Fernando Leite faz análises de Garotinho a Rafael
Aluysio Abreu Barbosa e Aldir Sales 11/03/2018 00:36 - Atualizado em 14/03/2018 16:34
Rodrigo Silveira
Jornalista e ex-deputado estadual, Fernando Leite tem se dedicado nos últimos anos ao seu blog, porém, aceitou o convite do prefeito de Campos, Rafael Diniz (PPS), para assumir a subsecretaria de Governo em um momento de reforma administrativa, antecipada pela coluna Ponto Final, da Folha da Manhã. Ele fala abertamente sobre sua origem política junto com Anthony Garotinho e sua relação conflituosa de rompimentos e reaproximações com o político da Lapa. Fernando também comentou que pode contribuir com sua experiência para Rafael e alertou sobre problemas estruturais do município, como Saúde e Transporte. Leite ainda falou sobre o cenário da política nacional, além da possível candidatura a deputado de Wladimir Garotinho e lamentou a situação da Uenf, da qual teve importante participação no seu processo de implantação, quando ainda era deputado estadual.
Folha da Manhã - Quem acompanha a política de Campos nos últimos 30 anos se habituou a ver seus rompimentos e reconciliações com Garotinho. A primeira teria sido em 1992, quando você era deputado estadual e queria concorrer à Prefeitura, mas Garotinho optou por Sérgio Mendes, embora você tivesse o apoio de Rosinha. Foi esse o motivo do primeiro rompimento ?
Fernando Leite – Foi basicamente este o motivo do primeiro rompimento, por uma circunstância, não foi o fato de ser preterido que me fez romper. Foi o fato de eu ter proposto, à época, que a gestão subsequente a do Garotinho, fosse uma gestão com outras marcas.
Folha – Quais?
Fernando – Que desse mais qualidade de vida à população e migrasse em outros sentidos. Por quê? O Garotinho quando assume a Prefeitura de Campos, ele assume em um momento histórico quando um ciclo de poder está se findando.
Folha – Zezé (Barbosa, prefeito entre 1983 a 1989) e Rockefeller (de Lima, prefeito entre 1964 e 1966 e entre 1971 e 1972).
Fernando - Zezé e Rockefeller. Você tinha as usinas muito fortes, você tinha a igreja tradicionalista muito forte, você tinha um cenário político que se definhava. E surgia, na outra ponta, o movimento “Muda Campos” com características populares. É natural que esse novo grupo, quando chegasse ao poder, implantasse algumas coisas que não havia. Por exemplo, não havia modelo de crédito, as escolas eram pequenas, não havia um projeto político para o município. Isso se dá com o acesso do Garotinho ao poder. Depois dos quatro anos de uma gestão que fez uma rede básica de creches, que deu um novo formato à Educação, que iniciou uma política social. Era hora de avançar, não era hora de repetir.
Folha – Avançar para onde?
Fernando – Avançar para ampliar o projeto de creches, ampliar as escolas, mas com escola-laboratório, introduzir a história do município na grade curricular, fazer um novo traçado urbano, preparar a cidade para o que viria. E a gente nem pensava em royalties. Nós tínhamos uma cidade absolutamente provinciana, com praças muito bem cuidadas, com ruas limpinhas, mas uma cidade com características de pequenas cidades do interior. Quando o Garotinho entra, ele dá um “up” na cidade. E era a hora dela dar um passo adiante. Eu comecei a trabalhar neste sentido e me cerquei de algumas cabeças pensantes, inspirado na experiência do Jaime Lerner em Curitiba (arquiteto e urbanista e prefeito por três oportunidades, governador do Paraná e responsável por um novo traçado urbano na cidade), para que a gente fizesse aqui uma coisa semelhante. Mas combinado com o Garotinho, que era a grande liderança do partido (PDT), o prefeito eleito, principal responsável pela minha eleição para deputado estadual, e não houve objeção por parte dele neste sentido. Então comecei a elaborar um projeto que seria para o futuro governo. Fui ouvir pessoas, ouvir segmentos...
