grávida. Toda a família se prepara para abafar o choro do bebê que vai chegar. O suspense nasce de um silêncio angustiante. Ele nos deixa sempre à espera de um ataque mortal. Os monstros são uma mistura de “Alien” e “Predador”. Creio que o clima e o mostro deste segundo filme são os que mais se aproximam dos extraterrestres de “Um Lugar Silencioso”.
Conclui-se que há margem para a criatividade num cinema tão engessado como o dos Estados Unidos. De fato, a abordagem de Krasinski é criativa tanto quanto ao roteiro como quanto ao som. Mais apropriadamente, quanto a sua quase ausência, o que exigiu talento do compositor Marco Beltrami. Espera-se apenas que o filme não seja o primeiro de uma franquia levada adiante por um diretor como Michael Bay, por exemplo, que figura entre os produtores de “Um Lugar Silencioso”.
Mais uma vez, estamos diante de uma distopia, ou seja, de um mundo sombrio. O cinema vem ganhando da literatura em termos de distopia. A Terra é tomada por uma atmosfera opressiva, ainda mais considerando que esbanjamos som assim como esbanjamos água. No clima do filme, não se pode mais falar normalmente, ouvir música sem fone de ouvido, gritar pela dor de um prego cravado no pé e alegrar-se com o choro de uma criança. Os invasores morrem, mas são muitos. Eles têm um ponto fraco que não pode ser explorado coletivamente. Nesse mundo, não há esperança além da morte. Mas a família irracionalmente luta para viver. O filme nos mostra como é bom viver num mundo sonoro.

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