Decreto amplia legítima defesa
Camilla Silva 26/01/2019 16:27 - Atualizado em 28/01/2019 16:08
O novo decreto que regulamenta a posse de armas de fogo, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, ganhou destaque em todo o país. Em Campos, especialista aponta que as novas regras dão mais segurança aos envolvidos no processo. Segundo a Polícia Federal, em 2018, 205 novas pessoas tiveram autorização da posse de armas no município. Número um pouco maior que em 2017, quando foram realizadas 195. As opiniões sobre o acesso a armas de fogo, no entanto, são divergentes. Apontada como meio de garantia do exercício de legítima defesa, a medida acendeu o alerta em grupos de combate à violência doméstica.
O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho (desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento). Cumpridos os requisitos, o cidadão poderá ter até quatro armas. Com essa autorização, entretanto, não é permitido que o dono do equipamento ande com ele na rua.
Foto - Isaias Fernandes
Os requisitos para se ter uma arma de fogo não mudaram, porque eles estão previstos em lei, aponta o especialista em segurança pública e Policial Federal Roberto Uchôa. As mudanças, entretanto, facilitaram o acesso da população em geral à arma.
— A declaração de necessidade, que é um dos requisitos previstos na lei, passava por um julgamento do agente público. Agora, se apontou as situações em que essa necessidade existe. Uma vez que essa situação ocorra, o agente deverá autorizar a posse. Isso torna mais transparente o processo, tanto para quem está solicitando como para quem está concedendo — explica Uchôa.
O número de armas que cada pessoa pode ter, entretanto, chamou a atenção do especialista. “Uma pessoa pode, a partir de agora, se quiser, sem maiores justificativas, possuir quatro armas em um apartamento de 50 m². Se for um casal, pode chegar a oito. Antes, dificilmente poderia se conseguir isso”, afirma.
Solicitação de posse deverá ser feita à PF
Solicitação de posse deverá ser feita à PF / Foto - Isaias Fernandes
O decreto também prevê uma mudança no prazo de validade do registro da arma, que era de cinco anos e passa a ser de dez.
— Sempre que está vencendo o registro, a pessoa é obrigada a refazer o processo. Assim, a polícia tem a possibilidade de fazer a atualização do endereço e verificar a situação psicológica do solicitante. Com o aumento do prazo do registro, diminui-se o custo de a pessoa manter a arma, mas diminui também o controle da polícia — ressaltou o especialista.
Geraldo Rangel, diretor do 6º Departamento de Polícia de Área, órgão da Polícia Civil que abrange o Norte Fluminense, afirma que é importante que todas as regras estabelecidas no decreto sejam realmente observadas para quem tiver a autorização concedida. “A lei precisa ser cumprida para que se tenha segurança sobre a aquisição dessas armas. Esperamos que haja o devido cuidado com a guarda, principalmente para quem tem crianças”, ressalta.
Grupos alertam para violência doméstica
Alguns grupos, no entanto, receberam com apreensão as alterações. Vanessa Henriques, que atuou até 2018 no Conselho Municipal da Mulher, alerta que essa mudança pode agravar a violência doméstica. “Como a questão discutida no decreto é possibilidade de ter arma em casa e a maior parte dos crimes contra a mulher ocorre dentro de casa, vai ser necessário ter atenção sobre esses casos para que a situação dessas vítimas não fique ainda pior”, ressalta.
Vanessa aponta dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ), que informam que, no ano de 2017, 52,9% dos feminicídios registrados no estado ocorreram dentro da residência da vítima e 47,2% foram realizados com arma de fogo.
Felipe afirma que acesso deve ser visto como efetivação da legítima defesa
Felipe afirma que acesso deve ser visto como efetivação da legítima defesa / Foto - Isaias Fernandes
Segundo a pesquisadora e professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Luciane Soares, um agravante é o fato de que, em conjunto com a facilitação do acesso à posse de arma, existe uma tônica específica sobre a questão de gênero.
— Não é só a questão das armas. Tem a cor das roupas, a discussão sobre a ideologia de gênero, a educação sexual nas escolas. Acho que o conjunto dessas medidas e a forma como esse novo governo pensa nessas questões ligadas a essa pauta moral, isso não favorece as mulheres. Acho que vai ser importante acompanhar os casos, porque o Brasil já tem um número grande e impactante de feminicídio — alerta a pesquisadora, acrescentando que o país apresenta um quadro geral e comum de homens que não aceitam o fim de um relacionamento.
Solicitação de posse deverá ser feita à PF
Hoje, quem deseja ter uma arma no país, pode adquiri-la por dois procedimentos diferentes. Se deseja para praticar o tiro como esporte, deve solicitar autorização ao Exército. As novas regras não dizem respeito a este tipo de autorização. Só quem deseja ter a arma em casa, para defesa pessoal, está na abrangência do decreto. Nesse caso, o indivíduo deve ir à Polícia Federal. Felipe Drummond, especialista em Direito Penal e articulista da Folha da Manhã, possui as duas autorizações e afirma que o acesso a arma deve ser visto como uma efetivação do direito à legítima defesa. “A pessoa exerce se quiser e puder, se estiver preparada. Eu tenho minha arma para que, em uma eventualidade extrema, eu possa me defender ou defender um terceiro. Não para que eu seja mais um cidadão agindo em nome do Estado para a segurança pública”, defende.
Ele, que tem direito à posse há cerca de cinco anos, garante que assim se sente mais seguro e afirma jamais ter tido a necessidade de utilizá-la. "Eu não acredito que política de flexibilização de armas para a população possa se confundir com política de segurança pública. Não tem absolutamente nada a ver. Porque, se for assim, o governo está partindo da premissa de que armando a população, ele está garantindo mais um instrumento de segurança pública. Eu entendo que a lógica é a mesma de um seguro de carro. É ter para não usar. Não desejo nunca ter a necessidade de precisar da arma para me defender", afirma Felipe.

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