Folha – Por exemplo?
Fernando – CDL, Acic, professores, arquitetos, artistas. Fui me envolvendo, fui buscando cabeças de outros quadros que não fosse do governo. Quando estava com esse projeto praticamente pronto para dar forma e faltavam alguns dias para a convenção do partido, o Garotinho me diz o seguinte: “para a roda. O candidato não é mais você, é o Sérgio Mendes”. Aí eu disse o seguinte: “Não paro. Não tenho vocação para moleque de recado. Posso ser mandado, de uma hora para outra, quando eu envolvo terceiros, quando trago para cá outras pessoas, quando a sociedade se manifesta simpática a esse projeto e eu vou parar porque você quer que eu pare? Você tem que me convencer de que eu tenho de parar. Qual é a justificativa política para eu parar?”. E ele: “Eu acho que você não cumpriu o seu papel de deputado, que era de ampliar o nosso grupo político na região e você está fazendo uma política personalista, então acho que o melhor nome é o do Sérgio”. A despeito de eu achar que o Sérgio me representava, por ser um parceiro até hoje, eu falei: “então vamos fazer o seguinte: vamos para a convenção bater chapa. Se você vencer na convenção, e provavelmente isso vai acontecer, eu tenho uma justificativa moral para dizer para a sociedade que não sou mais candidato a prefeito porque a convenção do meu partido optou por outra candidatura”. E aí as relações começaram a se esgarçar. O Garotinho usou de métodos pouco ortodoxos e ele fez o diabo comigo. Para se ter uma ideia, ele mudou umas quatro vezes o modelo de votação da convenção. Na convenção, que foi no auditório do Palácio da Cultura, ele não foi. Ele ficou dentro do carro em frente ao hospital da Santa Casa e sendo informado sobre o ritmo da convenção. Foi uma convenção absolutamente tensa. Eu tinha 62% de aprovação dentro do partido, na pesquisa, e eu tinha, o número pode não ser exatamente esse, mas tipo 51,8% nas pesquisas de intenção de voto na cidade. Seria uma eleição quase de candidatura única. As chances de vitória eram muito razoáveis. E aí a minha leitura é a seguinte: o Garotinho viu que havia uma segunda liderança no partido. E ele pensou pragmaticamente que era o momento de abortar este processo.
Folha – E de lá para cá, quantas vezes vocês romperam e reconciliaram?
Fernando – Uma. Neste período nós não rompemos. Eu fiquei no PDT, ia aos comícios de Sérgio Mendes, eu era vaiado pelo grupo mais próximo ao Garotinho, fiquei na Assembleia (Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – Alerj), disputei a reeleição no PDT, se não me engano ele era candidato a governador.
Folha – Na eleição que ele Garotinho foi derrotado por Marcello Alencar, digo (1994), quando você foi candidato a deputado estadual.
Fernando – Eu fui candidato a deputado com ele (Garotinho) no PDT e Marcello pelo PSDB.
Folha – E posteriormente, como foram as reconciliações?
Fernando – Depois da eleição para deputado eu rompi, não havia mais clima de conversa. E nós nos reconciliamos ainda no PDT, mas já havia uma facção partidária aliada a mim e outra facção partidária majoritária aliada a ele. Tanto que nas reuniões do partido eu tinha que puxar o microfone para falar, o clima era muito ruim.
Folha – Isso foi na campanha de reeleição para deputado?
Fernando – Na campanha para reeleição para deputado. Depois eu perdi a reeleição e nós rompemos. Foi o primeiro rompimento efetivo.
Folha – Então foi em 1994?
Fernando – Foi em 1994. Aí reconciliamos e ele já estava governador. Foi na eleição municipal de 1996.
Folha – Ele com Arnaldo (Vianna).
Fernando – Ele com Arnaldo. Aí eu coloquei minha candidatura a vice-prefeito no PDT, mas ele não aceitava de maneira alguma. Ele dirigiu a convenção de forma que Arnaldo ganhasse para vice-prefeito.
