Direitos Humanos comemorado
Paula Vigneron 14/12/2019 15:55 - Atualizado em 16/12/2019 08:04
“No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (...). Logo após, a Assembléia Geral solicitou a todos os Países-Membros que publicassem o texto da Declaração ‘para que ele fosse divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas e em outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados’.”
Na última terça-feira (10), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) completou 71 anos de publicação. Ela visa a igualdade de todos os povos, não apenas em seus países de origem, mas também naqueles para os quais possam se destinar as pessoas por quaisquer motivos: guerras, crises internas ou decisões individuais. Desde então, de acordo com o portal das Nações Unidas, o documento foi traduzido em mais de 500 idiomas e serviu como base para constituições de estados e democracias recém-estabelecidas. Para alguns estrangeiros que vivem no Brasil, os direitos fundamentais previstos pela DUDH voltaram a ser respeitados apenas no país atual.
Há seis meses, Erick Quintero Rojas, de 44 anos, e a família saíram da Venezuela e vieram para o Brasil para fugir da crise que assola o país. Neste tempo, eles passaram por Roraima, Amazonas, São Paulo e Brasília, até chegarem a Campos, com apoio da Igreja Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, onde se estabeleceram. Eles residem no Parque São Benedito. Erick trabalha na área de eletrônica e, à noite, é professor de inglês em um curso particular. Ele destacou a alegria de estar no país e poder dar condições básicas à esposa, Maria Salazar, e aos filhos Kayri, Pahola, Derick e Erimar.
— Quando chegamos aqui, fomos recebidos muito bem. As pessoas foram boas no trabalho, na escola. Os vizinhos, os membros da igreja sempre estão conosco. Muitas pessoas nos ajudaram — afirmou, ressaltando que todos se adaptaram à realidade no Brasil.
O venezuelano relatou as dificuldades com as quais conviveram nos últimos meses no país natal. Crianças se alimentando de restos de comida jogadas no lixo; trabalho em troca de alimentação; falta de água, luz, mantimentos e produtos básicos, vendas de carne em estado inadequado para consumo foram alguns dos problemas vistos e vividos por Erick:
— Era muito horrível. Antes de vir, eu já não podia mais comprar alimentos. A situação estava difícil. Nossa família se separou. Minha esposa, a bebê (Erimar) e Kayri foram para a casa da mãe dela. Uma irmã da minha esposa ajudava com a comida. Eu fiquei com as duas crianças porque eram menos pessoas para dar comida. Mas não era comida completa. Houve momentos em que nós só comíamos mandioca, de manhã, no meio do dia e à noite. Não havia dinheiro. Você ia ao banco e não tinha. As coisas eram vendidas em dólares. Era muito caro comer bife, frango, peixe. Não tínhamos água, fraldas. Muitas vezes, minha esposa pegava suas blusas para usar como fralda e, depois, colocava no lixo porque não tinha água para lavar. Você tinha que pagar em dólar para comprar água para beber e outra para banheiro. E a luz, muitas vezes, faltava. Uma vez, ficamos sem luz por quatro dias. Não havia gás para cozinhar e nós usávamos lenha. Não havia leite para a bebê. Era muito difícil. Eu trabalhava, mas as pessoas não tinham como pagar. Então, eu tinha que pedir alimento. Era algo normal: você trabalhava e cobrava com alimento.
Erick contou que os compatriotas considerados “amigos do governo” eram protegidos pelo poder público, que desamparava os demais. “Quando os ‘direitos humanos’ visitavam a Venezuela, o governo pegava essas pessoas e levavam para algumas partes que consideravam que estavam boas. O governo nos vendia uma bolsa de comida. Ajudava, mas, para nós, era só por uma semana, e a comida chegava a cada mês. E nós tínhamos que pagar. Os ‘direitos humanos’ não viam a realidade do que acontecia na Venezuela. As pessoas chegavam, e o governo mostrava somente o lado bom, mas não mostrava o lado em que a população comia do lixo. Eu vi pessoas pegando, do lixo, comida para bebês”, relatou.
Para ele, o maior problema encontrado no Brasil se refere à burocracia em relação a documentos. O casal e os filhos entraram com pedido para a retirada da carteira de identidade em Boa Vista, Roraima, e vieram para Campos pouco tempo depois. Até agora não receberam a documentação, o que os impede de comprar uma casa ou um veículo.
— Eu me sinto respeitado aqui. As pessoas sempre ajudam. A única coisa que estamos tendo dificuldade é para conseguir a nossa carteira de identidade. Nossa carteira está pronta na Polícia Federal de Boa Vista. Fomos à Polícia Federal aqui, e nos disseram que não podem fazer nada. Eu teria que viajar ou ligar para alguém de confiança enviar. Mas eu não posso viajar porque é muito custoso para mim. E nós precisamos porque tivemos a oportunidade de comprar uma casa aqui, pagando em 30 anos, mas, como não tínhamos identidade, disseram que não poderíamos. Eu não tenho documento. Só tenho carteira de trabalho. É a única coisa com a qual sinto frustração — explicou.
Mesmo com esta pendência, Erick reforçou que não planeja sair do Brasil e pretende continuar a construir a vida em Campos: “Eu gosto tanto deste país que não quero voltar. Para a Venezuela, eu não quero voltar mais. Eu quero ficar aqui, quero que meus filhos fiquem aqui. Quando eu os vejo, fico muito feliz. Eu pesava 55 kg. Agora, eu peso 85 kg. Todos estavam magros. Era muito difícil. Eu sabia que minha família não estava comendo bem. Agora, estamos comendo bem. Estou muito feliz. Todos estão adaptados, e eu vejo minha futura geração casada com pessoas do Brasil. Meus netos vão ser brasileiros”, afirmou, entre risadas.
