"Importante é que estou feliz"
Paulo Renato Pinto Porto 15/12/2018 16:57 - Atualizado em 19/12/2018 15:58
José Teixeira
José Teixeira / Foto - Isaías Fernandes
A linha divisória que separa diferentes etapas do desenvolvimento da História, seja esportiva ou em outros setores da atividade humana, é quase sempre definidora da importância de um ciclo em relação ao que o antecedeu. No atual Americano do final da segunda década deste século, esse divisor de águas tem nome, uma unanimidade incontestável: Josué Teixeira. Elogiado por todos, idolatrado pela torcida, o treinador e manager, de 57 anos, natural de Niterói, se considera feliz por trabalhar num clube onde tem a oportunidade de desenvolver um trabalho com amplo raio de ação comparado ao de um “superministro” sem abrir mão de suas convicções e movido pelo desafio maior, que é a recuperação do prestígio nacional do Alvinegro campista. Nesta entrevista, Josué projeta o Americano que busca alçar voo para novos patamares no cenário do futebol brasileiro.
Folha — Você fez um contrato de dois anos com o Americano, montou um projeto dentro de um planejamento de médio a longo prazo, algo pouco comum no futebol brasileiro, não?
Josué — É verdade. O Vanderlei Luxemburgo tentou fazer isso no Santos, outros tentaram em outros clubes. Talvez, se montasse um projeto desse nos chamados grandes clubes, não fosse possível devido à cobrança por resultados imediatos. Mas, na Europa é comum. Aqui eu mesmo faço as contratações, com meus conhecimentos, também ajudo a buscar patrocinadores, treino a equipe, supervisiono as divisões de base e administro o CT (Centro de Treinamento), com pouco mais de 40 profissionais. O clube enfrenta dificuldades, mas vamos passar por esta fase. O importante é que sou feliz aqui, faço o que gosto e tenho apoio e respeito de todos.
Folha — Quanto ao projeto, como foi a montagem de um novo time após o sucesso do grupo anterior neste ano, tendo como referência a dupla Claudio Maradona e Maikon Aquino, que marcaram, juntos, 42 gols na temporada?
Josué — Antes de acabar a disputa da Série B1 e da Copa Rio, já sabíamos das possibilidades de perder alguns jogadores cobiçados por outros clubes. Entre eles, Maradona e o Aquino. Começamos a mapear o mercado, observando quem poderia repor essas e outras lacunas. Muita gente questiona as saídas do Maradona e do Aquino. São jogadores diferenciados, mas, quando chegaram aqui, não viviam bom momento profissional. É o que acontece agora com os jogadores que estão chegando, o Dedé, o Léo Reis, o Romarinho e o Marcos Paulo. Jogadores que muita gente não conhece, mas vão dar a necessária resposta que estamos esperando.
Folha — Mas, 42 gols numa temporada não é algo comum... Então, você sustenta que a dupla funcionou porque o time como um todo funcionou, é isso?
Josué — Como eu já lhe falei, antes de vir para cá, o Maradona tinha feito só um gol no ano, o Aquino fez dois no Paulistão. A mesma leitura nós temos em relação ao Léo Reis, que fez a base no Carapebus, depois foi para o Vasco e marcou gols importantes na Copa São Paulo. O Dedé fez 10 gols no ano. São marcas mais expressivas que a dos outros que saíram. Maradona e Aquino foram importantes, sim, têm suas qualidades, mas funcionaram porque o sistema tático e o trabalho do grupo de jogadores também favoreceram a ambos.
Folha — Léo Reis e Dedé também poderão cair nas graças da torcida?
Josué — Se tiverem calma e tranquilidade, conhecerem o peso da camisa do Americano e de uma torcida que cobra, eles têm tudo para deslanchar, estamos trabalhando para isso. Sou muito otimista quanto à resposta de ambos em campo.
Folha — O que a torcida alvinegra pode esperar deste time que está sendo montado?
Josué — Nós mantivemos a base da defesa, nosso sistema defensivo é muito consistente e organizado, bem encaixado. Neste ano de 2018, em 40 jogos, nós ficamos 20 partidas sem sofrer gol. Antes, nós marcamos esses amistosos e jogos-treinos com equipes mais fracas tecnicamente porque eu precisava trabalhar mais a parte ofensiva. Trouxemos o Flamel, um meia clássico e centralizador, que vira bem o jogo para os lados e finaliza bem. O Léo Rosa é um lateral que sai bem para o jogo, além de bom marcador. Chegaram o Ricardinho, o Marcos Paulo e o Romarinho, além do Léo e do Dedé.
Folha — Qual é a receita de um time competitivo que produz resultados num clube de menor investimento como o Americano? Qual o perfil deste grupo?
Josué — Um elenco participativo, que coopera o tempo todo e entende as dificuldades do clube. Por que não adianta termos um jogador muito bom, mas que não entende essas dificuldades, que não aposta no nosso projeto. Esse comprometimento é fundamental. Não tínhamos a receita da cota de TV, agora temos nesta seletiva. Se passarmos à próxima fase, disputando o campeonato com os grandes, estaremos num outro patamar nas finanças. Conseguimos a classificação para a Copa do Brasil, projetando passar de fase, quem sabe para a terceira, o que irá nos proporcionar um nível financeiro ainda melhor.
Folha — O Josué é um treinador amigo dos jogadores ou é um técnico durão?