Folha – E vocês romperam de novo.
Fernando - Aí rompemos, não lembro a data, mas depois disso não houve outro...
Folha – Houve uma reaproximação pessoal. Em 2004 você estava na campanha de (Geraldo) Pudim para prefeito.
Fernando – Em 2004 eu estava na campanha de Pudim.
Folha – Então aí já são três. Teve em 1994, romperam.
Fernando – Aí em 1996 teve a eleição municipal e nos reaproximamos. Depois rompemos de novo.
Folha – E em 2004 você estava com Pudim.
Fernando – Está certo. Foram três vezes.
Folha – Qual motivo de tantas idas e voltas?
Fernando – Na verdade, nossa relação, para a gente entender, começa aos 14 anos no Liceu de Humanidades. Nós sempre tivemos uma relação competitiva. Poesia, teatro...
Folha - Garotinho vem dizendo que aqueles que “brigaram” e se afastaram politicamente dele nunca mais se elegeram a nada, citando, inclusive, o seu nome. Como reage a essas declarações?
Fernando – Ele tem razão. Eu fui eleito deputado estadual porque tinha o apoio de Garotinho, que estava no seu melhor momento como prefeito de Campos. Depois fui candidato à reeleição, tive quase 23 mil votos, fui mais votado do que os três outros candidatos (da região) que disputaram a eleição, se não me engano, João Peixoto, José Cláudio e Pudim, mas não fiz voto suficiente para a legenda do PDT que era muito alta. A população, naquele momento, tinha uma relação de afeto com o Garotinho. Mais do que uma relação política, tinha uma relação de afeto com Garotinho (no primeiro mandato).
Folha - A idade média dos integrantes do governo de Rafael é praticamente a mesma de vocês quando assumiram em 1989. Quais diferenças e semelhanças entre as duas equipes e movimentos?
Fernando – As diferenças são bastante significativas. As circunstâncias que levaram Garotinho ao poder foram diversas das circunstâncias que levaram Rafael ao poder. Aparentemente, seria o esgotamento da velha liderança. No caso de Garotinho, a velha liderança do Zezé. No caso de Rafael, a velha liderança do Garotinho. Mas Garotinho não é uma velha liderança. O grupo político de Rafael tem uma outra origem social. O nosso grupo político era de uma geração que viveu o final do período ditatorial no país. A nossa era uma geração causal, nós não éramos rebeldes sem causa. Não estou dizendo que o pessoal do governo é, absolutamente. Mas nós tínhamos uma afinidade político-ideológica. O Brasil naquela época era PMDB e PDS. Então havia um vínculo das pessoas que estavam de um lado ou do outro. Isso marcou o processo, definitivamente.
Folha – O PT já estava ali também... Garotinho começou no PT.
Fernando – Eu também.
Folha – Ele foi o mais votado (para vereador), mas não teve a legenda.
Fernando – Ele teve 1.600 votos. O PT começa com a professora Ivete Marins. A gente começa junto, com José Luís Viana, Lenilson Machado. Então a gente tinha essa marca do engajamento político-ideológico. No de Rafael, muito menos. Não há essa marca política-ideológica. É um governo plural. É um governo que veio de uma espécie de cansaço da sociedade com o modelo de política vigente. Um desencanto com a forma de administrar do Garotinho.
Folha – A coluna Ponto Final de quinta-feira (1º de março) diz que uma das principais cobranças que o governo Rafael vem enfrentando é aquilo que algumas pessoas chamaram de “menudos”, ter na equipe um pessoal muito novo. Existia uma cobrança por gente mais experiente. E você e o Dante Lucas (vice-presidente da Fundação Municipal de Saúde) vêm um pouco para atender esta demanda. É necessário ter pessoas mais experientes no governo?
Fernando – Acho que a pluralidade é muito interessante. Ela dá ao debate interno outras visões, outras versões. Mas acho que a questão não seja, fundamentalmente, cronológica. Mais por experiência, por envolvimento. Ficou uma coisa rasa de que o governo Rafael é jovem e refratário às pessoas de meia idade, com mais experiência. Eu não vejo isso. Não percebo isso no governo, de uma maneira geral.