Sírios avaliam o Brasil ‘sem guerra’
Para fugirem da guerra iniciada em 2011, os irmãos Amer e Tamer Alsulaiman também optaram pelo Brasil. Há cinco anos, Amer, após passar um tempo no Líbano, chegou ao país, para onde veio em seguida o irmão e parceiro profissional. Atualmente, administram um restaurante de comida síria, na Pelinca, mas já tiveram um trailer de food truck e trabalharam em outros estabelecimentos.
Apesar de terem os direitos fundamentais respeitados de forma ampla, o cenário de guerra fez com que os dois precisassem sair de sua cidade natal, Damasco. A Campos, os irmãos chegaram com o auxílio de um amigo. “Quando eu saí da Síria, há sete anos, a guerra estava no início, mas o trabalho e a vida estavam começando a ficar difíceis. Tinha muito policial na rua, tinha que andar com cuidado.”
Para Amer, os direitos básicos que devem ser assegurados a todo ser humano, antes da guerra, eram mais respeitados na Síria do que no Brasil. Ele destacou a qualidade de serviços públicos de saúde e segurança, oferecidos igualmente a todos, em seu país.
— Na Síria, era quase tudo grátis. Tinha a melhor saúde e menos custo. Hospital particular era pouco porque ninguém precisava. A maioria das grandes cirurgias era feita em hospital público. Cada hospital particular tem uma parte do governo. Então, eles eram obrigados a atender as pessoas de graça, até um limite. O hospital público era perfeito. A segurança também era perfeita. Muitas lojas abrem 24 horas. A gente usava pouco cartão. Ninguém assalta você.
Em relação à educação, considerada por ele a base para uma sociedade mais igualitária e segura, o comerciante afirmou que toda a vida escolar dos sírios é desenvolvida no ensino público. “A escola, você termina na conta do governo. Tem escolas particulares, mas não são muitas. As faculdades particulares começaram em 2010, mas pouca gente entra. As pessoas não achavam uma coisa de qualidade; confiam mais no serviço público”, pontuou.
Para Amer, em relação à garantia de direitos, o Brasil ainda precisa de avanços.
— Segurança, precisa muito. Eu e meu irmão fomos assaltados juntos. Era meio-dia, na Pelinca. Sempre fico preocupado de perder minhas coisas. Não posso falar ao celular na rua. Na Síria, você pode carregar dinheiro aonde você vai, até em ônibus. Você imagina alguém subindo em um ônibus aqui com R$ 50 mil? Lá, é comum, normal. A segurança caiu por causa da guerra, mas ainda não está ruim. Tem mais segurança do que aqui. Na Síria, antes da guerra, a gente nunca viu alguém dormir na rua. Nunca. Até eu sair de lá, não tinha visto. Se você for pensar nos problemas do Brasil, tudo começa na escola das crianças. A escola pública não tem controle sobre as crianças, e elas não aprendem coisas boas. Na mente delas, quando crescem, fica uma coisa normal — opinou.
Lei evolui de acordo com a sociedade
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Campos), André Peralva explicou que a comissão atua de modo preventivo e de forma consultiva, em conjunto com órgãos de controle da sociedade, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Também são promovidos debates relacionados ao tema com a sociedade civil. Ele destacou que, diante do contexto atual do país, caracterizado por ele como “conturbado”, o tema se modifica constantemente.
— A temática dos direitos humanos está em constante evolução, de acordo com a vontade política, governamental e pelas alterações legislativas das normas que tratam deste importante tema. O sistema de alteração das leis de nosso país é demasiadamente lento e exige votação em diversos turnos nas casas legislativas de representatividade popular. Todo entendimento voltado à garantia dos direitos humanos demora certo tempo para ser aprovado e implementado, tendo em vista a dificuldade de modificação legislativa de nosso país. O debate vai se modificando com o passar do tempo. Paulatinamente, os direitos vão sendo ampliados e previstos para alcançar a parcela da população que, a princípio, não seria alcançada pelo direito. A constante evolução legislativa e a ampliação de direitos nesta seara são pontos positivos a se comemorar — analisou, dando como exemplo, o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas e a reserva de vagas em concursos públicos para negros, pardos, indígenas, membros de comunidades quilombolas. Para ele, estas são “ações afirmativas importantes, que visam diminuir a desigualdade socioeconômica e educacional”.
Ainda em relação aos avanços recentes, o presidente, que disse não ver retrocesso nas garantias já asseguradas pela DUDH, apontou que outro aspecto debatido sobre a área se refere à garantia e aplicação destes à autoridade policial.
— Historicamente, quando se falava da garantia de direitos humanos, direito à vida, à integridade física, locomoção, ao bem-estar (saúde, educação), todo o foco se restringia ao debate a pessoas que não possuem relação funcional com o Estado. Existe atualmente um debate relacionado ao policial e sua família, garantindo-se a aplicabilidade da temática dos direitos humanos para todos. Neste aspecto, penso que se deve garantir Direitos Humanos para toda a sociedade, independentemente de lado, classes sociais e fator socioeconômico — declarou, ressaltando que os debates devem abranger universidades, escolas, ONGs e por meio de audiências públicas em casas legislativas.
Denúncias — André explicou que, para efetuar denúncia relacionada à violação dos direitos humanos, basta entrar em contato com os órgãos de controle e fiscalização: delegacias; o Ministério Público e a Defensoria Pública. “As comissões de Direitos Humanos, em colaboração, também recebem a apuram as denúncias (tanto da OAB quanto das Casas Legislativas). Na hipótese de se tratar de menores de idade ou pessoas em situação de vulnerabilidade, a denúncia também pode se feita nos Conselhos Tutelares”, finalizou.

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