Josué — Temos uma linha de trabalho um tanto rígida em cima do respeito, da disciplina e responsabilidade. Aqui, ninguém senta à mesa para a refeição sem camisa, de camiseta ou boné na cabeça. Mas, estamos aqui há pouco mais de um mês, e não tivemos sequer um desentendimento, um problema, um mal-estar, uma resposta atravessada ou desgaste, todos se respeitam. Sou chato, temos nossa forma de treinar e jogar, todos sabem. Se alguém quiser ser meu amigo, ótimo. Se não for, trabalha também comigo. Não quero jogador pra ser meu amigo, quero que ele seja um bom profissional, cumpra suas obrigações, ajude sua família ou adquira uma casa antes de comprar um carro.
Folha – Há clubes como a Chapecoense e outros que galgaram posições por conta da organização e estrutura profissional que marcaram suas trajetórias. O Athletico Paranaense, hoje, busca saltar da condição de clube mediano para se tornar grande. O Americano se mira nestes exemplos? E o estádio sai em 2019? Quando será entregue?
Josué — O Americano busca recuperar seu prestígio nacional e pode alcançar esse patamar. Buscamos isso. O mundo ideal seria ter permanecido com o estádio e o CT. Quando eu passo pelo antigo Godofredo Cruz vejo aquilo tudo demolido (o técnico altera o semblante, emocionado)... Imagine... Eu que não sou da casa, não sou de Campos, quando vi umas imagens do antigo estádio... Dá uma pena... Sinto arrepios... Porque eu já trabalhei ali enfrentando o Americano. A modernidade está aí, não cabe julgar o que foi feito, mas analisar o que temos. Eu fico aqui namorando o estádio todo dia. A cada lance de arquibancada construído eu filmo, tiro fotos... Acho que será um marco para o Americano para a própria cidade, para o fim deste próximo ano. O Maracanã, em 2019, ficará reservado para a Copa América. Imagine os clubes do Rio disputando jogos aqui, ao invés de irem para Cariacica... O Americano ganha, a cidade ganha.
Folha — Esse é o grande problema do Americano e da própria cidade de Campos. O time vai ter que disputar seus jogos pela Copa do Brasil em Macaé...
Josué — Imagine só, chega a ser inacreditável uma cidade de mais de 500 mil habitantes, com quatro clubes profissionais, não ter um estádio municipal. É quase surreal. Na minha infância, vinha sempre aqui, meu pai é campista. E as pessoas me contavam que todos os times de usina tinham seu estádio. Hoje, Cardoso Moreira tem o seu, Quissamã, Carapebus, toda redondeza tem seu estádio. Campos não tem o seu, mas tem um sambódromo. Não tiro a importância das escolas de samba, mas nenhuma delas é centenária. Os clubes são...
Folha — Depois do Fluminense, você trabalhou no Internacional e em cerca de 15 clubes do futebol brasileiro, esteve no exterior, mas é cria das Laranjeiras e de Xerém, tendo inclusive comandado o time principal. Foi ali sua escola?
Josué — Todo o meu aprendizado inicial foi lá. Com Parreira, Pinheiro, Nelsinho, Paulo Emílio, entre outros. Mas foi com o Abel, de quem fui analista de desempenho, que peguei mais a parte tática, de enxergar bem o jogo na margem do campo e fazer uma leitura adequada para mudar situações numa partida. Com o Lazaroni aprendi também bastante, na questão do relacionamento com os jogadores, com a imprensa...
Folha — Hoje você se prepara para mais um curso, está estudando para somar mais um na carreira.
Josué — Sou formado em Educação Física, em Direito e fiz pós-graduação em Educação. Então, a minha vida acadêmica está bem resolvida. Sou professor dos cursos de formação de treinadores da Associação Brasileira de Treinadores de Futebol (ABTF) e do Sindicato dos Treinadores. Agora mesmo estou fazendo um curso da associação de treinadores da Argentina. Tenho que ir para lá, agora em janeiro, fazer a prova prática. Futebol, como em tudo na vida, é preciso observar, acompanhar a evolução, as novidades. Como educador, cobro essa formação fora de campo aos jogadores. Futebol é uma coisa breve. Falo com eles para comprar uma casa antes de um carro, buscar uma graduação para, quando parar com o futebol, ter uma outra atividade para continuar a vida.
Folha — Seu trabalho tem alcançado repercussão. A torcida pode ficar tranquila quanto à sua permanência no Americano?
Josué — Não tenho vaidade, não tenho que trabalhar em clube grande. Tenho que trabalhar onde eu me sinta bem, onde possa aplicar meus conceitos, fazer as coisas nas quais acredito. Cheguei a uma fase da minha vida que me dá o direito de buscar a felicidade, uma situação estável, onde posso me dar ao luxo de dizer “não” a algumas situações. Quero organizar o clube, melhorar a sua estrutura, fazer com que ele volte a ser reconhecido nacionalmente. Tenho aqui o Marcinho, que foi meu jogador quando era infantil e hoje é meu auxiliar; a Isabel, que cuida muito bem do CT; o Almir, o Edson... Quando o seu Jorge (cozinheiro) está de folga, o roupeiro vai lá para a cozinha. Se eu tiver que lavar prato, vou lá pra cozinha lavar. Não existe vaidade aqui.
 
 

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