Folha – Você e Dante estiveram no governo Garotinho também.
Fernando – Estivemos no governo Garotinho. Nós já passamos por ele. Na verdade, tive um exercício de gestão com Garotinho, com Arnaldo, com Mocaiber. Só não tive com Campista e agora com Rafael. Acho que essa bagagem pode dar uma contribuição na solução de problemas que vão surgir e que guardem semelhança com aqueles que já passamos.
Folha – Você poderia exemplificar?
Fernando – A questão que Rafael enfrenta na Saúde, é uma questão de fundo estrutural. É uma questão que não pode ser tratada como pode ser tratada. Tem que encontrar uma solução definitiva para essa política pública de Saúde. Práticas utilizadas até agora se mostraram inócuas.
Folha – A Renata Juncá (nova presidente da Fundação Municipal da Saúde) vem com muita vontade de introduzir um trabalho com base estatística.
Fernando – Estou citando a Saúde porque vi a entrevista dela. Embora não a conheça pessoalmente, gostei do tom, gostei dela ter vindo e dito o que disse.
Folha – Ela disse que as decisões não serão por base política ou achismo, mas com base em estatística.
Fernando – Como tem que ser. Vou citar outro exemplo. O Renato Siqueira (que era presidente do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte, o IMTT, no dia da entrevista). No transporte, você repetir o que já foi feito, também está gritando que não vai solucionar. Você tem que encontrar uma solução definitiva.
Folha – Tanto o Renato quanto o Ministério Público afirmam de maneira muito categórica que a solução do transporte público é uma nova licitação.
Fernando – Concordo. Uma nova licitação, mas um novo traçado urbano. Não pode ser apenas uma reposição de peças, trocar o ônibus velho pelo ônibus novo. Não vai resolver absolutamente nada. Não pode ser apenas uma mudança no valor da tarifa. Não vai resolver absolutamente nada.
Folha – O que se fala é que nenhuma empresa de fora vai querer vir enquanto estiver com o transporte clandestino dominando a cidade, que é perigoso até de fiscalizar.
Fernando – E você não tem limite do que é transporte clandestino e do que é transporte paralelo. É parar a roda e redefinir o traçado urbano. Nós estamos em uma planície. Fazer o que o Brizola fez no Rio de Janeiro e que o Lulu Santos canta lindamente: juntar a Zona Norte e a Zona Sul. Integrar Guarus definitivamente no mapa geopolítico da cidade.
Folha - Entrar para o estafe do prefeito Rafael Diniz, que pretende ser o contraponto ao que vocês fizeram como o “Muda Campos” é confissão de que sua geração fracassou?
Fernando – Não, absolutamente. É a confissão de que a geração deu ao município uma nova estrutura política-partidária e administrativa, mas que ao longo do tempo necrosou-se. O governo de Rafael Diniz não anula o movimento do “Muda Campos” da sua origem a seu ocaso. Ele se contrapõe a um período do “Muda Campos” que ele serviu à política personalista do Garotinho. A esse período, sim, mas a origem do “Muda Campos”, não.
Folha – Então o “Muda Campos” tem uma diferença entre o primeiro governo Garotinho e depois?
Fernando – O “Muda Campos” não era para ser uma reta. O “Muda Campos” era para ser uma curva. Esse percurso retilíneo fez com que o “Muda Campos” ficasse o tempo inteiro na mesma batida, no mesmo trajeto. Não é assim que funciona na administração pública. Ele tinha que evoluir, ele tinha que avançar, oxigenar, mas aí ele já era do Garotinho.
Folha – Quando que o “Muda Campos” virou “garotismo”?
Fernando Leite – Virou “garotismo” no retorno dele (à Prefeitura).
Folha – No começo não tinha royalties, que foram se agigantando com o tempo, Participação Especial, o preço do petróleo foi aumentando. Campos nunca teve, desde os Sete Capitães, um manancial de recursos como teve durante o “garotismo”. E talvez não vá ter no futuro. E o que ficou desta injeção de recursos fantástica para Campos?
Fernando – Ficaram as sequelas. Você pode alegar que hoje a rede física de Saúde é uma das maiores do país, a rede de creches é uma das maiores do país, você tem bairros urbanizados, mas isso é o dever de casa. Mas, por exemplo, o projeto do Fudencam (Fundo de Desenvolvimento de Campos) não se consolida como projeto para abrir uma vertente econômica autossustentável. Na Educação você vitimou sucessivas gerações, uma Educação de péssima qualidade, uma Educação que repetia métodos absolutamente antigos. E você tem um modelo de Saúde que gasta milhões, mas que não consegue atender a demanda que é cada vez maior. Aí você é forçado a dizer que tem alguma coisa errada. Erramos. A rede física é grande, o orçamento é grande.
Folha – Se erraram, não fracassaram?
Fernando – Fracassamos. Eu não diria que foi um fracasso absoluto, mas fracassamos na política de Saúde, fracassamos na política de Educação. Se você contar do “Muda Campos” até agora e fizer essa análise pontual, fracassamos. Avançamos em algumas áreas, mas fracassamos em outras. E fracassamos, talvez, onde não poderíamos fracassar. Como disse o Darcy Ribeiro: “tentei implantar a universidade cidadã, tentei socorrer os índios. Perdi, mas não queria estar no lugar de quem venceu”. Na questão fundamental, nós erramos muitos.
Folha – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já declarou a falência do modelo brasileiro de presidencialismo de coalizão, que ele chamou de presidencialismo de cooptação. E toda a corrupção eviscerada pela Lava Jato parece confirmar isso. Acha que vivemos hoje a falência dos movimentos que levaram à redemocratização, do Brasil da Constituição de 1988?
Fernando - Não, absolutamente. Em algum momento declarei que não estou disposto a votar nas próximas eleições. Fiz essa declaração para provocar o debate. Para mim, faliu o modelo funcional do poder. O Legislativo brasileiro é o mais caro do mundo, o Judiciário brasileiro é o mais caro do mundo, o Executivo brasileiro é o mais caro do mundo. Não há a menor possibilidade de você manter um deputado com o padrão que o brasileiro mantém. Por uma razão simples: ele pode estar cheio das boas intenções, mas vai ter passagens aéreas, R$ 150 mil de gabinete para usar de acordo com a sua vontade, salário... É uma mordomia tão absurda que corrompe até os mais sérios. Foge absolutamente da realidade em um país onde o trabalhador ganha R$ 900. Mas podem falar que tem àqueles que resistiram. Quem? O Gabeira pagou passagem da filha dele para competir no exterior. É imoral. O Cristóvão Buarque foi acusado na Lava Jato. Quem sobra? Não há como atravessar o pântano sem sujar os pés. O modelo é necrosado, corrupto, mas é sedutor. Agora, se é o presidencialismo de coalizão, se é o parlamentarismo, isso pouco importa. A fórmula pouco importa, o modelo que está absolutamente equivocado.
Folha - O fracasso seria não só da sua geração, mas da que veio um pouco antes, como a de FHC e Lula, assim como a que veio depois, e hoje está na casa dos 40 anos?
Fernando - Meus heróis estão presos. Comecei no PT e tinha uma propensão a seguir as lideranças de Lula e José Dirceu. Sempre vi no Zé Dirceu a cabeça pensante que o Lula precisava. Depois fui para o PDT na volta do Brizola e passei a ter como referência política o Leonel Brizola, que é, na minha concepção, uma liderança tradicional, mas que tem o viés do estadista. Tem a devoção à causa pública. E Luiz Carlos Prestes, que é, para mim, o que se sobrepõe a todos os demais. Mas o Brizola já com pouca disponibilidade física, na curva descendente. Então ficou aquela geração seguir o Lula, principalmente o Zé Dirceu. E acabaram da forma que acabaram. Os meus heróis, que eram eles, estão todos presos. Se não estão presos, estão com tornozeleira eletrônica. Isso é um fracasso, não da minha geração...
Folha - O Lula não está preso. Está se discutindo se vão prender ou não...
Fernando - Mas as pessoas estão mais preocupadas, hoje, em saber o seguinte: é possível prender o Lula politicamente? Não que ele não seja culpado, mas é possível prender o Lula? O que vai acontecer se o Lula for preso? A questão do Brasil hoje é esta, a questão do judiciário brasileiro hoje é esta. Tanto é que um desembargador do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4) disse que mesmo que ele (Lula) seja condenado, ele não será preso. Disse isso antes do julgamento. Uma expectativa de que a prisão do Lula possa ensejar uma fratura institucional. Agora, que ele é dono de triplex, está absolutamente claro.
Folha - Você não acha irônico o Gilmar Mendes, que foi o algoz do PT durante todo o período petista, seja agora o principal aliado do partido para não prender Lula?
Fernando - Tem uma piada que diz que os juízes de primeiro grau acham que são deuses e os do Supremo têm certeza. O Gilmar Mendes se acha uma entidade que está acima dos poderes, que ele é intocável, tanto é que ele debocha. A referência que ele faz a Raquel Dodge, que é a procuradora-geral da República, é de uma grosseria. “Que ela fala pelos cotovelos”.
Folha - Você acha que o juiz Glaucenir Oliveira errou no que falou dele? (O magistrado disse em um áudio a um grupo no WhatsApp que o Gilmar teria recebido propina para soltar Garotinho na operação Caixa d’Água).
Fernando - Não, absolutamente. Eu assinaria, inclusive, o que o Glaucenir disse. É aquilo que eu penso dele.
Folha - Em que o atual governo pecou até agora e qual a colaboração que você pretende dar?
Fernando - Eu acho que o que está acontecendo em Campos é que as pessoas estão criticando o governo municipal, e elas têm o sagrado direito de fazê-lo, mas estão criticando as consequências, quando, na verdade, teriam que se ater às causas. Como é que o governo municipal vai administrar o maior município do estado do Rio de Janeiro, que teve no ano retrasado R$ 3 bilhões de orçamento, e que reduziu esse orçamento para R$ 1,5 bilhão, pagando o equivalente a R$ 2 milhões de juros da dívida. Rafael não tem como fazer mágica. Ele está fechando o mês com um déficit de aproximadamente R$ 30 milhões. Como é que faz? Antes podia errar à vontade que não aparecia. Tinha dinheiro de sobra. Agora tem uma grave questão, que é a questão financeira, e digo mais: o valor de royalties que a cidade já teve, não vai ter nunca mais. Os poços que estão na nossa bacia estão em declínio. Você não está administrando uma empresa privada. Neste cenário e neste contexto, administrando o maior município do estado do Rio de Janeiro. Você tem que fazer todas as concessões que a política exige... É muito complicada a situação. Eu conheço muito pouco o Rafael. Tive na campanha eleitoral uma vez com ele, agora mais recentemente, conversamos, duas, três, quatro vezes, mas deu para fazer uma leitura de que se trata de uma liderança. Nós tivemos poucas lideranças, não vou citar nomes, me perdoem, mas foram poucas no exercício da função de prefeito. O Rafael tem a característica do líder que assume o ônus e o bônus, do líder que se impõe, do líder que diz “não”. E ele quebrou um paradigma importantíssimo: a política assistencialista de Campos. Acho que ele vai encontrar a saída, óbvio, juntos com seus companheiros, com seus colaboradores.
Folha - O advogado tributarista Carlos Alexandre Campos, responsável pela ação que barrou o aumento do IPTU no governo Rosinha, faz uma série de críticas ao governo Rafael, mas diz que são “demandas reprimidas” do populismo. Você concorda?
Fernando - Acho que há expressões, como essa, por exemplo, que não abarcam a realidade. De que tudo foi em função do populismo. Eu não teria elementos para afirmar.
Folha - Ele fala especificamente em relação ao transporte público, à questão da Saúde.
Fernando - Nestes aspectos, sim. Não é que eu diga que ele está errado. Eu não sei se tudo tem a mesma origem, mas uma grande parte tem. A política da passagem a R$ 1, que é uma tentativa de criação uma “reserva de mercado eleitoral”. Essas políticas de distribuição de renda têm que fazer o sentido contrário. Elas não podem crescer, elas têm que diminuir. Na medida que você vai distribuindo renda, as pessoas vão se colocando no mercado. Mas quando ela vai crescendo em proporções gigantescas, é que elas não estão funcionando. E não só não funcionam aqui, como não funcionaram em lugar nenhum do mundo. Vai chegar uma hora que ela vai ter que parar.
Folha - À coluna Ponto Final, sobre sua entrada no governo, você disse: “Minha tarefa será trabalhar pela unidade da administração, na interface entre as secretarias. Não se pode descuidar do trabalho político entre governo e sociedade, melhorando a comunicação. Dar à gestão um caráter mais institucional e menos paternalista”. Você pode se aprofundar um pouco mais nisso?
Fernando - As administrações tendem a ser “estantes”. A secretaria de Saúde atua em uma área, a secretaria de Educação em outra, a Promoção Social em outra. E você pode fazer um arranjo de uma forma que as secretarias se relacionem melhor e consiga otimizar as relações de maneira que haja organicidade. Trabalhar para que o governo tenha o seu símbolo. Quem define isso é o prefeito. O Brizola tinha os CIEPs. Não sei qual vai ser do Rafael. Vou usar minha experiência para isso, a minha mobilidade interna para poder fazer isso por dentro e depois transpor os muros do governo e ampliar o debate. O governo tem que ouvir a sociedade obrigatoriamente.
Folha - Em função de problemas de saúde, sua atuação política e jornalística nos últimos anos se tornou mais virtual, com postagens e lives nas redes sociais. Como foi a reação da sua família sobre esta decisão de voltar fisicamente ao serviço público?
Fernando - Foi difícil. Minhas filhas, principalmente. O meu filho, não, porque é do ramo, ele gosta de política, mas minhas filhas, principalmente, foram contrárias num primeiro momento. Elas acham que eu deveria aguardar um pouco mais, que eu estou em um processo de recuperação de uma depressão muito grave e ainda não estou absolutamente... Eu não vou ficar absolutamente curado. Mas absolutamente seguro. O prefeito Rafael me deu ampla liberdade para se eu não estiver fisicamente bem, voltar para casa, aguardar sem problemas.
Folha - Como avalia a mudança de estratégia do governo em trocar o pré-candidatura à Câmara Federal de César Tinoco por Marcão Gomes? Acha que o alvo é Wladimir?
Fernando - Eu não tenho elementos para esse julgamento por duas razões: estou no governo há pouco tempo. Fui professor do César na Faculdade de Filosofia, mas fazia tempo que não o via. Não sei que elementos motivaram a troca do César pelo Marcão. Agora, inegavelmente, o Marcão parece ter mais “poeira na mochila” do que o César. Não sei, mas acho que no frigir dos ovos essa eleição vai ser muito mais uma leitura da força política do governo Rafael. Acho que o que vai ser avaliado nas urnas, independente das virtudes do Marcão, que são muitas, é a força política da gestão Rafael.
Folha - Muitos analistas dizem que a eleição de 2020 a prefeito passa por 2018. Você acha que esse embate entre Wladimir e Marcão, se tiver um eleito e outro não, isso pode ser um indicativo para 2020?
Fernando - É um indicativo, mas não é uma definição. Por exemplo, ouvi dizer que o Wladimir é um candidato. Eu vi o Wladimir nascer. Não sei qual é o modus operandi político de Wladimir porque nos distanciamos e convivi com ele ainda criança.
Folha - Mas é uma pessoa hábil nas redes sociais como o pai não é.
Fernando - Sim, mas você tem que considerar que, sem depreciar, mas Wladimir é ovo de serpente. Ele pode se eleger maravilhosamente bem, pode ser um belíssimo parlamentar, mas a origem dele está marcada. Ele tem marca na testa. A gente sabe da onde ele vem. Então, eu acho que o vitorioso é um indicativo, mas não é uma definição. Uma eleição puxa a outra, mas não necessariamente repete. Aliás, não repete quase nunca.
Folha - Como avalia as medidas impopulares tomadas pelo prefeito no primeiro ano de governo? Sobretudo os cortes nos programa sociais, eleitos como prioridade quando o “Muda Campos” chegou ao poder em 1989?
Fernando - Foram cortes absolutamente necessários. Eu raciocino da seguinte maneira: não há ninguém no mundo que goste de desgaste, mas talvez o político seja o que mais evita o desgaste. De todas as maneiras. Se você disser que é contra a paralisia infantil, para não haver desgaste, o político vai dizer que é a favor também para não perder o voto. Acho que o que Rafael fez foi um ato de coragem porque ele tinha que fazer obrigatoriamente porque senão os resultados seriam danosos. E ninguém, absolutamente, faz isso porque quer. Faz isso porque tem que fazer. Foi a herança maldita que ele recebeu.
Folha - No texto na seção “História” do site da Uenf consta: “ Em 10/12/1992, foi aprovada a Lei número 2.043/92, de autoria do deputado Fernando Leite Fernandes, criando a Fundação Estadual Norte Fluminense, com a missão de manter e desenvolver a Universidade Estadual do Norte Fluminense e implantar e incrementar o Parque de Alta Tecnologia do Norte Fluminense”. Como vê hoje a universidade criada por Darcy Ribeiro?
Fernando - Vejo com muita preocupação. A Uenf é resultado de uma emenda popular na Constituinte de 1988. Quando houve a votação, foi colocada uma armadilha dizendo o seguinte: se em dois anos a Uenf não estivesse definitivamente implantada, ela deixaria de existir e a Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) iria interiorizar os cursos. A minha lei era exatamente para flexibilizar a implantação da Uenf por esse motivo. E funcionou. Quando a Uenf vem para Campos... O mundo acadêmico é muito vaidoso. Então ele vem para Campos como se fosse uma nave que pousa na planície e poucas pessoas tinham acesso. Ela demorou um tempo para se sentir campista, regionalista. Custou um tempo, mas depois isso começou a acontecer. Agora, quando há uma oportunidade dela dar uma contribuição que o município precisa, que é a hora da grande crise do município, ela vive a sua grande crise também. Isso me preocupa muito.
Folha - Sobretudo em meio aos universitários e candidatos a se tornarem, a Uenf há alguns anos é conhecida como a “universidade das greves”. Antes presentes só no discurso de figuras manjadas dos movimentos grevistas, alunos e pais de alunos ganharam voz própria com o advento das redes sociais. E são, majoritariamente, críticos aos motivos e meios utilizados para justificar as greves. Com você vê essa oposição cada vez mais clara nas narrativas?
Fernando - Eu tenho um sobrinho que era para estar formado em zootecnia há uns pelo menos dois, três anos. E ele só não está formado por causa das greves. Então a greve, nesse setor específico, é contra o aluno. Pelo governo, a universidade pode ficar fechada o tempo inteiro. É menos um problema, mas para o aluno é uma perda irreparável. Acho que é hora do movimento sindical se reciclar. Descobrir uma fórmula que não penalize o aluno e que seja mais eficaz na defesa de seus interesses, que são legítimos. Se você for considerar os valores pagos no mercado da Educação, um professor da Uenf ganha, pode não ser o que ele merece, mas ele ganha infinitamente mais do que um professor de outra universidade.
Folha - Mas o credor não espera...
Fernando - Não estou dizendo que está errado o fato dele reivindicar o que ele tem direito. Digo que esse é um dado que nunca aparece no movimento grevista, mas que tem que aparecer e a rede social mostra.

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